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Eleitos democraticamente, presidentes absolutistas se comportam como reis

Na teoria clássica é Deus quem designa o monarca, nesta nova é o povo que lhes dá todo o poder

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Sebastián Godínez Rivera

É cientista político da Universidade Nacional Autônoma do México, estudante de jornalismo na Escola de Jornalismo Carlos Septién e analista do think tank Laboratorio Electoral.

O mundo tem presenciado a ascensão de líderes populistas que são respaldados por grandes setores populacionais. Sabe-se que são populistas autoritários porque pretendem minar os contrapesos que os impedem de acumular poder. Independentemente de sistemas presidenciais ou parlamentares, sua atuação se assemelha mais aos monarcas absolutos do que aos líderes eleitos.

O presidente russo Vladimir Putin é projetado em telão, em Moscou, durante discurso em que anuncia a anexação de territórios ucranianos
O presidente russo Vladimir Putin é projetado em telão, em Moscou, durante discurso em que anuncia a anexação de territórios ucranianos - Alexander Nemenov - 30.set.2022/AFP

Até os apelidos que adquirem na opinião pública dizem muito sobre a concepção mundo que têm; por exemplo, Recep Tayyip Erdogan é apelidado de "sultão da Turquia" ou Vladimir Putin é conhecido como "o novo czar russo". Os apelidos foram dados devido à forma em que exercem o poder, absoluto e indiscutível, por isso considero importante explicar em que consiste o conceito de presidências absolutistas.

Desde a aparição da filosofia política, os modelos presidenciais e parlamentares foram separados e marcados pela discussão de qual é mais efetivo para limitar o poder. Na ciência política, autores como Thomas Hobbes e Perry Anderson estabeleceram as características dos modelos monárquicos, nos quais o rei exerce o poder porque foi eleito por Deus para fazê-lo e, portanto, suas funções e desígnios não têm limites.

Por outro lado, nos sistemas presidencialistas, o chefe de Estado ou chefe de governo é legítimo sempre e quando a vontade popular o leve ao cargo. Estudiosos como Daniel Zovatto, Diego Valadés e Jorge Carpizo estabelecem que nesses modelos o poder tem limites, mas nos últimos tempos temos visto que alguns executivos acumularam um poder pessoal e onipotente sob o amparo das maiorias.

O conceito de absolutismo presidencial refere-se a sistemas políticos que têm executivos ou mandatários que emanam democraticamente das urnas, mas que, ao ter o poder, se comportam como reis absolutos. Agora, diferente da teoria clássica, na qual é Deus quem designa o monarca, nessa nova é o povo, como esses líderes chamam, que lhes dão todo o poder.

Através das urnas, as massas elegem esses líderes que utilizam sua simpatia e retórica incendiária e denunciam o status quo. Após ganhar o poder, apesar dos pesos e contrapesos institucionais, as maiorias apoiam e outorgam a legitimidade para corroer a democracia e concentrar maiores poderes. Os sufrágios dão maiorias a esses governos que cooptam instituições independentes e até desafiam o marco legal estabelecido com funções que não tem.

Um exemplo seria a reeleição de Nayib Bukele em El Salvador, apesar da Constituição proibir a candidatura imediata a um segundo mandato.

Por outro lado, no México, López Obrador tentou, através de um memorando, derrubar as reformas estruturais, um poder que o executivo não tem. Na Venezuela e na Nicarágua, Nicolás Maduro e Daniel Ortega, respectivamente, se veem como fontes de poder político e de revoluções que pretendem liderar.

Na Europa e na Ásia, personagens como Vladimir Putin, Erdogan, Viktor Orbán, Andrzej Duda e Xi Jinping tornaram-se figuras que encarnam o poder onipotente das presidências. Conseguiram anular a oposição e fortaleceram seu partido e seus poderes presidenciais, enquanto convenciam as massas de que são a única opção para transformar o país. A subjugação dos órgãos do Estado permitiu consolidar seus poderes constitucionais e metaconstitucionais.

Putin é conhecido como "o czar" porque, no passado monárquico, os czares eram os chefes do império: exerciam o poder de forma unipessoal e, em alguns casos, a duna ou o congresso exerciam um contrapeso. O mesmo ocorre na Rússia do século XXI: tudo está sujeito ao personalismo do presidente russo, que sabe como puxar as cordas do sistema político que moldou a sua própria imagem.

Na Turquia, Erdogan se tornou o novo construtor do Estado turco, exerce o poder desde 2014 e tem tentado se aproximar da Europa para consolidar um desenvolvimento econômico e social superior a outros países mediterrâneos. Alguns estudiosos argumentam que pretende devolver ao país a glória do extinto Império Otomano, mas ao ter tintes nacionalistas, outros o comparam ao ex-presidente Kamel Ataturk, que foi o construtor da república turca.

O mandatário tornou-se pilar do sistema político e se apresenta a eleições periódicas que continua a ganhar a reeleição.

Enquanto isso, o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán e o presidente polonês Andrzej Duda levantaram bandeiras nacionalistas para combater a ideologia de gênero e a comunidade de diversidade sexual e acumulam poder para impor uma visão única em seus países.

A forma em que exercem o poder baseia-se na polarização e divisão da população para radicalizar suas políticas. Além disso, o crescimento de suas funções constitucionais levou ao enfraquecimento dos contrapesos. Ao comparar esses dois países, pode-se concluir que os populistas debilitam os sistemas políticos, sem importar se são parlamentares ou presidenciais.

Por fim, na China, Xi Jinping tornou-se não só o presidente, mas também uma referência para seu país após três mandatos, algo que só o líder histórico da revolução, Mao Tsé Tung, havia conseguido. Desde o século 20, a China é um sistema de partido único, sem eleições, o que impede o povo de eleger diretamente o presidente. O sigilo de sua política e a falta de democracia foram o que permitiram a sobrevivência desse regime autoritário.

A aparição de presidentes que exercem o poder de forma monárquica absolutista não é o mesmo que uma ditadura. Os ditadores apostam no uso da força bruta e chegam ao poder mediante golpes de Estado; os presidentes absolutistas, em troca, o fazem através das urnas e começam a minar os controles do poder de dentro. Ademais, creem que o amplo apoio popular que tem lhes permite destruir instituições, já que seus simpatizantes consideram que a destruição é necessária para mudar para um modelo "mais democrático".

Isso é conhecido como a tirania das maiorias, que consideram que, por serem mais numerosas, podem decidir de forma unipessoal, através de seu líder, sem se importarem com o que pensam outros setores e mesmo que se oponham. O absolutismo mudou de mãos: antes pertencia aos reis, mas hoje são alguns presidentes que anseiam por esse poder supremo.

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