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Disputa entre bolsonaristas e esquerda antecipa polarização na Câmara de SP

Candidatos a vereador que apoiam presidente querem ampliar domínio e reeditar tomada da Assembleia

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São Paulo

A corrida pelas vagas da Câmara Municipal de São Paulo poderá servir de prévia do clima na Casa a partir de 2021. Candidatos bolsonaristas falam em demarcar território, ao mesmo tempo que esquerdistas veem o Legislativo paulistano como trincheira para combater o avanço de Jair Bolsonaro.

Animados com a possibilidade de mais conservadores serem eleitos em novembro, aliados do presidente buscam repetir a tomada de espaço ocorrida na Assembleia Legislativa em 2018, quando o PSL (à época partido de Bolsonaro) elegeu 15 deputados estaduais e se tornou a maior bancada.

Como Bolsonaro rompeu com o PSL e fracassou até agora na criação de sua legenda (a Aliança pelo Brasil), seus simpatizantes que sonham em virar vereadores estão espalhados por pelo menos seis siglas (o próprio PSL, além de Republicanos, PTB, Patriota, PSD e PRTB).

No campo oposto, partidos de esquerda e centro-esquerda como PSOL, PT, PSB, PDT, PC do B e Rede têm em suas listas de apostas nomes que empunham bandeiras como diversidade e redução das desigualdades.

Parte dos favoritos buscou inovar até no formato, lançando candidaturas coletivas (nas quais um grupo faz campanha para exercer o mandato conjuntamente). Os partidos mais próximos da esquerda também arregimentaram mulheres, negros e jovens, muitos deles escolados no meio ruidoso das redes sociais.

Se os dois lados forem bem-sucedidos, o ambiente na Câmara tende a se aproximar da rotina de sessões conflagradas, bate-bocas intermináveis e até ameaças e agressões físicas que tomou conta da Assembleia, na avaliação de postulantes e observadores da eleição consultados pela Folha.

Embora o plenário municipal tenha lá os seus atritos, eles costumam se dar em menor quantidade e intensidade do que no estadual.

O vereador Fernando Holiday (Patriota), membro do MBL (Movimento Brasil Livre) e candidato à reeleição, é um dos que costumam protagonizar discussões inflamadas. No campo adversário, permanece a lacuna deixada por Sâmia Bomfim (PSOL), que renunciou para virar deputada federal em 2019.

Holiday hoje é crítico de Bolsonaro, mas polemiza na tribuna ao tratar de temas como cotas raciais e distribuir ataques à esquerda e a movimentos LGBT.

"Uma polarização maior será natural, porque a Câmara estava acomodada tanto quanto a Assembleia", diz o militante de direita Edson Salomão, que tenta virar vereador pelo PRTB, na esteira de sua atuação como presidente do Movimento Conservador.

"Quero ir para poder levantar o debate, que acaba sendo acalorado porque muitos não gostam de ser confrontados com a verdade", continua o bolsonarista. "O mínimo que pode se esperar de mim é o padrão do Douglas [Garcia] na Assembleia", afirma, citando o deputado eleito pelo PSL e hoje no PTB.

Fiel defensor de Bolsonaro, Douglas é alvo frequente de reclamações no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar. Em uma delas, recebeu como punição uma advertência por ter dito, em plenário, que tiraria "no tapa" uma mulher transexual que usasse o mesmo banheiro feminino que sua mãe ou sua irmã.

Na Câmara, os conservadores têm uma oportunidade inédita em anos, segundo Salomão, que foi chefe de gabinete de Douglas. A possibilidade de uma vitória notável também é aclamada pelo deputado estadual Gil Diniz (em fase de expulsão do PSL), outro bolsonarista de influência no estado.

"Nós começamos pela cereja do bolo, que é a Presidência da República, né? Mas é um trabalho que dá para ser fortalecido a partir da base. Vamos fincar uma bandeira na Câmara", diz o parlamentar e amigo do clã Bolsonaro.

Para Gil, uma das candidaturas de direita com boas chances é a de Sonaira Fernandes (Republicanos), que até o mês passado trabalhava no gabinete dele. Autodescrita como "mulher, negra, conservadora e cristã", ela é detratora da esquerda e milita contra o aborto e o feminismo.

Sonaira, que de 2015 a 2019 trabalhou nos gabinetes de Jair e de Eduardo na Câmara dos Deputados, tem se apresentado como "a pré-candidata a vereadora da família Bolsonaro". Procurada, não quis falar à Folha.

Outro que almeja uma posição no Legislativo, Major Costa e Silva (PTB) calcula que a "bancada bolsonarista" terá pelo menos sete cadeiras, em um universo de 55. "Isso já vai ser um impacto grande. Começa a incomodar e a ter um peso maior nas decisões que a prefeitura vai tomar", diz o militar.

Conhecido pela organização de manifestações pró-governo, Silva (que é tenente-coronel do Exército, embora seja conhecido como major) concorda que a Câmara deve ficar mais polarizada, mas procura desde já se descolar das confusões. "Sou combativo sempre, mas ignorante não."

Questões caras à guerra ideológica empreendida pela direita bolsonarista —como a defesa da desestatização de serviços públicos e a ojeriza a políticas de raça e gênero— aterrorizam Erika Hilton (PSOL), uma das aspirantes à Câmara no campo da esquerda.

Ela, que é negra e transexual, chega à disputa com a experiência de um ano e meio na Assembleia, onde compôs o mandato coletivo de Mônica Seixas (PSOL). Ao reiterar o prognóstico de uma legislatura agitada na Câmara, Erika prega esforços "para barrar o retrocesso" e se diz pronta para entrar no front.

"O ano de 2018 chamou para a realidade, acordou quem estava dormindo. O projeto político que entrou em curso no Brasil é um projeto de morte e só poderemos interrompê-lo elegendo cada vez mais pessoas do campo progressista, defensores dos direitos humanos e da vida", discursa.

"Isso [confronto] já está acontecendo. Já estamos fazendo embates nas redes sociais com Fernando Holiday, com Mamãe Falei [Artur do Val, candidato a prefeito pelo Patriota]. No ano que vem, teremos um plenário muito combativo, muito briguento", diz Erika.

Outra candidata de esquerda, Luna Brandão (PT) também acredita que o cenário que a espera, caso seja eleita, será de enfrentamento.

"A Assembleia é um exemplo do que a polarização causou. Virou um lugar carregado de discurso de ódio, de perseguição, de falas intimidatórias. Eu, como mulher e jovem, sei que estou ainda mais sujeita a isso, mas a gente não pode ter medo quando tem convicção", afirma.

Para ela, que foi dirigente na UNE (União Nacional dos Estudantes) e trata de educação na campanha, a sociedade deve repensar já durante o processo eleitoral se é esse o tipo de comportamento esperado de parlamentares. A petista diz, porém, que reagiria a ataques de colegas.

"Não vou aceitar nenhuma intimidação. É preciso ter postura firme, mostrar de que lado a gente está, e eu estou do lado dos mais pobres, das mulheres, dos negros, dos LGBTs. Não há problema em pensar diferente, o problema é não deixar o diferente existir", afirma Luna.

A defesa de entendimento e respeito aparece na fala de outros candidatos, à direita e à esquerda. Embora integre uma legenda que é da base de apoio a Bolsonaro no Congresso, Carlos Cavalcante (Republicanos) afirma preferir a conciliação ao radicalismo.

"Meu partido é de direita, mas eu sou uma pessoa liberal, no sentido de compor com os colegas, de trabalhar em equipe, de ouvir outros partidos", afirma o repórter com passagens por canais como Record e SBT. "O país precisa disso", completa o postulante, cuja campanha desperta otimismo em sua sigla.

"Não adianta você entrar com a ideia de que não vai dialogar com o PT ou com o PSOL ou com o PC do B."

Para Samuel Emilio (PSB), o cansaço de parte do eleitorado com as brigas políticas dos últimos anos deve servir de alerta para quem, como ele, tenta conquistar uma cadeira no Legislativo paulistano.

"Esse jogo da violência e da lacração pode ser bom para eleição, mas, para as coisas andarem, tem que dialogar e negociar. Minha postura é mais harmônica", diz ele, que coordenou o Acredito, movimento de renovação política que projetou deputados como Tabata Amaral (PDT-SP), apoiadora de Samuel.

"A direita estabeleceu pautas como a oposição ao aborto e à discussão de gênero, o que fez com que a esquerda ficasse muito reativa. A melhor forma de virarmos esse jogo é sermos propositivos", analisa o candidato. "E dá para ser radical nas ideias sem necessariamente ser radical na forma de atuar."

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