Tire suas dúvidas e se prepare para discussões políticas na ceia de Natal

Folha reúne informações sobre Bolsonaro, Lula e ações do governo para oferecer bons argumentos no debate com a família

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Para muitas famílias, recentes ceias de Natal e festas de Réveillon deixaram de ser apenas um espaço de confraternização para se tornar palco de acirradas e incontornáveis discussões políticas.

A tensão aumentou com a polarização e ficou evidente no ano passado, com a eleição de Jair Bolsonaro (atualmente sem partido), e mais recentemente com a soltura do ex-presidente Lula (PT).

Como os debates políticos serão inevitáveis em muitas dessas famílias, a Folha preparou um guia para que cada um possa reunir bons argumentos, longe das fake news.

Vale ainda ver as dicas sobre como lidar com a discordância política entre amigos e familiares, sem perder a linha e criar aquele "climão" que pode azedar a festa.

O presidente Jair Bolsonaro, no Palácio do Planalto
O presidente Jair Bolsonaro, no Palácio do Planalto - André Coelho/Folhapress

Ao sair da cadeia, Lula está livre de condenações?
Não. A soltura de Lula foi determinada por causa da mudança de entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a prisão após condenação em segunda instância. O ex-presidente, porém, não foi inocentado de nada.

Desde 2009, o STF já mudou seu entendimento a respeito desse tema duas vezes. Neste ano, analisou um questionamento sobre o artigo 283 do Código de Processo Penal, que diz que ninguém pode ser preso exceto em casos especiais ou se houver sentença condenatória transitada em julgado —quando não é mais possível recorrer da decisão.

O artigo seria inconstitucional? Foi essa a discussão concluída no dia 7 de novembro. Os ministros entenderam que não. Assim, a prisão passou a ser permitida apenas após esgotados todos os recursos.

Lula estava preso por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex de Guarujá (SP). Foi condenado em primeira, segunda e na chamada terceira instância, no STJ (Superior Tribunal de Justiça). Mas ainda aguarda recursos nesta corte e pode recorrer ao Supremo em liberdade.

O ex-presidente, então, foi solto, mas não ficou livre das condenações: no dia 27 de novembro, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região condenou o petista em segunda instância no caso do sítio de Atibaia e ampliou a sua pena para 17 anos.

Lula pode voltar a ser preso?
Sim. Outros tipos de prisões podem ser decretados antes do esgotamento dos recursos. A prisão preventiva, por exemplo, ocorre caso o réu esteja atrapalhando o processo. Além dos casos do sítio e do tríplex, Lula responde a outras seis ações penais.

Essa resposta também depende da pena de Lula após trânsito em julgado de cada caso. Em um cenário hipotético, se o petista fosse preso hoje com a confirmação da pena atual nas demais instâncias, ele teria que cumprir mais dois anos e nove meses de prisão.

Os processos de Lula podem ser anulados?
Sim. A defesa de Lula afirma que o ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, foi parcial no julgamento do petista nos casos da Lava Jato, ferindo assim o direito a um julgamento justo. A análise da suspeição de Moro está na Segunda Turma do STF e pode ocorrer no início de 2020.

Em Curitiba, Moro protagonizou decisões polêmicas, como a divulgação de dezenas de conversas telefônicas de Lula grampeadas pela Polícia Federal, e a ida para o Ministério da Justiça após decretar a prisão do petista, principal adversário político do presidente Jair Bolsonaro.

A tese de que Moro não teria sido imparcial ganhou força após a revelação de conversas da cúpula da Lava Jato pelo site The Intercept e por outros veículos, como a Folha. Nos diálogos, o ex-juiz combina com o procurador Deltan Dallagnol posicionamentos sobre os processos.

Caso Moro seja considerado um juiz suspeito, os processos de Lula podem voltar para a primeira instância, sob a condução de um novo magistrado.

Lula pode ser candidato?
Por enquanto, não. A Lei da Ficha Limpa, sancionada em 2010 pelo próprio Lula quando presidente, veta a candidatura de políticos cassados ou condenados em segunda instância, condição do petista nos casos do tríplex e do sítio. Portanto, mesmo livre, ele não poderá concorrer novamente a cargos eletivos durante oito anos após o cumprimento de todas as penas.

Ainda que o STF julgue que Moro não foi imparcial na condução do processo do tríplex e a condenação seja anulada, restaria ainda a condenação de Lula na segunda instância no caso do sítio, por exemplo.

Lula será candidato em 2022?
Ainda é cedo para dizer. Muitos petistas defendem desde agora a candidatura de Lula para 2022, mas o ex-presidente ainda não expressou claramente a sua decisão. Apesar disso, Lula já deu algumas pistas de que quer, ao menos, liderar a oposição ao governo Bolsonaro e percorrer o Brasil.

Em 2018, começou a campanha como candidato presidencial do PT mesmo com a prisão iminente e até mesmo na cadeia, quando o STF barrou sua candidatura pela Lei da Ficha Limpa.

Lula seria eleito se tivesse sido candidato em 2018?
Não é possível saber. Em agosto, Lula aparecia nas pesquisas de intenção de voto 20 pontos percentuais à frente do segundo colocado, Bolsonaro, mas não se pode afirmar que ele chegaria a outubro com o mesmo desempenho.

Na última pesquisa Datafolha em que o nome do ex-presidente era citado, ele vencia Bolsonaro em um hipotético segundo turno, com 52% a 32%.

No final de setembro, já após a substituição de Lula por Fernando Haddad como candidato do PT, Bolsonaro liderava as sondagens, à frente do petista, de Geraldo Alckmin (PSDB) e Ciro Gomes (PDT).

As eleições de 2018 foram atípicas: pela primeira vez, o celular influenciou mais os eleitores do que a televisão. Além disso, no dia 6 de setembro, Bolsonaro foi vítima de um atentado à faca, o que mudou a estratégia de outros candidatos e aumentou seu tempo de exposição na TV com a cobertura de sua recuperação.

Bolsonaro é ligado às milícias?
Não pode se afirmar que há uma ligação direta, mas a família Bolsonaro tem um histórico de defesa desses grupos e relações próximas com pessoas acusadas de integrá-los.

Uma série de discursos do atual presidente e de seus filhos aponta que a família Bolsonaro minimizou, ao longo dos anos, a gravidade das ações de milícias —além de ter defendido e exaltado policiais suspeitos de atuação criminosa nesses grupos. 

O ex-PM Adriano Magalhães da Nóbrega, hoje foragido sob acusação de integrar uma milícia na zona oeste do Rio de Janeiro, estava preso quando foi homenageado por Flávio com a Medalha Tiradentes, mais alta honraria da Assembleia Legislativa, conforme mostrou a Folha.

Em janeiro de 2004, Nóbrega foi preso preventivamente, acusado pelo homicídio do guardador de carro Leandro dos Santos Silva, 24. O então policial chegou a ser condenado no Tribunal do Júri em outubro de 2005, mas conseguiu recurso para ter um novo julgamento, foi solto em 2006 e absolvido no ano seguinte.

Nesse meio-tempo, em junho de 2005, Flávio considerou Nóbrega merecedor da homenagem. Entre outras razões, de acordo com Flávio, por esse PM ter êxito ao prender 12 "marginais" no morro da Coroa, no centro, além de apreender diversos armamentos e 90 trouxinhas de maconha.

Flávio Bolsonaro já havia homenageado o policial em outubro de 2003, quando apresentou moção de louvor em seu favor. Segundo o senador eleito, Nóbrega desenvolvia sua função com "dedicação, brilhantismo e galhardia".

Nóbrega também foi destaque de um discurso de Jair Bolsonaro, conforme mostrou a Folha. No plenário da Câmara dos Deputados, em 2005, o então deputado federal afirmou que Nóbrega era um “brilhante oficial” e criticou um coronel que depôs contra o acusado, relatando ao júri o resultado de uma sindicância interna da PM.

Na ocasião, ele relatou ter sido aquela a primeira vez que assistira a um julgamento do Tribunal do Júri. Ele foi deputado de 1991 a 2018, tendo sempre como bandeira a defesa de policiais.

No caso de Flávio, há ao menos outro episódio em que seu nome se misturou ao de milicianos. No ano passado, a polícia desbaratou uma quadrilha especializada em extorsões. Entre os presos estavam dois ex-PMs que teriam atuado como segurança em eventos do então candidato a senador.

O presidente Jair Bolsonaro, quando deputado federal, chegou a proferir críticas à CPI das Milícias, realizada pela Alerj. Ele defendeu que alguns policiais militares são confundidos com milicianos por organizar a segurança da própria comunidade, mas que não praticam extorsão.

À época da criação da CPI, em 2008, Flávio Bolsonaro também minimizou a gravidade das milícias. "[O policial militar] É muito mal remunerado, precisa buscar outras fontes e vai então fazer segurança privada, vai buscar atividades que muitas vezes são reprováveis pela opinião pública, pela imprensa", disse na Alerj.

O então deputado estadual afirmou que "não raro é constatada" a felicidade dos moradores de comunidades supostamente dominadas por milicianos. 

"Não raro é constatada a felicidade dessas pessoas que antes tinham que se submeter à escravidão, a uma imposição hedionda por parte dos traficantes e que agora pelo menos dispõem dessa garantia, desse direito constitucional, que é a segurança pública."

Há ligação da família Bolsonaro com o assassinato de Marielle Franco?
Não há evidências que corroborem essa tese. O nome de Jair Bolsonaro foi citado por um porteiro do condomínio em que o presidente tem casa no Rio de Janeiro no inquérito que investiga a morte da vereadora.

Em depoimento à Polícia Civil, Alberto Jorge Ferreira Mateus disse que um dos suspeitos, o ex-policial militar Élcio de Queiroz, pediu para ir à casa de Bolsonaro no condomínio no dia do crime. Então deputado federal, Bolsonaro estava em Brasília e não tinha como ter recebido Élcio, que se dirigiu à casa do outro suspeito do assassinato, o PM aposentado Ronnie Lessa, que tem casa no mesmo condomínio.

O porteiro, no entanto, recuou em um depoimento posterior à Polícia Federal, no qual disse que errou ao atribuir ao presidente a autorização para a entrada de Élcio no condomínio. Também disse ter se sentido confuso durante os dois depoimentos dados à Polícia Civil em outubro.

Que realizações positivas o governo Bolsonaro tem a mostrar?
O governo conseguiu aprovar a reforma da Previdência no Congresso, ainda que analistas apontem como crucial para a aprovação o trabalho de articulação política realizado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Ainda na economia, a taxa Selic está no menor patamar desde que passou a ser utilizada como instrumento de política monetária, em 1999. Além disso, o risco-país, termômetro informal da confiança dos investidores, é o menor desde novembro de 2010.

Em agosto, Bolsonaro fechou um tratado de livre comércio do Mercosul com a União Europeia que vinha sendo costurado há duas décadas.

O acordo prevê que sejam zeradas uma série de tarifas comerciais entre os blocos, o que pode gerar incremento de até US$ 125 bilhões (R$ 480 bilhões) para o PIB do Brasil em 15 anos. O tratado ainda deve ser aprovado pelo Parlamento dos 32 países envolvidos.

A economia está crescendo mesmo?
Sim, apesar de em ritmo lento. No terceiro trimestre, o PIB teve alta de 0,6% em relação ao trimestre anterior. O indicador está no mesmo nível do 3º trimestre de 2012, e recuperou 4,9 pontos percentuais desde o 4º trimestre de 2016.

A alta acontece apesar do baixo investimento do Estado, que aprofunda uma política de contenção de gastos, e impulsionado pelo investimento privado e consumo das famílias. Na indústria, 11 das 15 regiões analisadas pelo IBGE tiveram crescimento em agosto, segundo mês consecutivo, feito que não acontecia desde abril de 2018.

Em relação ao desemprego, foram geradas 99.232 vagas com carteira assinada no país em novembro, o melhor resultado para o período desde 2010.

A taxa de desemprego vem caindo e chegou ao terceiro trimestre em 11,8%, mas às custas de recordes da informalidade. No mesmo período, a taxa de informalidade era de 41,4% dos ocupados, maior nível desde o início da pesquisa em, 2015.

E a queda de homicídios, que o governo atribui ao trabalho do ministro da Justiça, Sergio Moro?
O número de assassinatos vem caindo no Brasil desde 2018, quando foram registrados 57.341 casos —primeira queda em três anos.

Em setembro deste ano, Moro afirmou: "O mérito é também do governo federal porque assistimos basicamente a uma redução da criminalidade em todo o país, o que nos leva a crer que existe uma causa nacional para a redução da criminalidade".

Especialistas afirmam que essa evolução não pode ser explicada por um só fator, e citam ao menos três variáveis: políticas dos governos estaduais, o papel das facções criminosas em conflitos nos presídios, que atingiu o auge em 2017, e a queda da natalidade no Brasil.

Bolsonaro persegue veículos de comunicação que o criticam?
Sim. Um dos mais recentes casos de perseguição foi a exclusão da Folha de licitação da Presidência para assinatura de jornais.

O jornal não aparecia em edital do final de novembro que previa a contratação de empresa responsável por oferecer a assinatura dos veículos à Presidência. Quando anunciou a medida, um mês antes, ele também ameaçou anunciantes do jornal.

Ao longo do ano, o presidente acumulou outras polêmicas sobre o assunto. Em outubro deste ano, após o Folha publicar reportagem sobre possível uso de caixa dois na campanha dele, Bolsonaro afirmou que o veículo "avançou todos os limites" e desceu "às profundezas do esgoto”.

A tensão não se restringe à Folha. Em outubro, a TV Globo veiculou reportagem que apontou a citação ao nome de Bolsonaro na investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Silva, no Rio de Janeiro.

A resposta de Bolsonaro veio em forma de vídeo, com ataques à emissora: "Seus patifes da TV Globo! Seus canalhas! Não vai colar! Não tinha motivo para matar quem quer que fosse no Rio de Janeiro".

O presidente ameaçou não renovar a concessão da Globo. “Se o processo não estiver limpo, legal, não tem renovação da concessão de vocês, e de TV nenhuma. Vocês apostaram em me derrubar no primeiro ano e não conseguiram.”

As emissoras de rádio e TV no Brasil são concessões públicas. A da TV Globo vence em 2023. A concessão é renovada ou cancelada pelo presidente, e o Congresso pode referendar ou derrubar na sequência o ato presidencial em votação nominal de 2/5 das Casas (artigo 223 da Constituição).

A concessão vence em 15 de abril de 2023. Segundo lei aprovada pelo governo Temer, no entanto, o presidente pode decidir sobre a concessão até um ano antes de ela vencer —ou seja, em abril de 2022, no início do último ano do mandato de Bolsonaro.

Bolsonaro quer a volta da ditadura militar?
Quando deputado federal, diversas falas de Bolsonaro indicavam que sim.

Em 1999, ele afirmou que era “a favor, sim, a uma ditadura, a um regime de exceção, desde que este Congresso dê mais um passo rumo ao abismo (...).” No mesmo ano, ao ser questionado em programa de TV se fecharia o Congresso caso fosse eleito presidente da República, afirmou que “daria golpe no mesmo dia”.

Hoje, ele recua e tenta justificar essas afirmações, mas ainda dá sinais ambíguos. Em dezembro do ano passado, afirmou que a “petralhada” iria para a “ponta da praia”, área do Rio de Janeiro em que ocorria desova de mortos pela ditadura. “Será uma limpeza nunca vista na história do Brasil”, continuou.

Quando se pronunciou após a vitória, Bolsonaro posicionou a Constituição em sua mesa e prometeu respeitá-la. Mas não é segredo que Bolsonaro tem simpatia pela ditadura militar. Em março, por exemplo, ele determinou “comemorações devidas” pelos 55 anos do golpe de 1964.

O desmatamento aumentou no governo Bolsonaro?
Sim. Segundo dados do Prodes, monitoramento do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), foram desmatados 9.762 km² entre agosto de 2018 e julho de 2019, um aumento de 29,5% em comparação com o ano anterior e o recorde da década.

Outro sistema, o Deter, já havia detectado aumento de 278% do desmatamento na Amazônia em julho deste ano, comparado ao mesmo mês de 2018. Apesar de menos preciso, o Deter é mais rápido e suas informações auxiliam o Ibama nas ações de combate ao desmatamento.

A divulgação dos dados do Deter foi o que causou os ataques de Bolsonaro e seus ministros ao Inpe e custou a demissão de Ricardo Galvão, diretor do instituto. “Se quebrar a confiança, vai ser demitido sumariamente. Perdeu a confiança, no meu entender, isso é uma pena capital", afirmou Bolsonaro pouco antes de sua exoneração.

O presidente sustentava que os dados eram exagerados e prejudicavam a imagem do país no exterior.

As ONGs são responsáveis pelas queimadas na Amazônia?
Não é possível afirmar isso. Essa ideia ganhou força após o presidente afirmar, em meio a uma das maiores crises que enfrentou, que poderia “estar havendo (...) ação criminosa desses ongueiros para exatamente chamar a atenção contra a minha pessoa, contra o governo do Brasil.” Ele não apresentou provas.

Em novembro, a Polícia Civil do Pará prendeu preventivamente quatro brigadistas de Alter do Chão, em Santarém, no Pará. A ONG de que participavam era acusada de ter causado os incêndios.

Porém, em investigação federal, grileiros, e não brigadistas, são suspeitos de incêndios no Pará. Por ser um lugar turístico, o local sofre forte especulação imobiliária.

Corroborando essa versão, a agência Repórter Brasil revelou, no final do mesmo mês, que o prefeito de Santarém, Nélio Aguiar (DEM), afirmou ao governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), que o incêndio em Alter do Chão foi causado por "gente tocando fogo para depois fazer loteamento, vender terreno".

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.