Descrição de chapéu The New York Times China

Xi enfrenta dilema para impedir que morte de Jiang Zemin seja usada contra ele

Analistas dizem que luto poderia despertar nostalgia de época em que China era menos autoritária

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Chris Buckley
Pequim | The New York Times

Mortes de líderes comunistas chineses sempre são momentos carregados de teatro político, e esse é o caso especialmente agora, com a morte de Jiang Zemin tão pouco tempo após uma onda de contestação pública numa escala que não era vista no país desde que ele mesmo chegou ao poder, em 1989.

O atual líder chinês, o autocrático Xi Jinping, terá que presidir o luto oficial por Jiang, morto nesta quarta (30), aos 96 anos, ao mesmo tempo em que lida com protestos contra as restrições rigorosas da Covid.

Em alguns momentos os manifestantes também reivindicaram que a China retome o caminho da liberalização política, algo que pareceu ao menos imaginável na década de 1990 —a ponto de poder ser discutido abertamente.

Então líder da China, Jiang Zemin, na região da Assembleia Nacional Francesa, em Paris - Charles Platiau - 25.out.99/Reuters

Outro desafio para Xi nas próximas semanas, enquanto a China enfrenta o aumento dos casos de coronavírus e a desaceleração econômica, será prestar homenagem a Jiang e ao mesmo tempo não deixar que o líder morto seja usado como argumento simbólico contra as próprias políticas.

"Choramos o camarada Jiang Zemin com o coração pesado e converteremos nosso luto em força", disse Xi, segundo um resumo oficial de declarações que fez a um líder do Laos em visita ao país. O site do Diário do Povo, principal jornal do Partido Comunista, ficou todo em preto e branco, assinalando tristeza.

"O modo como conduzirem o luto pela morte de Jiang tem o potencial de provocar mais indignação —ainda que ele nunca tenha sido tão popular quanto Hu Yaobang", diz Lynette H. Ong, cientista política e sinóloga da Universidade de Toronto, aludindo ao líder cuja morte inesperada em 1989 desencadeou o movimento de protesto da Praça da Paz Celestial. "Isso vai no mínimo dar às pessoas um motivo legítimo para se reunir em praça pública e expressar sua tristeza."

O anúncio da morte desencadeou uma enxurrada de homenagens online. Muitas pessoas traçaram comparações irônicas veladas entre Jiang e Xi, cujas políticas autoritárias levaram a censura e os controles ideológicos a um novo nível.

Um comentário na plataforma de mídia social Weibo recordou o momento em 1998 quando Jiang usou um megafone para exortar socorristas a não deixar que as barreiras contra enchentes se rompessem. O post dizia que a sociedade chinesa, naquela época, estava "avançando com energia, animada e cantando, enquanto ingressávamos numa nova era".

Outros não foram igualmente efusivos. Quando necessário para sua sobrevivência política, Jiang foi por vezes repressor e intransigente, inclusive contra os seguidores do movimento espiritual banido Falun Gong. Ele também era conhecido por ter a si mesmo em alta conta e por usar calças de cintura muito alta.

Mas os chineses encontraram motivos de sobra para encarar mais positivamente seu período na liderança, em que a China passou de um congelamento político pós-praça da Paz Celestial a anos de crescimento vertiginoso, às vezes também imprudente e poluente.

O partido exercia controle rigoroso sobre a vida política, mas deixava que ativistas de direitos humanos, imprensa, dissidentes e acadêmicos de viés liberal participassem do debate público. Era uma pequena dose de liberdade que não existe hoje. "Sapo, nós o criticávamos sem razão; você é o teto, não o chão", foi dito em um post, citando um apelido dado a Jiang devido à figura atarracada e aos óculos grandes.

Outro comentário recordou 1997, quando plateias chinesas puderam assistir a Leonardo DiCaprio e Kate Winslet num filme cujo enredo era relativamente ousado para aquela época na China. "Adeus", disse um post popular reagindo à morte de Jiang. "Obrigado por nos deixar ver ‘Titanic’."

No fim de semana, manifestantes em Xangai, Pequim, Chengdu e outras cidades se reuniram aos milhares para denunciar as medidas rígidas, intrusivas e onerosas adotadas para tentar erradicar os casos de Covid. Algumas pessoas aproveitaram para reivindicar mudanças democráticas, liberdade de imprensa, o fim da censura onipresente e até mesmo o afastamento de Xi e do Partido Comunista.

Os protestos tiveram ecos distantes do movimento de 1989, quando a morte do reformista Hu Yaobang, que fora afastado do poder, desencadeou protestos estudantis que ocuparam a praça da Paz Celestial até a repressão armada chegar ao local no dia 4 de junho. As mortes de outros líderes chineses também se tornaram ocasiões de protesto e dissensão, especialmente a de Zhou En-lai, em 1976.

Mas qualquer reprise de 1989 parece altamente improvável sob a rede pesada de segurança criada por Xi, sugere Willy Wo-Lap Lam, da Jamestown Foundation, que analisa o Partido Comunista Chinês. "A morte de Jiang não terá um efeito em cascata sobre a política chinesa."

Mesmo assim, Xi terá que orquestrar os eventos funerários de modo a garantir que isso não aconteça. Quando anunciou a morte de Jiang, o partido elogiou suas realizações, especialmente as reformas econômicas e a modernização das Forças Armadas. E exortou a nação a se mobilizar em torno de Xi.

Um anúncio sobre as cerimônias do luto de Jiang indicou que haverá uma cerimônia memorial e que, conforme o costume do partido, líderes internacionais não serão convidados.

Tradução de Clara Allain

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