O
problema de São Paulo não é corrupção,
mas ingratidão
O Ministério Público de São Paulo denunciou,
na semana passada, servidores municipais que exploravam defuntos.
A polícia
coletou provas de que a quadrilha cobrava pedágios
dos jardineiros credenciados para conservar os túmulos
e exigia propinas dos familiares para que os corpos não
fossem exumados; as covas são temporárias e,
passados três anos, a exumação deveria
ser obrigatória.
Não
consigo ver melhor síntese do caos público paulistano
do que um esquema de roubalheira para faturar nos cemitérios
-- onde se imaginava que, pelo menos ali, se pudesse descansar
em paz.
Chegamos,
literalmente, ao fundo da cova.
*
O fundo da cova é visível na pesquisa divulgada,
também semana passada, do prestígio do prefeito
Celso Pitta.
Em seu
último ano de mandato, ele é reprovado por 73%
dos entrevistados.
Num sinal
de desespero, o ex-padrinho de Pitta, Paulo Maluf, lançou
uma insólita campanha a favor da pena de morte, tema
tão próxima da agenda municipal como as eleições
presidenciais americanas ou a Aids na África.
No começo
do mês, ele prometeu, ar compenetrado: em quatro anos
de mandato, reduziria a tal ponto a criminalidade que São
Paulo que se igualaria à de Nova York.
O delírio
é constatável apenas por uma informação.
Em Nova York, duas pessoas são assassinadas por semana;
São Paulo, 110.
Mesmo
que fosse governador, responsável pela Polícia
Militar, a promessa já seria alucinada; imagine-se,
então, apenas prefeito.
Nem o
extermínio seria capaz de reduzir a tal nível
a criminalidade. Por sinal, a julgar pelas informações,
o extermínio já existe: boa parte dos mortos
em enfrentamento com a polícia foi baleada pelas costas.
Espantoso
que, apesar de responsável pela vitória de Pitta
e, agora, com promessas de campanhas descoladas de qualquer
realidade, Paulo Maluf ainda seja um candidato fortíssimo,
oscilando entre segundo e terceiro lugares.
Só
se explica, aqui, pelo efeito fundo da cova.
*
O leitor habitual desta coluna sabe que sou otimista em relação
a São Paulo -- mais pela vitalidade e cosmopolitismo
de seus habitantes, a criatividade empresarial, acadêmica
e cultural do que a ação do poder público.
Digo,
e repito, que esse fervilhar, com tanta gente interessante
fazendo tantas coisas interessantes, transforma São
Paulo na cidade mais atraente do país.
Há
um abismo entre a efervescência da sociedade e o poder
público que, hoje, nem é poder, nem é
público.
Os candidatos
na disputa à prefeitura podem ser melhores ou piores;
mais honestos ou menos honestos, com mais ou menos experiência,
com melhores ou piores idéias, com planos menos ou
mais viáveis.
Mas esse
início de campanha já se pode afirmar: diante
do tamanho do desafio de uma cidade no fundo da cova, os candidatos
se igualam num ponto.
Todos,
sem exceção, são de segundo escalão,
não demonstram estar à altura do monumental
desafio.
Um desafio
que vai exigir do eleito uma articulação com
a sociedade, atraindo seus principais atores para uma ação
comunitária, integração com as várias
esferas de poder ( estadual e municipal) para reduzir a violência
e exclusão social, visão cosmopolita para reforçar
a vocação de São Paulo como cidade internacional.
Coragem
para brigar com a classe média e tirar os carros na
rua e força para dobrar os esquemas corruptos da Câmara
Municipal, mostrando aos especuladores imobiliários
que não somos terra de ninguém.
Exige
um estadista, para quem ser prefeito de São Paulo é
a maior meta, não um trampolim para outro cargo público.
É
um cargo para quem tenha soluções técnicas,
mas, em especial, um apaixonado pela cidade.
*
Precisamos alguém que tenha a criatividade urbana de
um Jaime Lerner, disposição para briga de um
Antônio Carlos Magalhães, firmeza de Mário
Covas, sensibilidade social de Lula, garra de Ciro Gomes e
equilíbrio de Fernando Henrique Cardoso.
Talvez
digam que esse perfil seja alucinação, não
existe na vida real, delírio semelhante ao da promessas
de Paulo Maluf de igualar São Paulo a Nova York.
Talvez
-- melhor, provavelmente. Os candidatos em disputa oscilam
entre o descrédito das elites pensantes, falta de expressão
política, baixa experiência administrativa, pouca
vivência de assuntos municipais.
Até
nos conformamos pela simples razão de que, comparado
ao que temos, qualquer qualquer coisa parece melhor.
Justamente
por isso, e só por isso, a prefeitura de São
Paulo é o cargo vago mais importante do Brasil.
*
Seja qual for o eleito, de direita ou esquerda, sua primeira
tarefa deveria ser formar um comitê de salvação
municipal, com as personalidades mais expressivas da cidade,
de empresários, intelectuais, artistas, urbanistas
a líderes sindicais.
É
um jeito de tirar o pé da cova.
*
PS- O problema moral básico de São Paulo não
é corrupção, mas ingratidão. Incrível
que, nesta terra de migrantes e imigrantes, tanta gente tenha
prosperado, enriquecido, e não se sinta grato à
cidade, virando-lhe as costas e transformando-a quase num
dormitório.
Minha
história é parecida à história
de milhões de paulistanos. Como neto de imigrantes
europeus e da África do Norte, fugidos da perseguição
anti-semita, e filho de migrantes nordestinos, em busca de
maiores possibilidades profissionais, inevitável me
sentir grato ao Brasil e a São Paulo -- fora desses
espaços, provavelmente não teria as chances
que tive.
Talvez
não tivesse nenhuma chance.
|
|
|
Subir
|
|
|