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Gabriel Trigueiro

Olavo de Carvalho morreu; mas e o olavismo?

Pandemia evidenciou discurso que já circulava de modo subterrâneo na direita

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Gabriel Trigueiro

Doutor em história pelo Programa de História Comparada da UFRJ e especialista em pensamento liberal e conservador

Como alguém disse uma vez, Olavo de Carvalho criou o maior esquema de pirâmide da política brasileira: o olavismo. A promessa era fazer parte de um clube exclusivista pautado pela "alta cultura ocidental" e esse tipo de baboseira que gente impressionável e filistina gosta de encher a boca. Mas a retórica era a de quem vende aquele chá de emagrecimento, de resultados questionáveis e eficácia científica duvidosa. É como sempre repete o youtuber Casimiro Miguel: "Todo dia um otário e um malandro acordam e saem de casa. Em algum momento do dia, eles se cruzam". Olavo era o malandro. Seus seguidores, os otários.

Olavo jamais foi um pensador original. Sempre foi um vulgarizador de autores conservadores e tradicionalistas gringos. Dá para decompor o pensamento dele em três pontos principais: o antielitismo, o anti-intelectualismo e o anticientificismo. Nesse sentido, é didático ler "Christopher Lasch, a nova elite e as velhas massas", um texto escrito por Olavo que está no livro "O imbecil Coletivo", publicado em 1996. Nesse ensaio, Olavo detalha o argumento de Lasch a respeito daquilo que ele havia definido como "as novas elites".

O escritor Olavo de Carvalho - Reprodução/ConservaTalk no Youtube

Segundo o autor norte-americano, a tal da nova elite era distinta da burguesia porque não detinha os meios de produção, mas a informação. E, como o próprio Olavo definia a interpretação de Lasch sobre essa nova elite, "ela não se contenta em ter poder sobre a riqueza material e a força de trabalho das pessoas, mas quer moldar sua mente, seus valores, sua vida e o sentido de sua vida; não quer só possuir o mundo, mas reinventá-lo à sua imagem e semelhança (...)".

Daí a importância fundamental da crítica à imprensa e à academia, e mesmo ao discurso científico, no pensamento de Olavo de Carvalho. Como um adepto de Lasch, ele interpretava imprensa e academia como essa nova elite, uma espécie de mandarinato intelectual, que havia crescido em descompasso com o resto da sociedade brasileira e que, não obstante, tentava pautá-la e dominá-la.

No mesmo artigo Olavo menciona "The Managerial Revolution", livro publicado em 1938 por James Burnham, figura histórica do movimento conservador dos EUA, no qual há a tese de que o maior perigo à liberdade é a existência de uma classe não eletiva de tecnocratas na burocracia federal —classe essa que operaria sem qualquer tipo de controle externo, do Congresso ou de qualquer outra instância representativa, e que deteria poder excessivo em suas mãos.

O bolsonarismo é a continuação do olavismo por outros meios. A implosão das instituições do Estado brasileiro se deve menos ao thatcherismo tropical de Paulo Guedes e mais à aplicação das lições de Burnham à política pública cotidiana. Como diria outro conservador norte-americano: "As ideias têm consequências".

Em edição mais recente de "O Jardim das Aflições", livro de Olavo publicado em 1995, há uma entrevista na qual ele admite que, assim que foi morar na Virgínia (EUA), tomou conhecimento de todo um ecossistema conservador articulado pela direita cristã daquele país: rádios, jornais locais, sites etc. O olavismo cresceu aqui como uma adaptação desse exotismo ideológico.

A pandemia só evidenciou um repertório discursivo que já circulava de modo subterrâneo na direita brasileira. O desafio à autoridade científica da OMS e da Anvisa não é nada além de uma apropriação de Christopher Lasch e James Burnham elevada à enésima potência e aplicada ao caso nacional. Se o intelectual e o especialista representam a "cultura adversária" e a elite inimiga, logo eles precisam ser combatidos. Não há espaço para conciliação. O olavismo é a política como MMA (artes marciais mistas).

Olavo de Carvalho criou um movimento milenarista e contracultural que não acabará com a sua morte. Alunos, mídias com viés conservador, influenciadores digitais de direita etc. —todos esses levarão a sua obra adiante. Se academia e imprensa ignorarem esse negócio, como fizeram anteriormente, aliás, correremos o risco de só acordarmos quando for, mais uma vez, tarde demais.

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