Se
eu fosse prefeito de São Paulo
Pesquisa inédita mostra que paulistano defende ditadura
municipal, quer os pichadores na cadeia e multa para quem
suja a rua.
Uma quantidade
expressiva dos entrevistados (25%) quer fechar as portas da
cidade para os migrantes.
Essas
idéias são um perigo.
A pergunta
"O que você faria se fosse prefeito de São
Paulo?" foi feita, este mês, para 358 moradores
da cidade, das classes A/B, C e D, com idades entre 12 e 39
anos.
Das várias
respostas apresentadas pelo entrevistador, uma era propositadamente
absurda, destinada a medir a irritação dos paulistanos:
fechar a Câmara dos Vereadores.
O prefeito,
portanto, governaria sem qualquer obstáculo dos vereadores,
numa ditadura municipal.
Óbvio
que, numa democracia, é impensável alguém
querer governar sem o poder legislativo - e, mais ainda, impossível
um prefeito dispensar os vereadores, já que não
dispõe sequer de polícia armada.
Apesar
da obviedade, 77% dos entrevistados disseram que fechariam
a Câmara Municipal, por ser corrupta. É apenas
a média: na classe D, sobe para 82%, beirando a unanimidade.
A raiva
é sintetizada numa frase pichada num trecho do Minhocão,
apelido do elevado Costa e Silva, em São Paulo: "Político
morto não rouba".
O resultado
reflete a série de denúncias envolvendo vereadores,
a impunidade crônica, situação de abandono
da cidade e a visão geral de que político e
gatuno são quase sinônimo.
*
Preparada
pelo site Aprendiz, hospedado no UOL, em parceria com a CPM
Research, a pesquisa coloca em número a sensação
de orfandade do habitante de São Paulo, a raiva pela
confusão urbana em que está metido e o anseio,
mesmo que por vias equivocadas, de ordem.
Provavelmente
vence a eleição em São Paulo quem convencer
a opinião pública de que vai conseguir dar um
mínimo de ordem à cidade.
Se 88%
dos entrevistados fossem prefeitos, multariam quem joga lixo
na rua; 76% dos "eleitos" colocariam os pichadores
na cadeia e 72% armariam a polícia municipal, que deveria
andar a pé pela cidade.
Um dado
preocupante: 25% dos "prefeitos" fechariam as fronteiras
da cidade, impedindo a entrada de migrantes.
Se comparado
aos 77% dos que fechariam a Câmara do Municipal, até
parece pouco.
Mas significa
um em cada quatro paulistanos disposto a ver no migrante um
problema a ser enfrentado na marra, no estilo fascista.
É
muito para uma cidade que deve seu crescimento e exuberância
econômica ao trabalho dos migrantes.
*
Como bem
sabe o leitor desta coluna, considero essa visão de
que o Brasil degenera um sinal de desinformação
ou, para quem está bem informado, má fé.
Apesar
de todas as crises, o Brasil prospera; lentamente, mas prospera.
Estão aí para mostrar esse fato os dados do
levantamento recém-divulgado pelo IBGE, indicando que
há gente na escola e com mais saúde.
E, apesar
de todas as denúncias de corrupção, criam-se
mais mecanismos de controle dos gastos públicos.
Até
mesmo em São Paulo, terra quase de ninguém,
o cerco acuou a máfia. Longe de destruí-la,
mas acuou - e não vai parar de cercá-la, até
porque a imprensa despertou para a temática municipal.
O caso
Eduardo Jorge, lançando suspeitas sobre a omissão
ou até mesmo (o que não há, até
aqui, qualquer indício) participação
do presidente Fernando Henrique Cardoso em falcatruas, incendia
ainda mais o clima de descrédito.
*
Duas pragas
nacionais são o cinismo e o ceticismo crônico,
que, consequência natural, abalam o respeito às
instituições políticas, levando, na esteira,
a imagem da democracia.
Se político
"morto não rouba" e homem público
é sinônimo de ladrão, a democracia é
incubadora de mazelas.
Vemos,
assim, que o absurdo do fechamento hipotético da Câmara
Municipal, em São Paulo, tem raízes num sentimento
não absurdo: a sensação de orfandade.
*
A percepção
do salve-se quem puder foi detectada num levantamento em estudantes
de 27 faculdades paulistanas, patrocinada pela Bovespa e pelo
Fórum de Jovens Empresários da Associação
Comercial de São Paulo - a pesquisa, divulgada semana
passada, é quantitativa e qualitativa, aprofundando
em grupo as respostas.
Nota-se
a falta de crença em ações coletivas.
Prosperar na vida depende quase que exclusivamente da vontade
individual, apostando-se no trabalho e estudo.
Para 50%
dos entrevistados, não há partido que preste;
a Justiça não funciona e a imprensa é
manipulada, sensacionalista, entregue a grupos econômicos
e políticos.
Os meios
de comunicação, na opinião de 63% dos
universitários paulistas, não são confiáveis
ou independentes.
Como a
imprensa cobre, essencialmente, o que é público,
assume o desgaste apenas por estampar as notícias.
*
As pessoas
querem ver a prosperidade de suas comunidades e desejam participar.
Imaginam,
porém, que a saída não está nos
mecanismos tradicionais de poder: preferem entidades não-governamentais
ou ações individuais voluntárias.
Na pesquisa
Aprendiz/CPM, 80% defendem estágio obrigatório
para estudantes universitários, trabalhando nas comunidades
mais pobres.
Uma ótima
idéia para o estudante, especialmente de escola pública,
dar de volta o que recebe do contribuinte.
*
A propósito,
se eu fosse prefeito, determinava que, nos currículos
escolares, fosse prioridade o ensino de direitos e deveres
nas mais diferentes matérias.
Até
em matemática: poderíamos, por exemplo, ensinar
o que significam 77% de paulistanos descrentes do poder legislativo
para a construção de um país.
Leia
mais:
- Pesquisa
Aprendiz/CPM - "O que você faria se fosse prefeito
de São Paulo?"
- Pesquisa
Jovem Universitário Paulistano
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