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Gideon Rachman

Fase atual da Guerra da Ucrânia deve fazer com que Xi repense aliança com Putin

Aliança informal não é sem limites, e reveses da Rússia a tornam menos interessante para a China

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Gideon Rachman
Financial Times

Em 4 de fevereiro —três semanas antes da invasão da Ucrânia pela Rússia—, Vladimir Putin se encontrou com Xi Jinping em Pequim. Uma declaração conjunta dos dois líderes anunciou que a amizade entre Rússia e China "não tem limites".

Sete meses depois, Xi pode ter se arrependido dessas palavras. Falando antes de uma reunião do Conselho de Cooperação de Xangai no Uzbequistão, Putin prometeu abordar as "questões e preocupações" que a China tem sobre a Guerra da Ucrânia.

Nem Putin nem Xi optaram por esmiuçar essas preocupações em público. Mas não é difícil adivinhar. A guerra enfraqueceu a Rússia, desestabilizou a Eurásia e fortaleceu a Otan, aliança militar ocidental. Nada disso parece bom, visto de Pequim.

Vladimir Putin conversa com Xi Jinping em encontro em Samarcanda - Serguei Bobilov - 16.set.22/Sputnik/AFP

A declaração de 4 de fevereiro deixou claro que a base da amizade russo-chinesa é a hostilidade comum à liderança global dos Estados Unidos. Uma rápida vitória russa na Ucrânia —apenas alguns meses após a caótica retirada dos EUA do Afeganistão— teria sido outro duro golpe para o prestígio e o poder de Washington. Isso teria servido bem a Pequim, e poderia até ter preparado o cenário para um ataque chinês a Taiwan.

Por outro lado, um conflito prolongado na Ucrânia —e a perspectiva de derrota russa— é um sério revés estratégico para a China. Como diz Nigel Gould-Davies, do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, "existem razões abundantes para a China estar muito infeliz".

A mais óbvia é que a Rússia é o parceiro internacional mais importante da China. Os dois países não são aliados formais por tratado. Mas se apoiam em fóruns internacionais e realizam exercícios militares conjuntos. A primeira visita estrangeira que Xi fez depois de se tornar líder foi a Moscou. Ele se referiu a Putin como seu "melhor amigo". Mas agora seu amigo parece um perdedor. E a amizade da China com a Rússia parece um incômodo, não uma vantagem.

Além de enfraquecer o parceiro chinês, a guerra produziu um renascimento da aliança ocidental. A liderança dos EUA parece confiante e eficaz mais uma vez. As armas americanas ajudaram a mudar o rumo do conflito. Novos países estão fazendo fila para se juntar à aliança. A mídia estatal chinesa adora enfatizar o declínio inexorável do Ocidente, mas, de repente, a Otan está parecendo bastante animada.

Pequim poderia pelo menos se confortar com o fato de que o "Sul Global" parecia neutro, e às vezes até tacitamente pró-Rússia, nesse conflito. Isso importa porque a luta pela lealdade dos países da África, da Ásia e das Américas é uma parte importante da rivalidade da China com os EUA.

Mas o sentimento está mudando. Na cúpula de Samarcanda, Narendra Modi, o primeiro-ministro indiano, repreendeu publicamente Putin, dizendo-lhe que "a era de hoje não é de guerra". O russo se limitou a prometer: "Faremos o possível para parar isso o mais rápido possível".

Na Assembleia-Geral da ONU, a Índia se juntou a cem outros países na votação para permitir que Volodimir Zelenski, presidente da Ucrânia, faça um discurso virtual. Apenas seis países se aliaram à Rússia em oposição ao discurso; a China se absteve.

Em casa e no exterior, Xi gosta de enfatizar seu desejo de estabilidade. Mas a guerra alimentou a instabilidade em toda a Eurásia. O Azerbaijão acaba de atacar a Armênia, que é aliada da Rússia. Também houve confrontos entre Quirguistão e Tadjiquistão.

Uma Rússia seriamente enfraquecida e envergonhada já é um parceiro muito menos útil para a China. E os resultados da guerra ainda estão se revelando. O pesadelo final para Pequim seria se Putin caísse e fosse substituído por um governo pró-Ocidente —o que é improvável, mas não impossível.

É claro que uma Rússia enfraquecida também traz alguns benefícios. Moscou é hoje cada vez mais dependente economicamente de Pequim. Putin fez recentemente uma referência sombria à dura posição que a China adota nas negociações comerciais. Alguns analistas de Washington vão ainda mais longe, argumentando que a Guerra da Ucrânia levará Moscou permanentemente para os braços de Pequim, enquanto distrai os EUA de se concentrarem obstinadamente em confrontar a China.

Essa escola de pensamento argumenta que um ponto de virada crucial na Guerra Fria foi a abertura de Nixon-Kissinger para a China em 1971. Agora eles temem que o oposto esteja acontecendo —e o eixo China-Rússia esteja se endurecendo. Mas esse argumento trata os grandes poderes como peças sem valor em um tabuleiro de xadrez estratégico.

A realidade é que a Rússia e a China formaram uma aliança informal porque suas visões de mundo têm muito em comum. É implausível que uma delas se afaste e decida se alinhar com os EUA. Washington é o problema que elas estão tentando resolver.

O eixo russo-chinês apresentado em 4 de fevereiro também foi, em grande medida, um acordo pessoal entre dois líderes fortes. Putin e Xi claramente gostavam do estilo um do outro e se viam como a personificação de suas respectivas nações. Eles eram, nas palavras de Alexander Gabuev, do Centro Carnegie em Moscou, "o czar e o imperador".

Mas com Putin agora se parecendo mais com Nicolau 2º do que com Pedro, o Grande, Xi deve se arrepender de ter abraçado seu colega russo com tanto entusiasmo.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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