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Governo Biden

Biden completa um ano de governo sem conquistar republicanos e perdendo democratas

Com 40% de aprovação, presidente só ganha em popularidade de Trump na mesma altura do mandato

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Nova York

O político moderado que assumiu a Presidência dos EUA com a promessa de unir um país polarizado termina o primeiro ano de mandato sem conquistar os republicanos e perdendo o apoio de democratas.

"Sem união não há paz, existe apenas amargura e fúria", afirmou Joe Biden no discurso de posse. "Este é o nosso momento histórico de crise e desafio, e a união é o caminho que devemos trilhar."

Doze meses depois, ficou claro que a era de cooperação bipartidária imaginada por ele, após um turbulento governo Trump, não saiu do papel. E a expectativa frustrada se reflete na baixa popularidade do democrata, de apenas 40% em janeiro —ele assumiu com 57%, segundo o Gallup. O único presidente americano com aprovação menor na mesma altura do mandato foi Donald Trump, com 36%.

O presidente dos EUA, Joe Biden, durante reunião virtual a partir da Casa Branca, em Washington
O presidente dos EUA, Joe Biden, durante reunião virtual a partir da Casa Branca, em Washington - Roberto Schmidt - 3.jan.22/AFP

Biden promoveu avanços. Conseguiu aprovar o pacote de estímulos de US$ 1,9 trilhão, conduziu uma campanha de vacinação contra a Covid que imunizou 63% da população —e só não foi melhor devido à desinformação propagada pela ultradireita— e reduziu para 3,9% um desemprego que herdou em 6,3%.

De todas as vitórias, entretanto, apenas uma foi costurada com apoio dos dois partidos —o pacote de infraestrutura, de US$ 1,2 trilhão, assinado em novembro. Já as derrotas se devem tanto à falta de vontade dos republicanos de cooperar quanto à incapacidade de Biden de persuadir os democratas de centro, a exemplo de Joe Manchin e Kyrsten Sinema, a acomodar as ambições da ala mais à esquerda do partido.

O Build Back Better, pacote de US$ 1,75 trilhão de gastos sociais e ambientais, foi enterrado após Manchin afirmar, em dezembro, que não poderia votar na legislação da forma que havia sido proposta.

Sinema, por sua vez, declarou que se oporia a mudanças nas regras de votação do Senado, essenciais para conseguir aprovar a legislação de direito ao voto com maioria simples. O setor mais progressista do partido também está decepcionado com Biden —líderes de direitos civis boicotaram o discurso do presidente em defesa da lei de direito ao voto, em Atlanta, na semana passada, argumentando que o democrata demorou muito para se dedicar de verdade à aprovação da legislação.

Para completar, dois fatores vêm azedando os eleitores. A Covid, que teima em não ir embora, voltou a lotar hospitais devido à ômicron. A falta de testes e os atropelos na comunicação do governo são alvos de crítica. Além disso, a perspectiva de novos confinamentos e aulas online desespera os americanos.

A inflação, que encerrou 2021 em 7%, maior índice em 40 anos, é outra causa do mau humor dos eleitores, que sentem a carestia toda vez que vão às compras. Os supermercados, aliás, continuam com as prateleiras vazias, reflexo dos problemas nas cadeias de abastecimento resultantes da pandemia.

Assim, os republicanos nadam de braçada. A pesquisa que mede a identidade partidária dos eleitores, realizada pelo Gallup, mostra que os democratas perderam 7 pontos percentuais no primeiro ano de governo Biden. Em janeiro de 2021, 49% se identificavam como democratas, e 40%, como republicanos. Em dezembro, eram 42% os que diziam apoiar democratas, e 47%, republicanos.

Grande parte dos percalços não é culpa de Biden. A matemática para aprovação de leis sempre foi difícil. Os democratas contam com uma maioria minúscula na Câmara e metade dos votos no Senado —além do poder de desempate da vice, Kamala Harris—, ou seja, não podem se dar ao luxo de ter deserções.

Biden assumiu com o apoio de apenas 11% dos eleitores republicanos, marca bem inferior, por exemplo, à de Obama (41%), em 2009. Ao índice somam-se as batalhas contra a exigência de máscaras e vacinas, além da guerra cultural insuflada por republicanos em torno do ensino sobre racismo estrutural nas escolas, o que só exacerba a polarização que Biden se propunha a combater.

Pouco mais de um ano após a invasão do Capitólio, apenas 21% dos republicanos afirmam acreditar que Biden ganhou a eleição de 2020, segundo pesquisa UMass-YouGov, apesar de mais de 50 decisões judiciais dizerem o contrário. E não é só: 48% dos eleitores dizem que Biden é "mentalmente incapaz" de ocupar o cargo, de acordo com levantamento do Politico em novembro. Tudo isso pressagia um ano difícil.

Seguidores e aliados de Trump estão concorrendo a vagas em governos estaduais, posições que dariam a eles poder para supervisionar as eleições e reverter resultados contrários às suas preferências. Leis aprovadas por legislativos estaduais controlados por republicanos já vão dificultar o acesso dos eleitores às urnas, aumentando o nível de exigências, fazendo com que eleitores de baixa renda e minorias, que têm maior dificuldade para votar e tradicionalmente tendem a votar em democratas, sejam os mais atingidos.

Com a baixa popularidade de Biden, aumentam as chances de os democratas tomarem uma surra nas eleições legislativas de novembro. Se com o controle da Câmara e do Senado já estava difícil aprovar projetos de interesse do governo, imagine se os republicanos passarem a dar as cartas nas duas Casas.

O front externo tampouco é auspicioso. A Rússia segue com tropas na fronteira da Ucrânia e sinalizando uma invasão, as negociações para o retorno do Irã ao acordo nuclear estão emperradas e a China continua a dar demonstrações de força em relação a Taiwan. A entrada maciça de imigrantes em situação irregular pelo México não dá sinais de que vai arrefecer. De outubro de 2020 a setembro de 2021, foram 1,73 milhão, quase quatro vezes a cifra de 458 mil no ano fiscal de 2020, sob Trump.

Por enquanto, a estratégia dos democratas tem sido o "wishful thinking". Eles mantêm as esperanças de que a ômicron e a inflação vão recuar e tentarão emplacar no Senado versões menos ambiciosas do BBB, com acesso universal à pré-escola e redução no preço dos remédios, iniciativas que poderiam ser um bônus eleitoral. Também devem reintroduzir a legislação de acesso ao voto.

Mas o tempo é curto para melhorar o humor do eleitorado, que vem piorando desde a catastrófica retirada das tropas americanas do Afeganistão, em agosto. Pesquisa CBS News divulgada na semana passada mostra que 75% dos eleitores dizem acreditar que o país está indo um pouco ou muito mal, e a maioria desaprova o desempenho de Biden na economia, na imigração, na segurança e nas relações raciais.

Até na resposta à pandemia, que era um dos pontos fortes do democrata, o humor mudou –51% afirmam que o governo está indo mal, e 49%, bem. Ainda segundo o levantamento, 50% dos eleitores se sentem frustrados com a gestão atual, e apenas 25%, satisfeitos.

Obama havia dito que, após anos de turbulências com Trump, os eleitores poderiam finalmente ignorar os dramas e os escândalos diários, porque Biden traria calma. "Não vai ser tão exaustivo. Vocês poderão cuidar da vida de vocês." Aparentemente, muitos eleitores não ansiavam tanto assim pela volta da normalidade após quatro anos da montanha-russa de Trump.

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