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Livro de fotos de Paul McCartney mostra os Beatles virando deuses em turnê

'1964 - Os Olhos do Furacão' reúne registros feito pelo músico durante a primeira passagem da banda nos Estados Unidos

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Autorretrato de Paul McCartney que integra o livro '1964 - Os Olhos do Furacão' Divulgação

São Paulo

Para alguém que já suspeitou ser mais popular que Jesus Cristo, John Lennon até que anda bem sobre a água. Pelo menos é isso que nos faz crer uma foto tirada por Paul McCartney em Miami, durante a primeira passagem dos Beatles pelos Estados Unidos, que está num livro lançado agora no Brasil.

Décadas antes de uma frase como "somos mais populares que Jesus" indicar uma imediata sentença de cancelamento, Lennon estava no auge da fama com a sua banda. E os primeiros indícios de que as pessoas estavam mais interessadas em deuses de carne e osso do que espirituais foram registrados por McCartney nessa turnê que eles fizeram por Nova York, Washington e Miami, quase 60 anos atrás.

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John Lennon e George Harrison em foto de Paul McCartney que integra o livro '1964 - Os Olhos do Furacão' - Divulgação

Reunidas em "1964 - Os Olhos do Furacão", volume lançado agora no Brasil pela editora Belas Letras, as imagem captadas por McCartney estão longe de alcançar algum patamar artístico, algo que o próprio músico admite no seu texto de introdução, elegantemente citando mestres da fotografia, inclusive a sua mulher, Linda, que morreu em 1998.

Mas elas são um registro precioso de um instante transformador na cultura pop. E ele estava lá, vendo tudo de perto. Aliás, perto demais, como o título do livro sugere.

Quando vemos aquelas fãs com rostos distorcidos de histerias, garotos semi-engomados correndo pela rua, ou até mesmo uma fila de misses comportadamente aguardando a banda descer do avião, fica claro que nem Paul, nem John, nem George e nem Ringo estavam preparados para uma recepção daquelas. E que o melhor que podiam fazer era seguir a correnteza.

Claro que Elvis já tinha feito muita gente desmaiar e, nas telas, Marilyn Monroe já tinha provocado a loucura das massas. Mas os quatro garotos de Liverpool custavam a acreditar que eles eram então tais objetos de adoração. "No instante em que pousamos em Nova York, logo de cara descobrimos: o que nos esperava tinha nada a ver com o clima de velório", observa McCartney em seu texto de introdução.

Ele se refere à morte do presidente Kennedy, que havia sido assassinado pouco mais de dois meses antes de eles aterrissarem em solo americano. A expectativa era de um certo luto. No lugar dele, os Beatles encontraram multidões eufóricas, guardas armados e quartos de hotel claustrofóbicos.

Antes dos Beatles, fotografar era apenas um hobby, para boa parte dos ingleses. As câmeras, como conta McCartney, eram para marcar o tempo livre, tipo "curtindo férias em Blackpool", ou momentos familiares na linha "A tia Dilys, o tio Harry e eu". Mas quem sabe ele não sairia com algo diferente registrando essa turnê?

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Foto de Paul McCartney que integra o livro '1964 - Os Olhos do Furacão' - Paul McCartney

E foi assim que surgiu esse tesouro, não só para os beatlemaníacos, mas para todos que amam as engrenagens do pop. E os bastidores inusitados das celebridades também, mesmo que elas não fossem ainda essa categoria superexposta e quase desinteressante que as redes sociais regurgitam em 2023.

Logo na primeira sessão de "Furacão", no capítulo "Liverpool" —o livro é dividido pelas cidades por onde eles passaram—, a melhor foto é uma com Ringo prestes a colocar uma comida na boca. Ele está olhando para as lentes de McCartney, que escreve na legenda: "Eu só pedi para ele agir naturalmente". E naturalmente ele criou o primeiro meme "celebridades são como nós".

Já em Londres, o músico oferece flagrantes de intimidade e adoração toda vez em que clicava Jane Asher, sua namorada na época. Uma belíssima mulher que tinha tido a sorte de ser admitida nos bastidores de um show —"Às vezes a entrada de fãs no camarim era permitida", justifica McCartney—, que é um raro registro do encontro entre dois mundos.

E é num espelho provavelmente nesse mesmo camarim que ele dá seus primeiros voos artísticos, surrupiando um reflexo de John para fazer um retrato discreto. A experiência rende também uma das melhores fotos de Paris, com McCartney quase que levando um susto quando se vê reproduzido no vidro a sua frente.

Na capital francesa, Ringo reforça sua imagem de fanfarrão usando um chapéu de Napoleão —George prefere um quepe como os policiais da cidade. Ainda lá, Lennon aparece numa das fotos mais íntimas e adoráveis do livro, tocando um violão numa suíte do hotel George 5, fora de foco.

Um certo deslumbramento aflora em McCartney durante as apresentações em Paris: ele faz mais de um registro da fachada da famosa casa de shows Olympia e parecia especialmente orgulhoso de cantar no mesmo palco que Sylvie Vartan! Ele já tinha ido à cidade celebrar o aniversário de John, mas agora era diferente. Agora os parisienses gritavam por "Les Beatles".

E depois... América! O Plaza Hotel! Central Park! O show de Ed Sullivan —que, com um recorde de 73 milhões de telespectadores ligados, foi definitivo para consolidar a áurea de superestrelas daqueles ingleses nos Estados Unidos. O império contra-atacava.

O cantor Paul McCartney em autorretrato que integra o livro '1964 - Os Olhos do Furacão' - Paul McCartney

Os cliques mais cândidos aqui não são exatamente os de rua, com as multidões congeladas em poses expressionistas e torções improváveis, mas os dos bastidores do programa de TV. É nesse conjunto de fotos que sentimos McCartney mais curioso, tentando entender como surgia um espetáculo televisivo —e como ele poderia se encaixar dentro dele.

Na rápida passagem por Washington, um desvio do olhar desse fotógrafo acidental: o músico fecha o foco nos operários simples que vê trabalhando pelas ruas. Como explica na introdução, isso o fez se conectar com suas origens operárias em Liverpool. Se não chega a ser uma crítica social, essas fotos mostram ao menos que ele estava atento para o que acontecia além dos holofotes.

Tudo isso é esquecido quando eles chegam em Miami. Muda o clima, mudam as fotos de McCartney e muitas delas ganham cores, como o próprio flagrante de John "andando" sobre as águas. No caso, de uma celeste piscina de hotel.

Não há truque algum na imagem, apenas a sorte de ter pegado o corpo do cantor no momento em que seus pés tocavam a superfície líquida. Assim nascem as fotos icônicas.

Mais soltos e mais à vontade com o circo em torno dele e de seus companheiros, McCartney revela um grupo de amigos que estão simplesmente se divertindo. Há mais mergulhos de John, George cochilando num barco, Ringo gargalhando de óculos escuros e o próprio McCartney se assustando com um peixe num anzol.

As fotos em que eles está são poucas e surgem quando ele emprestava sua câmera para alguém da trupe. Mas não há como negar que o músico está muito presente, mesmo por trás das câmeras, em tudo que registrou. Esse acervo agora faz parte da coleção da National Portrait Gallery e são uma boa pista para entender que não só os Beatles mudaram o mundo, como a historiadora americana Jill Lepore escreve num outro texto excelente de introdução, mas que o mundo também os mudou.

1964 - Os Olhos do Furacão

  • Preço R$ 449,90 (336 págs.)
  • Autoria Paul McCartney
  • Editora Belas Letras
  • Tradução Henrique Guerra
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