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China vai crescer, mas se tornar cada vez mais fechada sob Xi, diz jornalista

Wang Xiangwei, do South China Morning Post, não vê Pequim pronta para lidar com consequências de tomar Taiwan

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Hong Kong

Ex-editor e hoje colunista do principal jornal de Hong Kong, Wang Xiangwei prevê que a China adotará uma meta de pelo menos 6% de crescimento para este ano e redobrará a atenção aos laços com a América Latina, onde, diz ele, "a reputação dos EUA não é muito boa".

"Seu presidente é um bom amigo de Xi Jinping", afirma o jornalista do honconguês South China Morning Post sobre a visita de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a Pequim anunciada para o final de março. "A relação comercial da China com o Brasil também ficará mais forte."

Prédios de Hong Kong vistos da região do Victoria Peak
Prédios de Hong Kong vistos da região do Victoria Peak - Peter Parks - 21.fev.23/AFP

Por outro lado, "Pequim agora quer ser simpática aos EUA e à Europa, quer se concentrar no crescimento, mas os EUA permitirão que faça isso?", pergunta ele. Wang não espera, porém, conflito em torno da ilha de Taiwan nos próximos dez anos.

De volta a Hong Kong depois de passar três anos na capital chinesa durante a pandemia de coronavírus, ele projeta uma China continental "cada vez mais fechada" e diz que já "está difícil conseguir alguém para falar sobre política chinesa, todo mundo tem medo".

Por que projeta que a China crescerá rapidamente agora? A economia chinesa continuará a crescer sobretudo pelo fato de que ainda há potencial. Desacelerou por causa das restrições da Covid zero, agora suspensas. No ano passado, a economia cresceu 3%. Em março, a China estabelecerá uma meta de pelo menos 6%. Eles querem dobrar. Vai crescer, em parte porque a base do ano passado foi baixa.

Ainda há muito potencial de crescimento que não foi liberado. Na China, o consumo individual responde por 40%, 50% do PIB. Nos EUA e no Japão, a proporção é de 70%. Isso mostra que a China está fazendo a transição de de um motor comandado por investimentos para um motor de consumo.

E o país quer impulsionar um novo modelo comandado por inovação e tecnologia, está investindo pesadamente em setores de ciência e tecnologia. De novo, vai liberar mais potencial de crescimento.

E quanto às pressões externas? A China tem o ambiente internacional mais desafiador desde 1989. Os problemas com os EUA e com a Europa continuarão. Mas acredito que, nos próximos dois ou três anos, Pequim suavizará sua diplomacia de "lobo guerreiro", vai se tornar mais amigável.

Uma das razões pelas quais a China adotou essa diplomacia foi a política interna. Como Xi Jinping queria assegurar seu terceiro mandato, ele foi muito nacionalista. Falou coisas destinadas ao público interno que deixaram as pessoas fora da China nervosas.

O presidente brasileiro está vindo no final de março. A economia chinesa vai se recuperar, e seu presidente é um bom amigo de Xi. A relação comercial da China com o Brasil também ficará mais forte.

Quais serão as regiões focadas para a China desenvolver comércio? A China nos próximos anos vai querer estreitar relações com os países da América Latina e do Sudeste Asiático. A Asean [Associação de Nações do Sudeste Asiático] como bloco já se tornou o maior parceiro comercial da China.

O país agora tem tensões geopolíticas com a Europa e os EUA, por isso também tentará estreitar relações com o Brasil e a América Latina. Lula está no poder, e tenho certeza que a China vai fortalecer ainda mais os laços. O Brasil, da perspectiva de Pequim, pode ser um ator muito importante na Iniciativa do Cinturão e Rota. Quando seu presidente visitar Pequim, haverá muitos acordos a serem assinados. Há muitas coisas em que China e Brasil podem trabalhar.

Do ponto de vista da China, a América Latina é a região onde se pode competir com os EUA por influência. A reputação americana na região não é muito boa. Também a África, que se tornou fonte de matérias-primas.

Em sua escrita, o sr. se revela um otimista. Sei que tem havido pessimismo sobre a China e Hong Kong. Não concordo com isso. Acredito que tanto a economia da China quanto a de Hong Kong vão melhorar.

No entanto, o problema é se os EUA permitirão que a China faça isso. No momento, eles veem a China como se ela estivesse em seu ponto mais fraco. Na mente de muitas autoridades americanas, por causa da Covid zero e de políticas anteriores de Xi, a China é fraca. Pequim agora quer ser simpática aos EUA e à Europa, quer se concentrar no crescimento, mas os EUA permitirão que a China faça isso?

Há uma questão maior em torno disso. Haverá conflito militar sobre Taiwan? Se falar com generais de Taiwan, eles dirão que não acreditam que um conflito aconteça. São os generais dos EUA que dizem que Pequim provavelmente atacará em 2025 ou 2027, o centenário da fundação do Exército de Libertação Popular. Querem assustar o Congresso americano para lhes dar mais financiamento.

Militares e think tanks dos EUA fazem propaganda belicista. A China tem capacidade, o que teme é o que acontecerá depois da invasão. Todos vimos o que aconteceu com a Rússia, após a invasão da Ucrânia.

A Rússia é um dos maiores produtores de grãos e de energia, então resiste às sanções dos países ocidentais, mas a China, não. Metade de sua energia vem do exterior. Milhões de pessoas trabalham para empresas estrangeiras. Se invadir Taiwan, acho que nos primeiros seis meses todo mundo vai festejar, "finalmente a China foi reunificada!". Mas o que acontece um ano depois? Empresas fechadas, pessoas sem emprego, vão continuar festejando? Acho que não.

A China está longe de estar pronta para lidar com as consequências. Não fará isso nos próximos dez anos, a menos que Taiwan declare independência, e não vejo Taiwan fazendo isso. Não é de seu interesse. Como seu governo falou, já é um país independente.

Sobre Hong Kong, li sua coluna mais recente. Retornei no auge dos protestos do ano passado, quando os estudantes saíram às ruas contra a política de Covid zero. Morei lá como consultor editorial e colunista do South China Morning Post por três anos, escrevendo sobre a China, e a vida era muito difícil.

Não tínhamos ideia de quando a China suspenderia as restrições. Todos especulamos que seria depois de março, depois que o Parlamento confirmasse o novo governo. O congresso do partido, que terminou em outubro, foi extremamente importante para Xi Jinping. Foi a primeira vez que ele decidiu tudo sozinho.

Seu novo premiê e os novos ministros serão empossados em 15 de março, e ele não queria problemas e confusões. Mas então, de repente, no início de dezembro, a China reabriu. O protesto estudantil foi o gatilho. O povo chinês tinha sofrido demais.

Em Hong Kong, minha vida ficou muito mais fácil. Você pode ir a qualquer lugar, pode conversar com as pessoas, não precisa mais mostrar código de saúde. Mas todos ainda estão muito preocupados com o futuro político de Hong Kong, porque a China impôs a Lei de Segurança Nacional em 2019, após os distúrbios. As pessoas saíram, muitos ricos se mudaram para Singapura.

Mas o sr. segue esperançoso com a cidade. Este ano marca o 30º aniversário do meu trabalho para mídias em inglês daqui. Passei por altos e baixos. Quando os tempos são bons para a China, Pequim precisa de Hong Kong; quando as coisas estão ruins para a China, Pequim precisa ainda mais de Hong Kong. A razão é que a China vai se tornar cada vez mais fechada politicamente.

Agora nós temos Xi Jinping, que é mais poderoso do que qualquer outro líder nos últimos 70 anos, mais do que Mao [Tsé-Tung]. Ele está claramente levando a China para a esquerda. Politicamente, a China ficará mais fechada. Se você for para lá agora, achará muito difícil conseguir alguém para falar com você sobre política chinesa. Todo mundo tem medo, dizer algo errado pode causar problemas.

O papel de Hong Kong como a ponte que liga a China ao resto do mundo está ficando mais importante. Não é do interesse da China transformar Hong Kong em mais uma cidade do continente. Mesmo assim, a fórmula de "um país, dois sistemas" de Hong Kong, aos olhos de muitos, não é significativa como antes. Quando Deng Xiaoping a criou, ele também se referia a Taiwan. Mas, depois de 25 anos, as pessoas fora da China, principalmente em Taiwan, não compram mais.

Mas a China ainda quer que Hong Kong mantenha seu modo de vida capitalista. Se um empresário quiser entender melhor a China, Hong Kong ainda é o lugar certo. Singapura também é muito boa, mas fica a seis horas de Pequim. Hong Kong fica a duas horas e meia.

Em Hong Kong ainda temos liberdade de expressão. É muito mais fácil fazer as pessoas falarem com você sobre a China.

Qual é o papel do próprio SCMP em relação à liberdade de imprensa? Ainda somos aquele jornal que quer ser a plataforma onde você pode obter informações independentes, confiáveis e perspicazes sobre a China. É o que temos feito nos últimos 20 anos. Acredito que é isso que o SCMP fará nos próximos anos. Todos os dias ainda temos reportagens criticando o Partido Comunista. Nós ainda estamos aqui.

Depois que o Apple Daily foi fechado, houve grande preocupação. Pequim percebeu, e as autoridades têm dito que respeitarão a liberdade de imprensa. Se Hong Kong continuará desfrutando de um alto grau de liberdade de imprensa, nós temos que esperar para ver.

Pequim deseja que Hong Kong continue sendo o centro financeiro da Ásia. Para que qualquer "hub" financeiro seja bem-sucedido, o livre fluxo de informações é vital. Acho que os governos chinês e de Hong Kong entendem isso. Pequim já mostrou claramente que não tolerará nenhum desafio direto ao governo do Partido Comunista. Fora isso, permitirá que Hong Kong pratique o capitalismo. Essa é a minha leitura.

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Jornalista Wang Xiangwei em conferência global anual do Goldman Sachs em Hong Kong em 2019 - Reprodução Twitter @wangxiangweihk

Raio-x | Wang Xiangwei

Nascido na China continental, trabalhou no China Daily em Pequim, na BBC China em Londres e no Eastern Express em Hong Kong, passando para o South China Morning Post em 1996. Foi repórter de economia, editor de China e editor-chefe, até 2016, quando iniciou uma coluna. Foi ligado à família do bilionário malaio Robert Kuok, que controlou o jornal até a venda para o Alibaba, de Jack Ma, em 2016. É professor de jornalismo na Universidade Batista de Hong Kong.

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