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Guerra Israel-Hamas chega a um mês sem respostas fáceis

Futuro da Faixa de Gaza e risco de conflito regional são algumas das questões levantadas

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São Paulo

Prestes a completar seu primeiro mês, o que ocorrerá na próxima terça-feira (7), a guerra entre o Hamas e Israel trouxe o Oriente Médio de volta ao centro das preocupações mundiais, reabrindo feridas ofuscadas por crises que iam do clima à Ucrânia.

O devastador ataque do grupo terrorista palestino, o maior em 50 anos do ponto de vista militar e o mais mortífero dos 75 anos do Estado judeu, e a reação feroz de Israel contra a Faixa de Gaza que o abriga trouxeram mais perguntas do que respostas, e nenhuma das disponíveis pode ser chamada de fácil.

A seguir, algumas das questões colocadas ao longo do conflito, que matou mais de 1.400 israelenses e cidadãos de outros países e quase 10 mil palestinos, segundo os envolvidos.

Palestinos procuram feridos após ataque de Israel no campo de refugiados de Jabalia, na Faixa de Gaza
Palestinos procuram feridos após ataque de Israel no campo de refugiados de Jabalia, em Gaza - Anas al-Shareef - 31.out.2023/Reuters

O Hamas agiu sozinho?

O grau de sofisticação da operação, que envolveu, segundo Israel, 3.000 homens que se infiltraram por terra, mar e até ar, usando parapentes motorizados, surpreendeu.

Como uma força que viveu encurralada durante 16 anos pôde chegar a tal eficácia mortal? A resposta passa pelo fato de que os últimos anos, sob Binyamin Netanyahu, viram Israel fazer vista grossa aos suprimentos que chegaram a Gaza, particularmente do Qatar, país próximo do Irã.

Motivo: enfraquecer a ANP (Autoridade Nacional Palestina), rival do Hamas que governa a Cisjordânia. Esta, por sua vez, é o território que Netanyahu gostaria de ver coalhado de assentamentos judaicos, enquanto costurava a paz com árabes moderados alienando palestinos.

Teerã é a patrocinadora do Eixo da Resistência, como chama o conjunto de atores anti-Israel da região: Síria, o Hezbollah libanês, o Jihad Islâmico, os rebeldes houthis do Iêmen e o Hamas, entre outros grupos menores. Dava algo como R$ 500 milhões anuais para o grupo de Gaza.

Isso não explica, contudo, a questão da barragem de 5.000 foguetes que o Hamas diz ter empregado no começo do conflito e que seguem sendo disparados. Mesmo que sejam todos caseiros, é preciso maquinário e explosivos, que seriam vistos chegando por terra —sobram o mar e o contrabando com cargas humanitárias.

Sobre a execução em si, tanto o Irã quanto o Hezbollah juram que não tiveram nada a ver com o que chamam de "ação gloriosa". Até aqui, a explicação parece ter convencido Estados Unidos, fiador de Israel, e Tel Aviv.

Qual o objetivo do Hamas?

Considerando que a obliteração da Faixa de Gaza e de sua estrutura militar seria um resultado previsível do ataque, o Hamas parece ter calculado que a retaliação dispararia uma guerra regional envolvendo ao menos o Hezbollah. Isso aconteceu parcialmente, mas nada parecido com um ataque total vindo do Líbano, acrescido de alguns mísseis lançados do Iêmen.

No curto prazo, Hamas e Irã conseguiram o que queriam, estando ou não juntos na ação: tiraram do trilho a normalização em curso entre Israel e os vizinhos árabes, acelerada em 2020 e que poderia desaguar na paz com a Arábia Saudita, isolando Teerã. Mais: a Jordânia, pilar da estabilidade de Tel Aviv desde 1993, congelou suas relações, assim como um dos novos amigos do Estado judeu, o Bahrein.

Os iranianos já buscavam circum-navegar Israel quando reataram laços com Riad, sob auspícios da China, aliada dos aiatolás junto com seu parceiro Vladimir Putin, presidente da Rússia que tem bases na Síria. O quão permanente será o dano ao plano de paz que os EUA patrocinavam, que ignorava os palestinos, é algo que parece ter a ver com a proporção da destruição em Gaza.

Como fica a imagem de Israel?

Os ataques proporcionaram uma onda inaudita de solidariedade a Tel Aviv. Países europeus críticos de suas políticas para os palestinos prestaram homenagens. Só que isso aos poucos vai ficando no retrovisor político, apesar dos esforços de Israel em divulgar novos e brutais detalhes, para não falar no sofrimento dos reféns —250, 57 mortos, segundo o Hamas, 241 na conta israelense.

Mas a propagação das imagens da destruição que assola Gaza, e o Hamas usa a população como escudo de fato, tornam a posição israelense difícil. Protestos nos EUA e na Europa, países congelando laços, tudo isso tende a crescer sem um cessar-fogo. Ele é rejeitado por Tel Aviv sem a libertação dos reféns, mas as negociações seguem, tocadas por Washington e Doha.

Politicamente, o fraco governo de Netanyahu ficou num beco sem saída: tem de reagir não só para agradar a direita, mas porque o 7 de Outubro é um trauma nacional. O premiê tenta capitalizar a unidade, mas tem sofrido críticas e se desentendeu até com a cúpula fardada. Uma eventual soltura de reféns pode mudar a disposição sobre uma pausa militar, mas não encerra a crise.

O que acontecerá com Gaza?

Essa questão depende do que não se sabe: se Israel tem algum plano. Digamos que o Hamas seja incapacitado, como quer Netanyahu. Quem irá governar as ruínas e trabalhar na reconstrução do território? Uma vez que o Egito já tem o apoio americano para não permitir um êxodo para suas terras, há mais de 2 milhões de pessoas a serem cuidadas no eventual "dia seguinte" ao Hamas.

A ANP seria a opção, mas o governo é conhecido pela corrupção e está desmoralizado. Por outro lado, é um ente aprovado pela ONU, que poderia criar uma força multinacional de paz com soldados de países árabes para administrar Gaza até que a ANP estivesse em condições, talvez em uma versão sanitizada chancelada por todos.

Para tanto, contudo, é preciso da concordância de Rússia e China no Conselho de Segurança, o que não seria fácil. Moscou quer a retomada de um projeto de dois Estados, mas isso esbarra na inaptidão da ANP e em Netanyahu —que, de todo modo, é visto por muitos como um cadáver político esperando o funeral.

O bônus complicador é a realidade em solo: o entorno pró-Irã seguirá trabalhando contra, o Hamas tem células fora de Gaza e o trauma palestino com violência da retaliação tende a fomentar facções radicais.

Há risco de uma guerra ampliada?

Um cenário sombrio previa o Hezbollah com tudo na guerra ao lado do Hamas, levando a uma intervenção dos poderosos porta-aviões americanos nas águas próximas, talvez arrastando o Irã. Até Putin entrou na dança ao ameaçar os navios dos EUA, o que equivaleria a uma impensável Terceira Guerra Mundial.

Nada disso ocorreu, apesar de a tensão seguir altíssima e erros de cálculo poderem levar a escaladas (basta pensar num navio americano atingido por um míssil). Na sexta-feira (3), o líder do Hezbollah confirmou o que se via na Teerã de seus padrinhos: tom elevado, ameaça de mais conflito, mas tudo no campo das possibilidades para pressionar Israel e os EUA.

Isso pode ser lido ao avesso: todos temem o poder de fogo descomunal dos EUA, e ninguém se esquece de que Israel, no limite, tem cerca de 90 ogivas nucleares. É dissuasão incapaz de impedir ataques nas fronteiras e mísseis contra bases americanas no Iraque e na Síria, mas suficiente por ora para evitar que um passo além se concretize.

Por outro lado, se o Hamas for destruído, haverá uma tentação extra em Tel Aviv de acertar contas com o Hezbollah, uma ameaça muito maior, o que explica a ambiguidade do grupo até aqui.

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