Home
 Tempo Real
 Coluna GD
 Só Nosso
 Asneiras e Equívocos 
 Imprescindível
 Urbanidade
 Palavr@ do Leitor
 Aprendiz
 
 Quem Somos
 Expediente
gdimen@uol.com.br

Esmeraldas escondidas de Marta e Maluf

Quando lhe perguntei pela primeira vez por que tinha sobrevivido, Esmeralda Ortiz, 21 anos, ex-menina de rua, ex-viciada, ex-traficante e ex-assaltante, respondeu: " Só pode ser Deus".

Desde menina, ela perambulou pelas ruas do centro de São Paulo, sofreu todos os tipos de violência, bateu e apanhou, apanhou muito mais do que bateu, mas sentia ter controle da própria vida. Até entregar-se ao crack.

Para manter o vício, assaltou e traficou. Na guerra das ruas, fazia-se passar por homem para tentar impor respeito. As forças iam desaparecendo, perdia peso, pouco se alimentava, não tomava mais banho. Testemunhou a morte dos amigos ou conhecidos. Não sobrou nenhum respeito.

Abatida e presa à droga, tida como irrecuperável pela Febem, onde entrou e saiu inúmeras vezes, Esmeralda imaginava-se sem perspectiva e apostava que a única saída seria morrer de overdose.

"Seria o descanso", resume.

Numa última chance à vida, Esmeralda se aproximou de educadores que a atraíam nas ruas e caiu numa malha de proteção que envolveu assistentes sociais, advogados e psiquiatras.

Foi, aos poucos, encontrando sinais de que, talvez, pudesse vencer, apesar das constantes recaídas. Voltou a estudar, descobriu o prazer da criatividade, começou a trabalhar e a ganhar dinheiro honestamente.

Não se sente curada, sabe que o vício é uma armadilha, pode pegá-la a qualquer momento. "Tenho de matar um leão por dia", conta.

***

No início do ano, Esmeralda voltou às ruas para tentar entender se havia algo mais do que Deus para explicar sua sobrevivência.

Queria escrever um livro para compartilhar sua experiência e fazer um acerto com o passado. Entrevistou os amigos na cadeia, as assistentes sociais, terapeutas, monitores da Febem que a maltrataram, vasculhou os documentos sobre sua vida, dispersos em várias instituições.

Tive o oportunidade de ouvir, nos últimos dez meses, sua história e acompanhar a investigação diária pelos elos e sentidos da existência. Na sexta-feira passada, ela colocou um ponto final em seu livro, previsto para sair no próximo mês.

Ajudou-me, de um lado, a acreditar ainda mais na capacidade de reciclagem nos seres humanos. Mas, de outro, a perceber mais profundamente como esse processo é demorado e custoso.

O relato de Esmeralda, intitulado "Por que não dancei", ajuda também a mostrar como é superficial e ilusório o plano contra a violência de Paulo Maluf e Marta Suplicy segurança virou um dos principais pontos, se não o principal, da agenda do paulistano.

***

Esmeralda não se sente curada. Luta todos os dias contra o vício; só não cai porque conseguiu montar sua auto-estima e desenhar uma perspectiva de futuro.

O que os dois candidatos não falam, e por motivos óbvios, é que, como prefeito, pouco podem fazer para melhorar a segurança da cidade.

Segurança de verdade é descobrir e polir as Esmeraldas escondidas. Esmeralda foi buscar forças dentro dela para sair da delinquência e entrou numa malha de proteção que a ajudou, dia a dia, a se encontrar, até voltar a estudar e ganhar dinheiro limpo.

Sem usar drogas há três anos, ela continua com apoio terapêutico na Universidade Federal de São Paulo para "matar o Leão todos os dias".

***

Não basta dizer que a segurança melhora com mais polícia. Se violência resolvesse, os meninos de rua jamais cometeriam delinquência. Nem imaginar a cura milagrosa no crescimento econômico e empregos.

Também não adianta, genericamente, falar em investimentos sociais. É mais complexo do que oferecer escola ou trabalho.

A recuperação de contaminados pela marginalidade, destruídos em seu auto-respeito, só funciona, de fato, quando se forma uma rede de parcerias e trabalha-se integralmente o indivíduo.

Significa a oferta de terapeutas, médicos, advogados, assistentes sociais e educadores, atuando coordenadamente. O adolescente deve ter a chance de construir perspectivas na escola e no trabalho.

O que se vê, no geral, é a dificuldade das entidades privadas trabalharem em parceria, muitas delas reféns da vaidade.

Para completar, a crônica ineficiência do setor público, sem o hábito de organizar suas várias secretarias para não desperdiçar energias.

Complica-se ainda mais quando as varias esferas de governo (municipal, estadual e federal) devem se articular entre si e, pior, articular-se com a comunidade.

***

O resultado é previsível: Esmeralda é o roteiro de uma sobrevivente solitária, sentindo-se obra divina, tamanha a sensação de impossibilidade que via de sair da rua e do vício.

O que o prefeito pode fazer seriamente é usar o peso de seu cargo e articular forças, firmar parcerias, criar redes de educação, saúde e geração de renda, que envolvam das universidades, passando pelas empresas, sindicatos e várias esferas do setor público. Dá trabalho e toma muito tempo.

O resto é palanque eleitoral.

***

PS: Clique aqui para ler um trecho do livro.

 

 

 
                                                Subir    


Biografia

 

 

 

   ANTERIORES
  A lição das urnas doeu
  Chega de burrice
  Por que a eleição de São Paulo é uma boa notícia
  É melhor vocês contarem a verdade
  Quem suja a cidade não merece o votoe
  São Paulo melhora até se eleger um poste
  É óbvio que Marta torce por Maluf
  Marta, Maluf, Alckmin, Erundina e Tuma são todos iguais?
  Devemos comemorar a Independência?
  Por que é uma idiotice discriminar quem tem mais de 40 anos
  Os alunos de administração estão despreparados
  O exemplo de Antônio Pimenta Neves
  O cotidiano das pequenas irritações e selvagerias
  Quem tem a cara de São Paulo?
  Ministério de Educação prepara anúncio de fechamento de faculdades
  Insegurança privada
  Ignorância tem sexo
  Paulo Renato anuncia amanhã faculdades que devem ser fechadas
  No limite
  Cada um por si e Deus por todos
  Se eu fosse prefeito de São Paulo
  Internet ganha confiança da "geração de desconfiados"
  A mentira do pessimismo
  O problema de São Paulo não é corrupção, mas ingratidão
  Biquíni pornográfico custa R$ 130 mil