Governo Bolsonaro decide suspender contrato sob suspeita para compra da Covaxin

Medida ocorre em meio a suspeita de irregularidades no acordo da vacina indiana, firmado em fevereiro e alvo da CPI da Covid e da Procuradoria

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Brasília

O Ministério da Saúde decidiu suspender o contrato com a Precisa Medicamentos para obter 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin.

A informação foi dada pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, à CNN Brasil, e confirmada por ele à Folha. A decisão ocorre em um momento em que indícios de irregularidades no contrato têm sido o novo alvo da CPI da Covid no Senado.

Segundo membros da pasta, a decisão atual é pela suspensão até que haja novo parecer sobre o caso. A pasta, porém, já avalia a possibilidade de cancelar o contrato.

mão de homem com anel vermelho escuro no dedo segura frasco transparente
O ministro indiano da Saúde, Harsh Vardhan, segura um frasco da vacina Covaxin durante campanha de vacinação em Nova Déli - Adnan Abidi/Reuters

No fim da tarde desta terça-feira (29), logo após cerimônia no Palácio do Planalto, Queiroga e o ministro da CGU (Controladoria-Geral da União), Wagner Rosário, oficializaram a notícia da suspensão.

"Por orientação da Controladoria-Geral da União, por uma questão de conveniência e oportunidade, decidimos suspender o contrato para que análises mais aprofundadas sejam feitas", afirmou Queiroga.

"Por outro lado, o Ministério da Saúde vai fazer uma apuração administrativa para verificar todos os aspectos da temática que foi suscitada a partir do final da semana passada", disse o ministro da Saúde.

De acordo com Rosário, a investigação deve durar "não mais de dez dias". A equipe da CGU foi reforçada, segundo o ministro, para que o processo seja célere.

"A gente suspendeu por uma medida simplesmente preventiva, visto que existe denúncia de uma possível irregularidade que não conseguiu ainda ser bem explicada pelo denunciante. Abrimos uma investigação preliminar na semana passada, uma auditoria específica em relação ao contrato e o tempo de suspensão vai durar tão somente o prazo da apuração", afirmou o chefe da CGU.

Como a Folha mostrou na última semana, o tema tem sido alvo de discussão na consultoria jurídica, diretoria de integridade e áreas técnicas da pasta. O processo também é avaliado por órgãos de controle.

Em nota, a pasta diz que a decisão ocorreu por recomendação da Controladoria-Geral da União.

"De acordo com a análise preliminar da CGU, não há irregularidades no contrato, mas, por compliance, o Ministério da Saúde optou por suspender o contrato para uma análise mais aprofundada do órgão de controle", diz a pasta, que nega ter feito pagamentos pela vacina. O governo, porém, reservou o valor de R$ 1,6 bilhão para o contrato.

Segundo o Ministério da Saúde, a suspensão não vai alterar a previsão da pasta de vacinar toda a população com mais de 18 anos até setembro.

A existência de denúncias de irregularidades em torno da compra da vacina indiana Covaxin foi revelada pela Folha no último dia 18, com a divulgação do depoimento sigiloso do servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda ao Ministério Público Federal, que relatou pressão "atípica" para liberar a importação da Covaxin.

Desde então, o caso virou prioridade da CPI no Senado. A comissão suspeita do contrato para a aquisição da imunização, por ter sido fechado em tempo recorde, em um momento em que o imunizante ainda não tinha tido todos os dados divulgados, e prever o maior valor por dose, em torno de R$ 80 (ou US$ 15 a dose).

Meses antes, o ministério já tinha negado propostas de vacinas mais baratas do que a Covaxin e já aprovadas em outros países, como a Pfizer (que custava US$ 10).

A crise chegou ao Palácio do Planalto após o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), irmão do servidor da Saúde, relatar que o presidente havia sido alertado por eles em março sobre as irregularidades. Bolsonaro teria respondido, segundo o parlamentar, que iria acionar a Polícia Federal para que abrisse uma investigação.

A CPI da Covid, no entanto, averiguou e constatou que não houve solicitações nesse sentido para a PF. Ao se manifestar sobre o assunto, Bolsonaro primeiro disse que a Polícia Federal agora vai abrir inquérito para apurar as suspeitas e depois afirmou que não tem “como saber o que acontece nos ministérios”.

Na segunda-feira (28), três senadores, incluindo o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), ingressaram com uma notícia-crime no STF (Supremo Tribunal Federal) contra Bolsonaro pelo crime de prevaricação.

O documento também é assinado por Fabiano Contarato (Rede-ES) e Jorge Kajuru (Podemos-GO). A denúncia se baseia nos fatos recentes relacionados ao contrato para a aquisição da vacina indiana Covaxin.

Os autores do documento requerem, com a eventual aceitação da denúncia, que o procurador-geral da República, Augusto Aras, seja intimado a promover a denúncia contra o presidente pela prática do crime de prevaricação —quando o agente público retarda ou deixa de agir em benefício do bem público.

Os senadores também pedem na peça jurídica que Bolsonaro seja intimado e responda em 48 horas se foi comunicado das denúncias envolvendo irregularidades na aquisição da Covaxin, se apontou o deputado federal Ricardo Barros (PP-PR) como provável responsável pelo ilícito e se adotou as medidas cabíveis para apurar as denúncias.

Por último, a notícia-crime também pede a intimação da Polícia Federal para que explique em 48 horas se houve a abertura de inquérito para apurar denúncias sobre aquisição da vacina Covaxin e ofereça destaques sobre o procedimento.

A ministra Rosa Weber, que foi sorteada relatora do caso, enviou na noite de segunda-feira para a Procuradoria-Geral da República a notícia-crime com o pedido para investigar Bolsonaro. O envio à PGR é um movimento rotineiro nessas ações, porque cabe à Procuradoria decidir se instaura um inquérito.

O contrato com a Precisa foi firmado em fevereiro. Integrantes do governo justificam o acordo dizendo que o objetivo era obter doses ainda no primeiro semestre, em tentativa de acelerar a campanha de imunização. A previsão de entrega, no entanto, nunca foi cumprida, o que tem dado margem para discutir romper o acordo.

A dificuldade para importar doses é outro fator que tem pesado na análise sobre a manutenção do contrato. No início de junho, após negativa de um pedido anterior, a Anvisa concedeu aval ao Ministério da Saúde para importação da vacina, mas sujeitou a medida a uma série de restrições, como acompanhamento em estudos clínicos. O volume de doses para importação inicial também foi limitado a 4 milhões.

Desde então, a avaliação dentro do ministério é que, além do avanço das investigações, uma possível obtenção dos 4 milhões de doses traria menor impacto neste momento diante da previsão de entrega de mais fornecedores no segundo semestre.

Há também o temor de que as investigações em torno do caso afetem a confiança em torno da vacina.

Nesta terça-feira, a Precisa entrou com pedido de uso emergencial da vacina na Anvisa. O prazo para análise varia de sete dias úteis a até 30 dias, a depender da entrega dos documentos exigidos pela agência.

O QUE ACONTECEU APÓS A REVELAÇÃO DO CASO PELA FOLHA

Reportagem aponta pressão atípica (18.jun)
Em depoimento mantido em sigilo pelo MPF (Ministério Público Federal) e obtido pela Folha, Luís Ricardo Fernandes Miranda, chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde, afirmou ter sofrido pressão de forma atípica para tentar garantir a importação da vacina indiana Covaxin

'É bem mais grave' (22.jun)
Irmão do servidor do Ministério da Saúde, o deputado federal Luís Miranda (DEM-DF) disse à Folha que o caso é "bem mais grave" do que a pressão para fechar o contrato

Menção a Bolsonaro (23.jun)
Luis Miranda afirmou ter alertado o presidente sobre os indícios de irregularidade. "No dia 20 de março fui pessoalmente, com o servidor da Saúde que é meu irmão, e levamos toda a documentação para ele"

CPI aprova depoimentos (23.jun)
Os senadores da comissão aprovaram requerimento de convite para que o servidor Luís Ricardo Miranda preste depoimento. A oitiva será nesta sexta-feira (25) e o deputado Luis Miranda também será ouvido.
Os parlamentares também aprovaram requerimento de convocação (modelo no qual a presença é obrigatória) do tenente-coronel Alex Lial Marinho, que seria um dos autores da pressão em benefício da Covaxin. A CPI também decidiu pela quebra de sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático de Lial Marinho

Denúncia grave (23.jun)
Presidente da CPI, o senador Omar Aziz (PSD-AM) afirmou que as denúncias de pressão e a possibilidade de que o presidente Jair Bolsonaro tenha tido conhecimento da situação talvez seja a denúncia mais grave recebida até aqui pela comissão

Bolsonaro manda PF investigar servidor e deputado (23.jun)
O presidente mandou a Polícia Federal investigar o deputado Luis Miranda e o irmão dele, Luis Ricardo Fernandes Miranda. O ministro da Secretaria-Geral, Onyx Lorenzoni, e Elcio Franco, assessor especial da Casa Civil e ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, foram escalados para fazer a defesa do presidente. Elcio é um dos 14 investigados pela CPI

Empresa diz que preço para Brasil segue tabela (23.jun)
A Precisa Medicamentos, representante no Brasil do laboratório indiano Bharat Biotech, afirmou que o preço de US$ 15 por dose da vacina oferecido ao governo segue tabela mundial e é o mesmo praticado com outros 13 países

Governistas dizem que Bolsonaro repassou suspeitas a Pazuello (24.jun)
Senadores governistas da CPI afirmaram que o presidente pediu que Pazuello verificasse as denúncias envolvendo a compra da Covaxin assim que teve contato com os indícios

'Acusação é arma que sobra' (24.jun)
Bolsonaro fustigou integrantes da CPI, repetiu que não há suspeitas de corrupção em seu governo e afirmou que a acusação sobre a vacina é a arma que sobra aos seus opositores. "Me acusam de quase tudo, até de comprar uma vacina que não chegou no Brasil. A acusação é a arma que sobra", disse o presidente na cidade de Pau de Ferros, no Rio Grande do Norte

'Foi o Ricardo Barros que o presidente falou' (25.jun)
Em depoimento à CPI da Covid, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), que é irmão do servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda, afirmou ter alertado Bolsonaro. “A senhora também sabe que foi o Ricardo Barros que o presidente falou", disse o parlamentar à senadora Simone Tebet (MDB-MS). Segundo ele, Bolsonaro afirmou: "Vocês sabem quem é, né? Sabem que ali é foda. Se eu mexo nisso aí, você já viu a merda que vai dar, né? Isso é fulano. Vocês sabem que é fulano"

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