Descrição de chapéu
Diogo Schelp

Líderes latino-americanos emergem como democratas seletivos na reação ao golpismo no Brasil

O que dizer da declaração do ditador Nicolás Maduro rejeitando a violência gerada por grupos neofascistas?

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Diogo Schelp

Jornalista e comentarista político, foi editor-executivo da Veja. É mestre em Relações Internacionais pelo IRI-USP

A reação internacional aos violentos protestos golpistas em Brasília, no último domingo (8), mostrou que a democracia brasileira conta com defensores que entendem muito de ditadura. Entendem tanto que são eles próprios líderes calejados na arte da repressão política.

O que dizer da declaração do ditador venezuelano, Nicolás Maduro, publicada no Twitter, rejeitando "categoricamente a violência gerada pelos grupos neofascistas de Bolsonaro que agrediram as instituições democráticas do Brasil"?

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, durante entrevista coletiva no Palácio Miraflores, em Caracas - Yuri Cortez - 30.nov.22/AFP

O herdeiro de Hugo Chávez, que está no poder há dez anos e se nega a garantir a realização de eleições presidenciais limpas em um futuro próximo, governa a Venezuela com mão de ferro por meio da cooptação dos militares, da submissão do Judiciário, da prisão de opositores e do cerceamento da imprensa. Agressão a instituições democráticas é com ele mesmo.

Já o ex-presidente boliviano Evo Morales condenou "as ações golpistas dos bolsonaristas" e lamentou o que chamou de agressão às "instituições pilares da democracia no Brasil". Evo chegou ao ponto de afirmar que o golpismo no Brasil tem o dedo dos Estados Unidos, assim como, na sua visão, ocorreu com os protestos em 2019, na Bolívia, que o obrigaram a abandonar o cargo presidencial e fugir do país.

Nem parece o mesmo Evo que no mês passado apoiou a tentativa fracassada de Pedro Castillo de promover um autogolpe no Peru e que tem ajudado a insuflar os atos contra a prisão do ex-presidente. Mais de 40 pessoas morreram nos confrontos com a polícia nas últimas semanas, e a participação de Evo em fomentar a balbúrdia é considerada tão significativa que ele foi proibido de entrar no Peru.

Outro falso democrata que exigiu respeito "à vontade popular expressa com a eleição" no Brasil e que manifestou seu "respaldo e solidariedade" a Lula, também na rede social de Elon Musk, foi Miguel Díaz-Canel, que comanda a ditadura castrista em Cuba.

Interessante que a mesma defesa não valha para Cuba, onde o presidente é "eleito" indiretamente com mais de 99% dos votos de um Parlamento em que a oposição é inexistente. Diplomatas cubanos costumam justificar o regime ditatorial que representam com o argumento de que existem "diferentes conceitos de democracia". Muy democrático.

Como bem observou Ricardo Roa, editor do jornal argentino Clarín, ao repudiar os "atos violentos e antidemocráticos" no Brasil, Díaz-Canel procura reforçar uma mensagem aos cubanos: a de que protestos populares contra a ditadura comunista como os que ocorreram em 2021 em diversas cidades —e que foram duramente reprimidos— não serão jamais tolerados.

Naquele ano, quando as imagens das manifestações em Cuba correram o mundo, escutei de Humberto Costa (PT-PE), senador influente no novo governo Lula, que havia o risco de elas resultarem em ditaduras militares ou em guerras civis, como ocorreu no Egito e na Síria após a Primavera Árabe, a partir de 2011.

Fui obrigado a contestar o paralelo histórico, lembrando que os protestos legítimos no Oriente Médio contra ditaduras longevas haviam sido sequestrados por radicais islâmicos com seus próprios projetos autoritários, um elemento ausente na realidade cubana.

Obviamente, nenhum governante, autoritário ou não, gosta de enfrentar protestos. Em 2019, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) chamou os protestos violentos que ocorriam no Chile contra o então colega Sebastián Piñera de "atos terroristas" e disse que havia falado com o Ministério da Defesa para preparar as tropas para "fazer manutenção da lei e da ordem" caso algo de semelhante ocorresse no Brasil.

Entre as reivindicações dos manifestantes chilenos havia questões econômicas e a exigência de elaboração de uma nova Constituição. Ou seja, aos olhos de quem está no poder e de seus apoiadores, protestos populares, violentos ou não, acabam sendo vistos como ilegítimos ou antidemocráticos.

Às vezes, só às vezes, com razão. No caso do que ocorreu no dia 8 de janeiro em Brasília, o veredito é claro: a agenda criminosa dos manifestantes era a derrubada do governo legalmente constituído.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.