Descrição de chapéu Junho, 13-23

Felipe Neto, Zambelli e ativistas: o que diz quem foi às ruas em 2013

Relatos vão do arrependimento à exaltação, agora que se sabe o que aconteceu depois dos protestos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A presença nas manifestações de junho de 2013 deixou memórias variadas para pessoas que foram às ruas e trilharam caminho na militância política nos últimos dez anos.

O influenciador digital Felipe Neto revela, em depoimento à Folha, arrependimento com sua participação nos protestos. Ele compactua com a ideia de que ali foram semeadas as bases para a ascensão da direita radical com Jair Bolsonaro (PL), levando o país a um ciclo de atraso.

"Eu estava do lado errado da história", afirma o comunicador, com mais de 45 milhões de inscritos em seu canal no YouTube.

Manifestantes em frente a shopping em área nobre de São Paulo durante os protestos de junho de 2013 - Lalo de Almeida - 17.jun.13/Folhapress

A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), à época líder do movimento Nas Ruas, exalta as colaborações premiadas como um dos legados da rebelião popular. "Foram um grande instrumento para a Lava Jato", diz a bolsonarista, lembrando a medida aprovada no Congresso em resposta ao clamor das ruas.

Já a ativista Rosangela Lyra, que fundou o Instituto Política Viva e acumula em sua trajetória fases contraditórias como o apoio à Lava Jato e a defesa da eleição de Lula (PT) em 2022, diz que as Jornadas de Junho não podem levar sozinhas a culpa pelo destino do país.

Felipe Neto, 35, influenciador

O influenciador e comunicador digital diz ver as manifestações como "o reflexo de uma elite e uma classe média desinformadas e manipuladas por sensacionalismo e interesses escusos dos bilionários que mandam neste país".

"Ninguém sabia o que estava fazendo nas ruas. As pessoas apenas gritavam 'estamos insatisfeitos', mas não havia proposta nenhuma, liderança alguma, não havia nada", afirma ele, por email.

Neto relata ter ido a dois protestos na época, no Rio de Janeiro, "acreditando que estava lutando pelo Brasil".

"Eu era um antipetista convicto com muito ódio dentro de mim, mas não tinha realmente certeza de onde esse ódio vinha ou o que o motivava. As memórias que tenho são da completa desorganização, sem ninguém sabendo o que estava fazendo na rua."

O comunicador e influenciador digital Felipe Neto
O comunicador e influenciador digital Felipe Neto - Divulgação

O carioca, que era crítico de Dilma Rousseff (PT) —mas em 2022 apoiou a eleição de Lula—, diz que as manifestações "não representavam de fato a maioria do povo brasileiro" e "eram só barulho".

"Eu era ignorante e desinformado, o que cria uma pessoa ideal para manipulação, principalmente por parte da grande imprensa (sim, Folha incluída, e peço que aceitem esta crítica de coração aberto). Havia um plano em vigor para derrubar o PT. Esse plano não havia sido traçado pelo povo brasileiro, mas por quem controla o país, principalmente a comunicação."

Questionado se faz algum tipo de autocrítica sobre sua postura em 2013, Neto é objetivo: "Faço todas as autocríticas do mundo".

E emenda: "Eu era uma pessoa ignorante e desinformada que achava que tinha as respostas certas. Eu estava do lado errado da história".

O youtuber concorda com as correntes de pensamento que enxergam um fio condutor entre os principais fatos políticos pós-2013. Para ele, as manifestações foram parte de um plano para tirar o PT do poder.

"Esse plano incluiu inflamar a sociedade brasileira no ódio, estampando manchetes todos os dias para minar a credibilidade e confiança no partido e seus representantes. Esse ódio inflamado não é possível de ser direcionado. A coisa piorou muito quando Dilma venceu [em 2014]. A partir daí o plano para derrubar o PT virou algo muito mais violento e inescrupuloso, envolvendo vários segmentos do poder no Brasil."

Na avaliação dele, o impeachment da petista "foi o passo mais importante" desse roteiro. "O problema é que ninguém parou para pensar que inflamar a sociedade no mais puro ódio cria o cenário perfeito para o surgimento de um líder reacionário da extrema direita [Bolsonaro]. E foi o que aconteceu."

Carla Zambelli, 42, deputada federal pelo PL em São Paulo

Figura que ascendeu com o bolsonarismo em 2018, Carla Zambelli (PL-SP) era há dez anos uma militante da causa anticorrupção com o Nas Ruas, grupo que fundou em 2011. Ela diz que seu movimento contribuiu para ampliar o coro de queixas, indo além da crítica ao aumento das tarifas de transporte.

"Quem puxou a frase 'não é pelos 20 centavos' foi o Nas Ruas, o que foi muito importante para transformar os atos naquele movimento gigantesco contra a gastança de dinheiro na Copa das Confederações e na Copa do Mundo", afirma a deputada federal reeleita em 2022.

Zambelli se inclui no grupo dos que veem junho de 2013 como "um despertar" da população.

"O que foi bacana, e dez anos depois a gente consegue ver, é que as principais leis utilizadas na Lava Jato foram aprovadas em 2013, num pacote anticorrupção que passou pela Câmara", segue ela, destacando a instituição das delações premiadas, que "foram um grande instrumento" para a operação.

A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) - Gabriela Biló - 16.fev.2023/Folhapress

A parlamentar afirma que percebeu estar vivenciando um momento histórico quando o Jornal Nacional dedicou ao tema praticamente a íntegra de seu horário na TV Globo.

O momento era de virada, com a saída gradual da pauta do transporte e uma concentração maior de cartazes criticando a corrupção, segundo Zambelli.

"Aquele dia em que tomaram Brasília, subindo no Congresso Nacional, também foi histórico. Aliás, muito parecido com o que aconteceu no dia 8 de janeiro [deste ano], com a diferença de que, como naquela época era o PT no poder, eles não chamaram aquilo de uma manifestação antidemocrática ou que fosse contra a segurança nacional."

A deputada conta que quase foi indiciada pela polícia durante um ato em Salvador naquele período, mas escapou por ter demonstrado que liderava um protesto pacífico.

Ela se lembra da tensão na capital baiana: os agentes jogavam bombas de gás lacrimogêneo para tentar dispersar a manifestação no dia do jogo do Brasil contra a Itália na Copa das Confederações. Ela chegou a negociar a retirada de crianças e idosos, para poupá-los dos riscos.

"Quando os black blocs começaram a quebrar ponto de ônibus e incendiar veículos, eu usei meu megafone para pedir para as pessoas não fazerem isso, e o coronel que estava coordenando a ação viu a minha intervenção. A minha sorte foi ter feito isso."

Para ela, a repressão policial acabou por afastar parte dos manifestantes e arrefecer a revolta popular. "Como muita gente saiu machucada, as famílias foram ficando com medo de continuarem indo às ruas."

Rosangela Lyra, 58, líder do grupo Política Viva

Ex-CEO da grife Dior no Brasil, a paulistana teve uma trajetória tortuosa em sua militância política, com passagens que vão do apoio à Lava Jato e ao impeachment de Dilma até o rompimento com a operação e a decisão de fazer campanha por Lula.

"Quando 2013 estourou, pensei em ir lá dar força para os jovens. Eles me chamavam de tia", recorda ela, que ao se juntar às marchas reconheceu naquele movimento o grito de "uma juventude que queria um futuro melhor" e estava contra "o sistema vigente, não um partido ou governo".

"Não vejo 2013 como o começo, como algo que brotou e que levou à trágica eleição de Bolsonaro. Se alguém contasse àqueles jovens o que aconteceria dali a cinco anos, eles jamais iriam querer", diz Rosangela.

Para ela, que naquele mesmo ano criou o Política Viva e também esteve na formação inicial do Vem Pra Rua, a eleição de Bolsonaro está mais vinculada ao impeachment e ao posterior crescimento da direita.

Relacionar a vitória do presidente em 2018 às manifestações de cinco anos antes é algo "fora de propósito", já que o tom progressista era predominante entre os jovens que tinham se manifestado, sustenta Rosangela.

"Estava claro que não era pelos 20 centavos. Isso era uma simbologia da inquietude, da frustração, da falta de perspectivas. Era uma insatisfação com toda aquela engrenagem política e governamental."

A fundadora do Instituto Política Viva, Rosangela Lyra, ex-CEO da grife Dior no Brasil
A fundadora do Instituto Política Viva, Rosangela Lyra - Reprodução/YouTube

O aspecto mais marcante das manifestações, acrescenta, era ver os jovens, que "estavam adormecidos", finalmente participando da vida política. O engajamento, aliás, é um dos ganhos que ela aponta em 2013.

Envolvida com a pauta anticorrupção, Rosangela chegou a conduzir protestos com a hoje deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), à época líder do movimento Nas Ruas.

A ex-CEO atuou no campo antipetista até 2016, quando viu que "tinha alguma coisa estranha com a Lava Jato" e se afastou. "Eles estavam prendendo o Lula porque a opinião pública já o tinha condenado. E eles estavam cumprindo o desejo da opinião pública para manter o apoio à operação", afirma.

Rosangela hoje vê a deposição de Dilma como "uma puxada de tapete política" e integra o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável, o Conselhão.

"Não me arrependo de ter participado de 2013, vivendo o momento junto com aqueles meninos, nem de nada por que passei, porque hoje, quando estou no Conselhão e apoio o Lula, quero trabalhar para que o Brasil dê certo e provar que esse governo veio para fazer as coisas certas."

Luciana Alberto, 52, porta-voz do Vem Pra Rua

Hoje porta-voz do VPR (Vem Pra Rua), a advogada Luciana Alberto era em 2013 apenas "uma cidadã comum indo às ruas acompanhar uma mobilização que emergia na sociedade".

"Eu não sabia quem ia, mas falei: eu vou. E fui surpreendida com aquela massa de pessoas. Aquilo virou uma série de manifestações incríveis", diz ela, que nos anos seguintes ajudaria a convocar marchas pelo impeachment de Dilma, contra Lula e em apoio à Lava Jato e ao então juiz Sergio Moro.

Luciana, que em 2018 concorreu a deputada estadual em São Paulo pelo partido Novo, afirma que a criação do VPR, em 2014, foi uma resposta a apelos que emergiram um ano antes.

"A sociedade estava indignada. O sentimento era de corrupção desenfreada desde FHC e que com Lula e o PT se ampliou, com o mensalão. Eclodiu a insatisfação da população prejudicada por políticas públicas que não chegam ao cidadão comum, aumento da carga tributária e privilégios da classe política."

A advogada Luciana Alberto, porta-voz do movimento Vem Pra Rua
A advogada Luciana Alberto, porta-voz do movimento Vem Pra Rua - Reprodução/YouTube

Luciana compara o Brasil na última década a uma panela de pressão e não descarta uma nova explosão de indignação.

"Acho que estamos caminhando para ter outro marco histórico como foi 2013. O brasileiro, que antes era apático e pouco participativo, hoje está muito mais politizado. Agora, já conhece o caminho", diz ela, que faria tudo de novo.

Para a ativista, "tudo o que veio depois de 2013 está conectado", mas a eleição de Bolsonaro foi uma espécie de acidente de percurso. "A eleição de 2018 se tornou uma grande esperança para o brasileiro, com a expectativa que viria um discurso moderado e, na esteira da Lava Jato, com menos corrupção. E infelizmente o Jair Bolsonaro se elegeu. Foi uma tremenda decepção."

O governo do ex-presidente, "apesar de ter alguns avanços, acabou culminando em retrocessos principalmente no combate à corrupção". Pior ainda está o cenário atual, com Lula encarnando "uma esquerda retrógrada" e o que ela avalia como postura repressiva do Judiciário.

Apesar disso, Luciana contabiliza mais vantagens do que prejuízos decorrentes dos protestos de dez anos atrás. Diz que o país saiu do "estado de inércia", com mais consciência e participação política, e que "os políticos se tornaram mais sensíveis à opinião pública".

Lamenta, no entanto, que os cidadãos estejam tão "pouco preocupados com o combate à corrupção, o que é fundamental para que políticas públicas sejam eficientes". Fica triste também com a volta de Lula ao poder, o que indica que "o brasileiro ainda precisa amadurecer no seu voto".

Josué Rocha, 34, coordenador do MTST

Um jovem de 24 anos que se afastava de uma das primeiras manifestações de junho de 2013 na capital paulista disse à companheira: "Cara, eu acho que vai acontecer alguma coisa".

A cena é uma das que vêm à mente de Josué Amaral Rocha, membro da coordenação do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto), ao recordar sua participação nas jornadas. A organização que ele lidera contribuiu no início das convocações e também fez ações na periferia.

Em meio à agitação daqueles dias, ele começou a "perceber que já tinha uma disputa em torno de para onde os atos iam", com a inclusão de bandeiras como o discurso do combate à corrupção muito centrado no PT, além da pulverização de pautas.

O que aconteceu depois não foi nem uma revolução popular, como pensaram alguns de seus companheiros à esquerda, nem a derrubada imediata do governo por forças de direita, analisa Rocha. "Não foi nenhum desses extremos, mas ambos os elementos estavam presentes no calor dos fatos."

Segundo ele, houve "uma continuidade histórica" e "a direita conseguiu dominar o processo depois do estopim". Avançou até operar o impeachment de Dilma, colocar Michel Temer (MDB) na Presidência e eleger Bolsonaro, impondo a grupos como o MTST um ciclo adverso de perseguição e obstáculos.

O ativista Josué Rocha, da coordenação do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto)
O ativista Josué Rocha, da coordenação do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) - Reprodução/YouTube

Para Rocha, que também é formado em medicina e trabalha com o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL), a explosão de descontentamento partiu de queixas reais ligadas à vida nas cidades e abriu um novo capítulo para os movimentos sociais, que cresceram e se solidificaram.

"As pessoas entenderam que dava para se manifestar e aprenderam a fazer isso. Junho foi um processo de mobilização importante e um episódio histórico do país. Naquele momento, já com a minha atuação na militância, eu não me enxergava estando em outro lugar", diz.

A revolta de 2013 também está ligada ao descolamento entre os movimentos sociais e parte considerável da sociedade, na leitura do ativista. "A minha geração foi se reconhecer como sujeito político já com os governos do PT estabelecidos. Naquele momento, viu a oportunidade de buscar uma coisa nova."

Rocha afirma que, no fim das contas, a capacidade de reação do campo progressista sobressaiu, graças à persistência de movimentos e partidos enraizados.

"Acho que muita gente acreditava que, depois dessa ascensão da direita que levou ao golpe da Dilma e à prisão do Lula, o PT estaria enterrado. E hoje ninguém pode dizer que o PT está enterrado."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.