Descrição de chapéu Eleições 2020 datafolha

Boulos enfrentará Covas no segundo turno em São Paulo

Tucano confirma favoritismo, e candidato do PSOL supera Russomanno e França

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São Paulo

O prefeito Bruno Covas (PSDB) enfrentará Guilherme Boulos (PSOL) no segundo turno da eleição para a Prefeitura de São Paulo, no próximo dia 29, após uma disputa marcada pelo derretimento de Celso Russomanno (Republicanos), candidato do presidente Jair Bolsonaro.

O tucano confirmou seu favoritismo apontado pelas pesquisas e, após 99,9% dos votos apurados​, tinha 32,9% dos votos válidos. Boulos atingiu 20,2%, seguido por Márcio França (PSB), com 13,6%, Russomanno, com 10,5%, Arthur do Val (Patriota), com 9,8%, e Jilmar Tatto (PT), com 8,7%.

Joice Hasselmann (PSL) tinha 1,8%, seguida de Andrea Matatazzo (PSD), com 1,6%, Marina Helou (Rede), com 0,4%, Orlando Silva (PC do B) e Levy Fidelix (PRTB), com 0,2% cada, Vera Lúcia (PSTU), com 0,06%, e Antônio Carlos (PCO), com 0,01%.

Com protocolos inéditos devido à pandemia da Covid-19, a votação deste domingo (15) foi marcada pelo país por alta abstenção e problemas técnicos.

O índice de abstenções, de 23,1%, foi o maior para pleitos municipais dos últimos 20 anos —contra 17,6% no primeiro turno de 2016. Em São Paulo, chegou a 29,3%.

O prefeito Bruno Covas (PSDB) e Guilherme Boulos (PSOL), que disputam o segundo turno em SP - Marcelo Justo e Danilo Verpa/Folhapress

Após as 23h do domingo, quando as projeções já indicavam o segundo turno entre Covas e Boulos, os candidatos deram declarações à imprensa e já se alfinetaram.

Na sede estadual do PSDB, nos Jardins, Covas atacou o que vê como radicalismos de adversários e se colocou como uma candidatura que tem como características a experiência e moderação. Também afirmou que Bolsonaro foi o grande perdedor da eleição.

"A esperança venceu o radicalismo no primeiro turno e a esperança vai vencer o radicalismo no segundo turno", disse Covas. "Nosso grande diferencial é que não apenas a gente apresenta promessas, mas mostramos experiência".

Questionado pela reportagem sobre os motivos de se referir a Boulos, Covas afirmou que era o repórter e não ele quem dizia que o candidato é radical. "Eu só falei que vou vencer o radicalismo".

O prefeito definiu como radicalismo "desrespeito à lei, à ordem, à democracia, à união de forças. Isso é o radicalismo que a cidade de São Paulo não quer".

Boulos, posteriormente, rebateu a afirmação. "Eu vi a declaração do Bruno de que a disputa seria da moderação contra o radicalismo. A disputa não é essa. Ele está errado. A disputa é da mesmice contra a esperança”, disse.

“Radicalismo para mim é a cidade mais rica do país ter gente que revira o lixo para comer, é no meio de uma pandemia ter uma prefeitura que mantém hospitais fechados”, afirmou, em resposta a críticas de Covas e aliados.

Boulos fez o pronunciamento em sua casa, no Campo Limpo (zona sul). O candidato do PSOL afirmou que telefonaria a candidatos do campo progressista em busca de apoio no segundo turno.

Mais tarde, Tatto informou que telefonou a Boulos e declarou seu apoio a ele. O ex-prefeito Fernando Haddad (PT) também se manifestou no fim da noite do domingo a favor do candidato do PSOL.

Na manhã deste domingo, Covas esteve cercado de apoiadores. Acompanhou a votação da ex-prefeita Marta Suplicy, do governador João Doria (PSDB) e do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

"Time que ganha Copa do Mundo não escolhe adversário", limitou-se a dizer.

Também pela manhã, em meio a aglomeração de militantes e jornalistas, Boulos votou acompanhado da mulher e das filhas e disse ter confiança de que iria ao segundo turno e, nesse caso, de que ganharia a eleição contra o hoje favorito Covas.

"Está sendo o resgate de um jeito de fazer política com esperança, com sonho, com princípios”, disse.

Ao votar, na manhã de domingo, Tatto indicou a disposição de se aliar ao candidato do PSOL caso ele fosse para o segundo turno.

O ex-presidente Lula (PT), também em seu local de votação, responsabilizou diretamente o candidato do partido pela decisão de manter sua candidatura, após os apelos para desistir ou declarar apoio a Boulos ainda no primeiro turno.

O ex-presidente disse que a posição de Tatto, informada à presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, foi "uma atitude soberana" do ex-deputado federal.

Petistas chegaram a demonstrar irritação com os pedidos e a movimentação de Boulos pelo voto útil da esquerda ainda no primeiro turno, mas tudo indica que o PSOL receberá o endosso do PT afinal.

Em uma reunião na terça (10), Gleisi pressionou Tatto a desistir, mas ele não cedeu. A campanha do petista agora cobra explicações a respeito do vazamento desse encontro, que criou um fato político negativo na reta final e foi visto como um movimento da direção do PT pelo voto útil de esquerda.

“Gleisi vai ter que dar uma explicação. Passamos dois dias desmentindo a possibilidade de desistência”, afirma o deputado estadual José Américo (PT), coordenador de comunicação da campanha de Tatto. Para ele, o PT errou também em insistir em candidatos próprios e não buscar alianças na pré-campanha, inclusive em São Paulo.

Enquanto parte do PT viu na fala de Lula apenas uma defesa de Gleisi, outros petistas entenderam que o ex-presidente se eximiu da responsabilidade e jogou em Tatto o peso da falta de acerto com o PSOL e de levar adiante uma candidatura derrotada.

Também candidato em São Paulo, Orlando Silva (PC do B) criticou Lula. “Não se atira num inimigo caído, nem se abandona companheiro ferido. Para se afastar da derrota, se oferece a cabeça do companheiro?”, tuitou.

O post foi curtido por Tatto, que depois desfez a ação. Segundo a campanha do petista, a curtida foi feita por um assessor sem aval do candidato.

Mesmo que perca a eleição, Boulos já conseguiu o feito de superar o desempenho do PT na capital, que, desde 1988, venceu as eleições, foi para o segundo turno ou ao menos terminou em segundo lugar.

O segundo turno de 2020 é uma nova versão da tradicional polarização entre esquerda e direita na cidade. Mais viável que Tatto, Boulos acumulou durante a campanha o apoio de petistas históricos.

A segunda fase da disputa eleitoral será mais curta –apenas duas semanas. O calendário eleitoral foi modificado por causa da pandemia do coronavírus.

A coordenação da campanha de Covas promete manter o mesmo tom do primeiro turno, exaltando a trajetória do prefeito e sua gestão. A ideia é seguir fugindo da nacionalização, mas neste domingo Covas comentou que o apoio de Bolsonaro apenas prejudicou seu aliado, Russomanno.

O prefeito vai explorar a estratégia, no segundo turno, de colar em Boulos a pecha de radical e se contrapor como moderado.

Na véspera da eleição, o coordenador da campanha de Covas, Wilson Pedroso, afirmou à Folha que a equipe já trabalhava com Boulos como favorito para o segundo turno.

Covas tem em torno de si uma coligação com 11 partidos. Foi o candidato em São Paulo que mais gastou verba pública do fundo eleitoral (R$ 12 milhões, ante R$ 2,7 milhões de Boulos) e que mais recebeu doações de pessoas físicas (R$ 3,2 milhões ante R$ 400 mil).

Boulos pretende se viabilizar como uma alternativa ao governo do PSDB, tentando manter o eleitorado de esquerda cativo e atraindo outros insatisfeitos com a gestão de Covas. Para isso, aposta em seu plano de governo voltado para a periferia e os mais pobres, com o combate às desigualdades.

O candidato do PSOL espera que, com um tempo de exposição na TV igual ao do adversário, amplie o alcance de seu discurso para além das bolhas que aglutinou no primeiro turno –jovens, mais ricos e mais escolarizados. A forte identificação com a esquerda e a proximidade com Lula podem ser obstáculos a ele.

Para que a eleição presidencial de 2022 não contaminasse o pleito municipal, Covas escondeu Doria, seu padrinho político –que busca a Presidência e antagoniza o presidente Bolsonaro.

Pesquisa Datafolha de setembro mostrou que 59% dos paulistanos disseram não votar de jeito nenhum em um candidato apoiado pelo governador

No primeiro turno, Covas evitou entrar em embates com Bolsonaro ou sua base eleitoral e tampouco atacou a esquerda.

Boulos, por sua vez, caminhou no sentido oposto –usou sua campanha no primeiro turno para criticar os postulantes “BolsoDoria”, mirando ao mesmo tempo os tucanos, pela agenda liberal e de enxugamento do estado, e o presidente, principalmente pela condução da crise da pandemia.

Nas próximas duas semanas, Boulos e Covas enfrentarão uma agenda intensa de entrevistas, atos de campanha na rua, conversas sobre apoios políticos, encontros com apoiadores e uma maratona de debates –que foram cancelados pelas principais emissoras no primeiro turno por conta da quantidade de candidatos e das regras sanitárias da pandemia.

Outro desafio para as campanhas será a propaganda eleitoral no rádio e na TV, que passa a ter cinco minutos para cada. Com cerca de três minutos e meio antes, Covas acabou repetindo suas peças e agora precisa preencher de maneira atrativa e eficiente um tempo ainda maior.

Em sua propaganda, Covas se apresentou como um prefeito presente e resolvedor de problemas. Baseou a comunicação da sua campanha na superação de desafios, como o câncer descoberto no trato digestivo e a pandemia do coronavírus.

Com um discurso de respeito à ciência e de restrições para promover o distanciamento social, seu trabalho relacionado à Covid-19 foi aprovado por 46% dos paulistanos. Ele é considerado o mais preparado para ser prefeito por 34% dos moradores da capital.

Numa campanha propositiva e sem ataques a outros adversários, exibiu uma prestação de contas da gestão e, ao apresentar o exemplo do avô Mário Covas, fez um resgate da política, demonizada nas eleições de 2016 e 2018.

A questão do tempo de TV é ainda mais aguda para Boulos, que tinha 17 segundos. O candidato do PSOL comemora a maior exposição no segundo turno, mas tem a missão de prender o eleitor por cinco minutos.

Na TV, Boulos fez uso de artistas, como Wagner Moura, em sua propaganda. Mas sua campanha acabou se voltando para a internet, e Boulos se tornou o candidato com maior popularidade digital. Sua equipe acertou ao investir em memes, lives, TikTok e jingles populares.

Para sair da bolha da juventude e da classe média alta, Boulos mira a periferia –38% das suas agendas divulgadas de campanha foram nos extremos da cidade, o maior índice entre os quatro principais candidatos.

Covas, que é favorito entre os mais velhos, mais pobres e menos escolarizados, foi o que mais se dedicou a compromissos religiosos –12% da agenda. O tucano tem grande vantagem sobre Boulos entre católicos e evangélicos.

Entre as fragilidades de Covas exploradas no primeiro turno e que voltam à tona agora, estão sua viagem de férias à Europa durante uma enchente em São Paulo e a reforma do Anhangabaú ao custo de R$ 94 milhões.

Boulos foi alvo de críticas pela ligação com o movimento sem-teto (carrega a pecha de invasor e radical) e por ser réu em processo de vandalismo. Também foi questionado sobre sua falta de experiência em gestão pública e por apresentar um plano de governo que carece de fontes de arrecadação para se sustentar.

Numa vacina contra isso e dentro do processo de tornar sua imagem mais moderada, Boulos escolheu a ex-prefeita e deputada Luiza Erundina (PSOL), 85, como sua vice.

Fazendo campanha em uma espécie de papamóvel para se proteger da Covid-19, Erundina é a ponte de Boulos com a experiência, com os mais velhos e com a periferia.

O vice de Covas, vereador Ricardo Nunes (MDB), é ligado à Igreja Católica, é um dos alvos de inquérito sobre relação de políticos com com entidades que gerenciam creches e foi escolhido numa costura de Doria com o MDB e o DEM.

​​Aos 38 anos, Boulos participa da segunda eleição como candidato. Em 2018, o líder do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) concorreu à Presidência da República e acabou em 10º lugar, com 617 mil votos (0,58%). Ele nunca exerceu cargo público.

Boulos é professor, formado em filosofia e mestre em psiquiatria pela USP. Ele milita desde o começo dos anos 2000 no MTST e se notabilizou ao conduzir protestos, como atos contrários à Copa do Mundo, em 2014, e ao impeachment de Dilma Rousseff (PT), em 2016.

Covas tem 40 anos e foi eleito vice-prefeito em 2016. Chegou ao cargo depois que Doria deixou a prefeitura para concorrer ao governo do estado em 2018. A presença de Covas na chapa tinha o objetivo de pacificar um PSDB rachado pela candidatura de Doria, um outsider que se coloca à direita da social-democracia defendida por líderes históricos do partido.

O atual prefeito, que tem a simpatia da velha ala do PSDB, sempre marcou suas diferenças em relação a Doria: fez acenos à esquerda em sua gestão, não embarcou na onda Bolsonaro e tampouco bateu de frente com o presidente.

Adotando tom moderado, apresentou-se como político, enquanto o governador se vendia como gestor.

Nascido em Santos, Covas se mudou para São Paulo na adolescência e passou a morar com o avô. Desde jovem filiado ao PSDB, foi candidato a vice-prefeito da cidade do litoral em 2004, mas perdeu.

Foi eleito deputado estadual em 2006 e reeleito em 2010. Ocupou a Secretaria do Meio Ambiente de 2011 a 2014, durante o governo Geraldo Alckmin (PSDB). Em 2014, foi eleito deputado federal.

Um segundo turno entre Covas e Boulos aponta para o enfraquecimento da onda bolsonarista na cidade. A rejeição ao presidente atinge 50% entre os moradores da capital, e o candidato apoiado por ele, Russomanno, acabou derretendo ao longo da campanha.

De maneira discreta, Covas mantém suas diferenças em relação ao presidente e, ao contrário dele, apostou na racionalidade e na moderação. Boulos é crítico contundente de Bolsonaro e, para ampliar sua base eleitoral, não buscou refúgio no extremismo de esquerda na eleição.

Uma frase muito repetida pelo candidato do PSOL aponta para a superação da política radical de Bolsonaro: “A esperança vai vencer o ódio”. Seu slogan, porém, é “pra virar o jogo”.

Já o slogan de Covas, “força, foco e fé”, acena ao eleitorado religioso e reforça a mensagem, pensada por seus estrategistas, de superação e de eficiência na administração pública.

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