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Paris pode mudar para sempre a forma como cidades sediam as Olimpíadas

Jogos testarão a efetividade de novas soluções para velhos problemas nesse tipo de evento, das finanças aos custos ambientais

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Paris | The Economist

A chama olímpica ilumina a Cidade Luz desde sexta-feira (26), quando as Olimpíadas começaram oficialmente em Paris. Embora a França ainda não tenha governo após a votação parlamentar nacional do início do mês, sua capital sedia os Jogos Olímpicos com estilo.

Eventos de hipismo acontecem nos jardins de Versalhes e bolas de vôlei passam por redes perto da Torre Eiffel. Os organizadores esperam mostrar o melhor da França para os turistas fãs de esportes, executivos e políticos estrangeiros. Um dos milhares de voluntários envolvidos descreve "uma energia positiva contagiante".

No entanto, nem todos os moradores locais estão tão entusiasmados. A segurança está reforçada devido a temores de terrorismo e grande parte do centro de Paris foi isolado. Restaurantes e outros negócios nessas áreas estão mais vazios do que o normal e as reservas nos hotéis mais luxuosos caíram entre 20% e 50% em julho, de acordo com a UMIH Prestige, entidade que os representa.

Fotografia mostra a Torre Eiffel no centro, iluminada em tons de amarelo, com o símbolo das Olimpíadas iluminado em branco no centro da estrutura. É noite e todo o resto da imagem está escura
Torre Eiffel iluminada com o símbolo das Olimpíadas durante a cerimônia de abertura dos Jogos Olimpícos - Martin Bernetti - 26.jul.2024/AFP

No geral, 44% dos parisienses consideram os jogos como algo "ruim", de acordo com pesquisas recentes. Outros 50% disseram que considerariam deixar a cidade para escapar deles. "Eu quero que este evento seja incrível", diz Paul Hatte, conselheiro parisiense que representa a 17ª divisão administrativa da cidade, "mas parece mais que será uma festa internacional em Paris sem os parisienses".

Tais respostas não são incomuns em uma cidade-sede: ninguém gosta de perturbação. Mas os jogos de Paris estão despertando outras preocupações já conhecidas: vale a pena sediar os jogos? Eles precisam ser uma calamidade ambiental? E quanto às difíceis decisões políticas em torno das participações e protestos?

O COI (Comitê Olímpico Internacional) tem lidado com essas questões na tentativa de romper os ciclos de dúvida que parecem acompanhar cada edição. Os jogos em Paris irão revelar se encontraram novas soluções inteligentes para os problemas antigos e persistentes.

Um século atrás a capital francesa sediou as Olimpíadas pela primeira vez. Naquela época, 3.000 atletas representando 44 países competiram em 126 eventos de medalhas. O evento deste ano contará com 10,5 mil atletas de 206 países e 329 eventos de medalhas. Quase 9 milhões de ingressos foram vendidos —um novo recorde.

A proximidade dos jogos incentivou grandes investimentos nas comodidades de Paris. A rede de metrô está no meio de uma expansão de 200 km, custando 42 bilhões de euros (R$ 258 bilhões), e mais de 1,4 bilhão (R$ 8,6 bilhões) foi gasto na limpeza do Rio Sena.

Mas as cidades se beneficiam ao receber os jogos? A economia de sediar as Olimpíadas é desafiadora. Em 2016, uma revisão de estudos sobre o impacto econômico do evento concluiu que os efeitos de curto prazo são "próximos de zero" e os de longo prazo são "elusivos". Até 2016, 10 dos 13 jogos de verão resultaram em prejuízos, e todos ultrapassaram o orçamento. Pesquisas recentes de Alexander Budzier e Bent Flyvbjerg na Universidade de Oxford estimam que cada edição ultrapassa seu orçamento original em média 195%. Em Paris, o número projetado é de 115%.

BARREIRAS FINANCEIRAS

À medida que as olimpíadas cresceram, elas atraíram mais interesse da mídia e maiores quantias de dinheiro de patrocínio. Atualmente, o COI ainda retém a maior parte dos ganhos provenientes de emissoras e patrocinadores. A receita de transmissão subiu de R$ 12,4 bilhões no ciclo de 1993-96 para R$ 25,4 bilhões em 2017-21 (em preços de 2021), enquanto o patrocínio de primeira linha saltou de R$ 2,7 bilhões para R$ 13 bilhões no mesmo período.

Os principais patrocinadores dos jogos de Paris incluem a LVMH, império de luxo francês. Mas os custos cresceram ainda mais rápido do que o patrocínio. Em 1924, os jogos de Paris custaram cerca de R$ 50,9 milhões em preços de 2022. Desta vez, o custo estimado é de cerca de R$ 50,9 bilhões.

O comitê organizador parisiense, no entanto, quase certamente precisará desembolsar mais devido a excedentes. O setor privado arcará com a maior parte da conta total por meio do COI, empresas parceiras, ingressos, licenciamento e mais.

ESFORÇO EM EQUIPE

No passado, os anfitriões que recebiam os jogos gastavam muito para tentar superar os concorrentes. Grandes exigências eram impostas a uma única cidade para que novos locais reluzentes fossem construídos de acordo com um cronograma rigorosamente fixo. Às vezes, eles eram abandonados posteriormente. No ano seguinte aos jogos do Rio de Janeiro em 2016, 12 dos 27 locais não sediaram outro evento esportivo. Com base nos jogos anteriores, "a proposta de valor não era atraente", admite Christophe Dubi, diretor executivo do COI.

Tudo isso endureceu a opinião pública. Há uma década, os eleitores de Munique rejeitaram uma proposta para sediar os Jogos Olímpicos de Inverno de 2022, assim como os de Cracóvia e St. Moritz. Pequim, então, recebeu o evento e cobriu uma área de 800 mil metros quadrados com neve artificial.

Uma candidatura para os jogos deste verão foi rejeitada pelo povo de Hamburgo. Apenas duas cidades —Paris e Los Angeles— acabaram se candidatando. O número é reduzido em relação às nove cidades que queriam os jogos de 2012; às sete lutando pelos de 2016 e às seis pelos de 2020. Os oficiais deram a Paris os jogos de 2024 e a Los Angeles os de 2028.

O COI parece ter aprendido com o episódio e alterou a forma como os países agora se candidatam para competições. A seleção passou de um "concurso de beleza" para um meio colaborativo de encontrar um "parceiro preferido", de acordo com Dubi. Os oponentes dizem que isso é pouco claro, mas o COI calcula que deve reduzir os custos de candidatura em 80%. Brisbane é o primeiro parceiro escolhido dessa forma e sediará os jogos de 2032; Seul estava entre os descontentes com o resultado. Possíveis anfitriões para 2036 já estão se preparando.

Ao mesmo tempo, o comitê deseja conter o crescimento das Olimpíadas para reduzir tanto os custos quanto os danos ambientais. O órgão limitou o número de atletas para os jogos de verão e priorizou candidaturas que exigem infraestrutura mínima. Dos novos locais a serem usados em Paris, apenas três são estruturas permanentes e construídas para o propósito. Os organizadores esperam que os cenários sublimes compensem os assentos temporários.

A questão ambiental também é uma prioridade. Os jogos no Rio e em Londres produziram mais de 3 milhões de toneladas de dióxido de carbono que equivalem, aproximadamente, às emissões anuais da Islândia, um país de 380 mil habitantes.

Em Paris, os organizadores querem os jogos "mais verdes de todos os tempos" e esperam reduzir as emissões pela metade em relação aos níveis de Rio e Londres. Eles planejam usar apenas energia renovável e compensar as emissões por meio da compra de créditos de carbono.

Os ambientalistas estão céticos e algumas iniciativas parecem superficiais. O ar-condicionado está proibido na vila olímpica mesmo que, assim como a maioria dos eletrodomésticos na França, fosse alimentado por energia nuclear. Muitas equipes estão levando seus próprios aparelhos.

Junto das questões financeiras e ambientais, o COI está lidando com duras preocupações políticas. A ideia original era que as Olimpíadas ficassem acima da política como um "poderoso aliado" pela paz, como disse o pai dos jogos modernos, Pierre de Coubertin. No entanto, em algumas ocasiões, elas se tornaram um palco para demonstrações geopolíticas. Mais notoriamente, os jogos de Berlim em 1936 foram uma ferramenta de propaganda para a Alemanha nazista.

Jogos consecutivos em Moscou e Los Angeles, nos anos 1980, se tornaram outro front na Guerra Fria. E as Olimpíadas não escaparam de acusações de usar os jogos para melhorar a imagem de determinados lugares: em 2008, a China usou os jogos de Pequim para se anunciar como uma superpotência. A Arábia Saudita pode tentar mostrar sua influência sediando o evento em 2036.

As questões em torno das participações também atraem escrutínio particularmente intenso. O COI reconhece 206 CONs (Comitês Olímpicos Nacionais)—para contexto, a ONU tem 193 Estados-membros— e dá as boas-vindas a entidades, incluindo Kosovo e Palestina. Para aqueles que buscam a independência nacional, as Olimpíadas podem ser uma plataforma poderosa para sua causa. A participação fica a critério do COI.

Em Paris, não haverá bandeiras russas nem bielorrussas. As equipes desses países foram banidas devido à guerra na Ucrânia, mas alguns de seus atletas podem competir como indivíduos neutros. Isso aparentemente irritou alguns. Um chef russo foi preso em Paris apenas alguns dias antes da cerimônia de abertura sob suspeita de planejar atos de "desestabilização". Uma investigação está em andamento sobre seus possíveis vínculos com membros dos serviços de inteligência russos.

Enquanto isso, o COI se recusou a banir Israel por sua guerra em Gaza e seus advogados rejeitaram comparações com a Rússia. Os críticos ainda percebem inconsistência. Um deputado francês de extrema-esquerda foi recentemente condenado por sugerir que a equipe de Israel não seria bem-vinda em Paris. Toda a questão é intensificada por tragédias passadas: nas Olimpíadas de Munique em 1972, um grupo terrorista palestino matou 11 israelenses.

O doping é outra área controversa. Após a descoberta de que a Rússia havia executado um programa de doping patrocinado pelo Estado nos jogos de inverno de Sochi em 2014, a WADA (Agência Mundial Antidoping) recomendou que todos os atletas russos fossem proibidos de competir nos jogos de verão no Rio. O COI passou a responsabilidade para as federações esportivas individuais. Várias ainda permitiram que os atletas participassem.

Os Estados Unidos também estão em conflito com a WADA por não agir contra nadadores chineses que testaram positivo para uma droga que melhora o desempenho meses antes dos jogos de Tóquio em 2021. Membros desse grupo acabaram ganhando três medalhas de ouro. A WADA mantém que não tem caso a responder. A China acusou os EUA de "calúnia". Se algum dos nadadores implicados ganhar em Paris, as tensões certamente aumentarão.

CORRENDO NA FRENTE

As reformas do COI são um começo bem-vindo. Mas mais poderia ser feito no futuro para tornar os jogos mais fáceis de sediar. Uma ideia é espalhar as Olimpíadas. Diferentes cidades em diferentes países poderiam sediar eventos diferentes. Para os economistas, esta é a maneira mais segura de reduzir os custos: mais lugares gastando em eventos significaria uma conta menor para cada um.

Um modelo multicidades também poderia ajudar a acalmar preocupações locais, reduzindo a pressão sobre qualquer anfitrião único. Também poderia haver benefícios ambientais e tornar mais difícil para os autocratas usarem os jogos para suas próprias agendas.

Atualmente, o COI rejeita tal descentralização. "Isso minaria o poder unificador" dos jogos, diz Dubi. No entanto, isso já está acontecendo em certa medida. Para Paris, alguns jogos de basquete e handebol acontecem em Lille, uma cidade a 225 km de distância, e o surfe acontece em Tahiti, a cerca de 16 mil quilômetros de distância.

Na realidade, o tremendo poder dos jogos não vem de reunir as pessoas fisicamente, mas de cativar a atenção do mundo por 15 dias. Mais de 3 bilhões de espectadores sintonizaram Tóquio e ainda mais são esperados para Paris. "As pessoas acreditam que as Olimpíadas transcendem questões como doping, geopolítica e corrupção", avalia Terrence Burns, ex-consultor do COI.

Ele destaca que os jogos sobreviveram a momentos geopolíticos muito mais complicados, incluindo a Guerra Fria e duas guerras mundiais. "As Olimpíadas são o último melhor lugar onde podemos nos unir como espécie", diz ele.

Texto de The Economist, traduzido por Helena Schuster, publicado sob licença. O artigo original, em inglês, pode ser encontrado em www.economist.com.

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