Descrição de chapéu Folhajus STF folha explica

Entenda o indulto de Bolsonaro a Daniel Silveira e suas lacunas

Medida do ex-presidente a favor de ex-deputado foi declarada inconstitucional pelo STF

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São Paulo

O indulto individual do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ao deputado federal cassado Daniel Silveira (PTB-RJ) deixou uma série de incertezas jurídicas diante do ineditismo da medida, que costuma ser concedida de forma coletiva.

O STF (Supremo Tribunal Federal) formou maioria para derrubar o perdão nesta quinta-feira (4). A presidente da corte, Rosa Weber, havia votado pela inconstitucionalidade do decreto de Bolsonaro. Ela é a relatora de quatro ações apresentadas pela Rede, PDT, Cidadania e PSOL contrárias ao benefício.

Em tese, o instrumento impediria o cumprimento da pena de 8 anos e 9 meses de prisão, determinada pelo STF por 10 votos a 1 por ataques feitos pelo deputado à corte, mas não sua inelegibilidade.

Bolsonaro assinou o decreto menos de 24 horas após a condenação do parlamentar bolsonarista, em uma medida que ampliou a tensão entre os Poderes. O presidente mencionou o direito à liberdade de expressão e a defesa do interesse público para justificar a medida.

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o deputado federal cassado Daniel Silveira (PTB-RJ) indo ao local de votação no Rio de Janeiro, no primeiro turno do pleito presidencial contra Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o deputado federal cassado Daniel Silveira (PTB-RJ) indo ao local de votação no Rio de Janeiro, no primeiro turno do pleito presidencial contra Luiz Inácio Lula da Silva (PT) - Mauro Pimentel - 2.out.22/AFP

Entenda as principais questões envolvendo o indulto concedido por Bolsonaro a Silveira:

O que é o indulto individual?

Chamado de benefício da graça, o indulto individual é o perdão da pena judicial e pode ser concedido apenas pelo presidente da República, conforme prevê a Constituição Federal de 1988. A Carta ainda reitera a inaplicabilidade em casos de condenados por tortura, tráfico de drogas, terrorismo e outros crimes considerados hediondos.

Bolsonaro se baseou no Código de Processo Penal, segundo o qual "a graça poderá ser provocada por petição do condenado, de qualquer pessoa do povo, do Conselho Penitenciário, ou do Ministério Público, ressalvada, entretanto, ao presidente da República, a faculdade de concedê-la espontaneamente".

Qual a diferença do indulto comum?

Em geral, os indultos, previstos tanto na Constituição quanto na legislação penal, são coletivos e beneficiam diversos condenados que cumpram requisitos objetivos, como tempo de prisão.

Além disso, o benefício costuma ser concedido àqueles que já estejam cumprindo a pena. No caso de Silveira, o indulto foi emitido antes mesmo do trânsito em julgado, ou seja, antes de esgotadas todas as chances de recurso judicial.

O que diz o decreto de indulto a Daniel Silveira?

O decreto assinado por Bolsonaro diz que a prerrogativa presidencial para a concessão de indulto individual é medida fundamental à manutenção do Estado democrático de Direito e que a liberdade de expressão é "pilar essencial da sociedade em todas as suas manifestações".

O texto justifica a concessão da medida para manter o mecanismo de freios e contrapesos entre os três Poderes e zelar pelo interesse público, afirmando que a sociedade encontra-se em "legítima comoção" devido à condenação do deputado.

Na sequência, o presidente concede a graça a Daniel Silveira, afirma que o benefício independente do trânsito em julgado [da ação] e que abrange "as penas privativas de liberdade, a multa, ainda que haja inadimplência ou inscrição de débitos na Dívida Ativa da União, e as penas restritivas de direitos".

Por que Daniel Silveira foi condenado?

Em fevereiro de 2021, o deputado federal Daniel Silveira publicou um vídeo com ataques a Edson Fachin e outros integrantes da corte, em que sugere agredi-los e defende a destituição, após o magistrado criticar uma declaração do ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas sobre um post feito às vésperas do julgamento de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2018.

"Por várias e várias vezes já te imaginei levando uma surra. Quantas vezes eu imaginei você e todos os integrantes dessa corte aí. Quantas vezes eu imaginei você, na rua levando uma surra. O que você vai falar? Que eu tô fomentando a violência? Não, só imaginei", afirma o parlamentar no vídeo.

"Suprema Corte é o cacete. Na minha opinião vocês [ministros do STF] já deveriam ter sido destituídos do posto de vocês e uma nova nomeação convocada e feita de 11 novos ministros. Vocês nunca mereceram estar aí. E vários que já passaram também não mereciam. Vocês são intragáveis, inaceitável, intolerável, Fachin", afirma.

O vídeo acabou fazendo com que o ministro Alexandre de Moraes decretasse a prisão dele no ano passado. O deputado foi detido em flagrante.

Como votaram os ministros do STF?

Silveira foi condenado a 8 anos e 9 meses de prisão por 10 votos a 1. Os ministros afirmaram que a análise do processo vai além da situação concreta do deputado e que se trata, na verdade, de defender a democracia e as instituições.

Os ministros também aprovaram cassar o mandato de deputado, suspender os direitos políticos de Silveira, que articula candidatura ao Senado, e aplicar multa de cerca de R$ 192 mil.

A defesa de Silveira afirmou que ele foi vítima de um julgamento político.

Como o STF reagiu ao indulto a Daniel Silveira?

Ministros do STF classificaram nos bastidores como "surreal" o indulto concedido a Silveira, como apurou a Folha. Os magistrados disseram que nunca o instrumento foi usado para esse fim.

Carlos Ayres Britto, ex-ministro do STF e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), disse que o decreto "padece de inconstitucionalidade autoevidente" e que "indulto não é cheque em branco". Ayres Britto ainda negou categoricamente a elegibilidade do deputado cassado para o pleito de 2022.

"Indulto não é para elegibilizar quem se tornou inelegível. Inelegibilidade não pode ser afastada por indulto. É matéria político-eleitoral, não é matéria penal", conclui.

Quais as lacunas envolvendo o indulto concedido a Silveira?

Pela decisão dos ministros do STF, havia quatro punições previstas a Silveira: prisão, perda de mandato, suspensão dos direitos políticos e o pagamento de multa de cerca de R$ 192 mil.

Em condições normais, o indulto alivia a pena imposta ao réu, mas não seus efeitos secundários. O decreto de perdão de Bolsonaro, porém, incluiu penas privativas de liberdade, multa e penas restritivas de direitos.

A manutenção dos chamados efeitos secundários, portanto, foi alvo de questionamento na corte. Rosa Weber, em seu voto, deliberou pela continuação dos efeitos, como a inelegibilidade, na lista das consequências que continuam aplicáveis mesmo após o indulto normal.

Para ministros das cortes superiores e juristas ouvidos pela Folha, o indulto à Silveira não anula a perda de mandato imposta ao parlamentar pelo STF e a inelegibilidade. A Lei da Ficha Limpa prevê a perda de direitos políticos de condenados por decisão colegiada.

O STF já se manifestou sobre indultos?

Apesar da maioria formada para a declaração de inconstitucionalidade do indulto individual concedido por Bolsonaro, os ministros da Suprema Corte brasileira já deliberaram sobre a concessão de liberdade a presos pelo presidente da República.

Em 2019, ao julgar um indulto natalino assinado pelo ex-presidente Michel Temer (MDB) em dezembro de 2017, o Supremo decidiu que o chefe do Executivo tem a atribuição constitucional de editar o decreto de indulto da forma como quiser.

Na ocasião, por 7 votos a 4, os ministros julgaram constitucional o decreto que perdoou, entre outros, condenados por corrupção e lavagem de dinheiro que tinham, até aquela data, cumprido um quinto (o equivalente a 20%) da pena.

Votaram nesse sentido os ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli. Foram vencidos o relator do processo, Barroso, Edson Fachin, Luiz Fux e Cármen Lúcia.

Qual foi a reação da Câmara sobre o indulto?

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), apresentou um recurso no STF para ficar definido que é do Congresso a última palavra sobre a cassação de um mandato parlamentar.

O agravo foi apresentado em uma ação de 2018 impetrada por Rodrigo Maia (PSDB-RJ), então presidente da Câmara. Na época, o STF condenou o ex-deputado Paulo Feijó (PP-RJ) e determinou a perda do cargo no Congresso, com a devida comunicação da decisão à Casa Legislativa para fins de mera declaração.

O presidente da Câmara argumenta que as decisões envolvendo Daniel Silveira serão apreciadas no formato de projeto de resolução, que permite ao plenário alterar a pena recomendada pelo Conselho de Ética —e não só arquivar ou referendar. Foi o entendimento adotado no caso da ex-deputada Flordelis, e dificulta ainda mais a cassação do mandato de parlamentares no futuro.

O que Bolsonaro já disse sobre indultos?

Em 2018, após ser eleito, Bolsonaro afirmou que não concederia nenhum indulto ao longo de seu governo.

"Já que indulto é um decreto presidencial, a minha caneta continuará com a mesma quantidade de tinta até o final do mandato", afirmou ele em uma formatura de oficiais da Aeronáutica naquele ano.

Em uma mensagem nas redes sociais, Bolsonaro afirmou ter sido eleito para pegar pesado na questão da violência e da criminalidade. "Garanto a vocês, se houver indulto para criminosos neste ano, certamente será o último".

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