Kore-eda, de 'Assunto de Família', volta a Cannes em filme com ator de 'Parasita'
Primeiro longa do diretor japonês na Coreia segue pensando na família, enquanto o espanhol Albert Serra segue contemplativo
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Um dos mais celebrados cineastas japoneses em atividade, Hirokazu Kore-eda tem como marca registrada os dramas familiares emotivos, em que núcleos ligados por sangue ou pelas circunstâncias e tragédias à sua volta atravessam situações desconcertantes, com muito sentimentalismo.
Em seu retorno ao Festival de Cannes após vencer a Palma de Ouro com "Assunto de Família", em 2018, as coisas não poderiam ser diferentes. Kore-eda mais uma vez desfila pela Croisette com um drama que herda tudo o que o projetou internacionalmente, mas com uma pegadinha —as especificidades da cultura e das relações japonesas dão lugar, em "Broker", a algo como intermediário, ou atravessador, aos sul-coreanos.
Pela primeira vez, o cineasta filmou na Coreia do Sul, fato que, sozinho, já desperta a curiosidade para o novo título. Falamos, afinal do representante de um cinema mais clássico, digamos, e também contido, gravando uma história em meio ao boom recente de cultura coreana, ancorado por um cinema jovem, inventivo e muitas vezes com certa excentricidade —vide Park Chan-Wook, também na disputa pela Palma de Ouro deste ano.
O resultado é interessante e é possível perceber que "Broker" —título que remete a uma espécie de intermediário em uma negociação ou crime— é uma fusão bem equilibrada das duas culturas. E Kore-eda não poupou esforços, trazendo no elenco o astro de "Parasita", Song Kang-ho, e também Bae Doona, de "A Viagem", "O Hospedeiro" e a série "Sense8".
"Broker" narra a história de uma jovem que, após dar à luz, abandona seu bebê numa caixa criada especialmente para isso, na cidade de Busan. Escondida perto dali, uma policial observa tudo, tentando rastrear dois homens que coordenam um esquema de tráfico de crianças.
Mas eles são boa gente, como os personagens carregados de falhas de Kore-eda normalmente o são, e vendem os bebês para famílias com condições de dar amor e uma boa criação para eles. Não por benevolência, claro, já que precisam de dinheiro.
O filme, então, leva o espectador por uma viagem de cidade em cidade em busca de pais dispostos a comprar o novo bebê, com a policial no encalço da dupla. Aos poucos, como é de praxe no cinema do japonês, o grupo de trambiqueiros vai crescendo e virando, de certa forma, uma família.
Mais uma vez é curioso e agradável ver Kore-eda mexendo e remexendo no que chamamos de família. Suas configurações incomuns com frequência nos levam a questionar essa instituição, em constante mudança e também um ímã permanente de controvérsia, com discussões sobre aborto, feminismo e homofobia sempre presentes.
Não que o japonês cruze muitas fronteiras ou fuja totalmente de sua zona de conforto. Para além da ambientação coreana, há pouca novidade neste novo filme, embalado mais uma vez por uma trilha incisiva de pianos e violões. Ainda assim, Kore-eda é mestre em discutir as relações familiares e a natureza humana, então entrega exatamente o que promete em "Broker".
Infinitamente mais disruptivo, o espanhol Albert Serra é outro que concorre à Palma de Ouro com um filme não falado em sua língua materna. Ambientado na Polinésia Francesa, "Pacifiction" —uma junção de oceano Pacífico com a palavra ficção—, não é uma bacanal, como seu último longa, "Liberté", vencedor do prêmio do júri da mostra Um Certo Olhar em 2019.
Preserva, porém, elementos já observados no trabalho anterior —a inexplicável duração acima das duas horas é uma delas. Em "Pacifiction", acompanhamos o dia a dia de um homem que administra um hotel na ilha paradisíaca e é também representante do governo francês.
Ele precisa equilibrar os pedidos da população local por mais autonomia ao mesmo tempo em que autoridades querem voltar a realizar testes nucleares na ilha. Enquanto isso, divaga incessantemente sobre causas filosóficas e políticas, de forma semelhante ao que fez em "Liberté" —mas sem alcançar novamente a proeza de entediar o espectador com sexo a toda hora.
"Pacifiction" não é erótico como seu antecessor e fica boa parte de sua duração num total marasmo. Não foram poucos os que abandonaram a sessão antes de as duas horas e 45 minutos de duração chegarem ao fim. A certa altura, o protagonista diz que "política é como uma discoteca" mas parece que faltou a Serra investir nessa segunda parte.
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