PSDB troca Eduardo Leite por Nunes em feijoada com afago ao prefeito e ataque a Boulos

Diretório paulistano pregou aliança com emedebista em evento com apelos por ressurreição da sigla

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São Paulo

A certa altura da feijoada que o PSDB paulistano promoveu neste sábado (15) para comemorar os 35 anos do partido, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) recebeu nas mãos um tucano de madeira e acariciou a miniatura antes de entregá-la como premiação a uma das militantes.

A mascote da legenda estava espalhada em adereços no salão de eventos de um clube na Penha (zona leste da capital paulista) por onde Nunes passeou recebendo honras de filiado e pedidos de selfie de alguns dos cerca de mil participantes, afoitos por uma foto com a estrela da tarde.

O prefeito Ricardo Nunes (MDB) segura estatueta de tucano, mascote do PSDB, em confraternização da militância do partido neste sábado (15) - Rubens Cavallari/Folhapress

O candidato à reeleição discursou na primeira pessoa, falando que "nós vamos vencer" a eleição de 2024 para a prefeitura que ele herdou do tucano Bruno Covas, de quem era vice até 2021, quando o então prefeito morreu. Saiu da comemoração ainda mais convicto do apoio tucano à candidatura.

Quando a feijoada foi marcada, há cerca de um mês, a expectativa era que ela servisse para aproximar a militância tucana na cidade do presidente nacional do partido, Eduardo Leite. Em viagem aos Estados Unidos para um curso sobre economia verde, o governador do Rio Grande do Sul não apareceu.

A ausência nem foi tão notada, mas as poucas conversas sobre política que a música alta do grupo de samba permitiu acontecer passavam de alguma forma pela figura do gaúcho e sua tentativa de participar dos rumos do tucanato em São Paulo, hoje às voltas com debates sobre a aliança com Nunes e outras possibilidades, como o lançamento de candidatura própria. Leite defende um PSDB altivo.

Anfitrião da festa —que não cobrou pelo prato principal nem por água e refrigerante, mas vendeu cerveja a R$ 10 e caipirinha a R$ 20—, Fernando Alfredo se disse confiante na confirmação do apoio à reeleição do prefeito e afirmou que no diretório municipal, presidido por ele, só 5% dos integrantes são contra.

"O caminho óbvio é o de nós apoiarmos a continuidade de um governo do qual fazemos parte e o de respeitar aquela que seria a vontade do Bruno se ele estivesse aqui, já que ele escolheu Nunes como vice e o natural seria ele ir para a sucessão", afirmou, enaltecendo sua amizade de anos com Covas.

Empolgado ao lado de Nunes no palanque, Alfredo anunciou a presença de Ruth Cardoso e foi imediatamente corrigido por João Jorge, vereador do PSDB na capital, que notou a confusão com o nome da ex-primeira-dama, morta em 2008, com o de Rute Costa, colega de Câmara Municipal.

A vereadora tucana, também da ala tucana pró-Nunes, nem ligou para a gafe envolvendo a menção à companheira do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

"A chapa continua sendo nossa [PSDB e MDB]", defendeu ela em sua fala, ecoando a ideia de que o certo é manter a parceria, mesmo com as pressões contrárias e a fragilidade após "alguns abalos sísmicos".

Rute publicou em 2022 uma mensagem que defendia golpe contra Lula (PT). Atuando então como presidente interina da Câmara Municipal, ela compartilhou mensagem após o resultado do segundo turno presidencial que dizia: "Se ele já foi descondenado ele também pode ser deseleito".

Uma das "cabeças brancas" do recinto, a militante Maria de Lurdes Silva, 80, ladeou Nunes no palco e disse à reportagem concordar com o apoio do PSDB, do qual é uma das fundadoras, ao emedebista.

"Desde que ele não se alie ao Bolsonaro ou a qualquer pessoa dele", frisou Lurdinha, que optou por Lula no ano passado "mesmo não sendo uma petista" por considerar preferível escolher "o demônio" a votar em Jair Bolsonaro (PL). Nunes negocia com o bolsonarismo e pode dar a vice ao grupo.

Falas ao microfone e ao redor das mesas de plástico espalhadas pelo salão pregavam a ressurreição do PSDB como um partido do centro político, do equilíbrio e da moderação.

O diagnóstico de que a sigla enfrenta um momento difícil por perder o governo do estado após 30 anos e ser obrigada a abrir mão de lançar candidato a prefeito pela escassez de lideranças era compartilhado sem ressalvas.

Pelo que se ouviu, extremos são os outros —mais especificamente, Guilherme Boulos e os companheiros do PSOL, hoje vistos como o principal obstáculo para a recondução de Nunes, por causa da candidatura que deverá contar com o apoio de Lula e é tratada pela direita como a mais competitiva.

O atual prefeito distribuiu ataques ao rival e aos vereadores psolistas, pela postura "irresponsável e medíocre", e alertou para o risco de "entregar a cidade para um cara malandro, dissimulado, invasor de terra, que desrespeita a lei e não mantém a ordem". Seguiram-se aplausos.

O tom foi parecido com o de João Jorge, que usou os termos invasor e extremista contra o adversário, que disputou o segundo turno contra Covas em 2020 e foi eleito deputado federal em 2022 após anos como líder do MTST, movimento que entra em imóveis vazios para reivindicar políticas de moradia.

Depois, indagado sobre as chances de dar certo a composição com Nunes, Jorge respondeu: "Se depender da bancada dos oito vereadores, o apoio está 100% selado. O diretório nacional é que tá…", emendou, sendo interrompido por uma militante para uma selfie perto da fila da comida.

A confraternização foi feita com doações e trabalho voluntário, como o da cozinheira Ana Angélica, que para preparar os caldeirões de feijoada e panelas de arroz, farofa e couve disse ter chegado ao clube às 6h do dia anterior e trabalhado sem parar. Por isso, foi homenageada com o tucano de madeira.

Depois de convidar Leite para o evento, Alfredo mandou personalizar um pandeiro para dar ao presidente do partido. O instrumento, com uma ilustração do animal-símbolo da sigla, faria alusão ao gosto do governador por tocá-lo, como já demonstrou em eventos e vídeos nas redes sociais.

Quem saiu da festa com um pandeiro idêntico —exceto pela inscrição "Ricardo Nunes" em azul— foi o prefeito, que foi instado a "tocar um samba" para acompanhar a banda, mas logo se desinteressou.

Nada que constrangesse o presidente municipal, de quem o público escutou a frase: "Eu brinco que para o Ricardo só falta a filiação [ao PSDB]".

O que se podia lamentar neste sábado, disse Marcos Fernandes, presidente de honra da Diversidade Tucana (ala do partido pró-LGBTQIA+), era só a ofensa de Jean Wyllys (PT) a Leite, nas redes sociais, um dia antes. O ex-deputado federal chamou o gaúcho, que é homossexual, de "gay homofóbico".

"Ele é um governador e sabe que descontinuar uma política pública [como a das escolas cívico-militares, pivô da crítica de Wyllys] prejudica os usuários. Além disso, Jean posa de modelo para os LGBT, como se só o que ele pensa fosse o certo", afirmou à reportagem.

Depois de entregar o pandeiro para um assessor, Nunes desceu do palco e iniciou uma travessia rumo à porta do salão dificultada pelo assédio da militância tucana, enquanto a banda entoava um pagode famoso: "Erga essa cabeça, mete o pé e vai na fé/ Manda essa tristeza embora".

Colaborou Carolina Linhares

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