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Boulos deve ter adesão explícita da esquerda, já Covas, apoios envergonhados

Em São Paulo, candidatos procuram derrotados no primeiro turno em busca de adesão, mas cenário ainda é nebuloso

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São Paulo

A busca por apoio de derrotados para o segundo turno da eleição para a Prefeitura de São Paulo aponta para uma adesão explícita da esquerda à candidatura de Guilherme Boulos (PSOL), enquanto a de Bruno Covas (PSDB) pode ser a destinatária de endossos envergonhados ou pragmáticos da direita.

Conversas que começaram a se desenrolar na noite do primeiro turno, no domingo (15), mas só devem ter um desfecho ao longo da semana serão decisivas para as campanhas e envolvem também discussão sobre espaço no governo em caso de vitória.

Os candidatos a prefeito Bruno Covas (PSDB) e Guilherme Boulos (PSOL), ao votarem no domingo (15) - Fotos Marcelo Justo e Danilo Verpa/Folhapress

O que se desenha, por ora, é um cenário em que políticos de esquerda e centro-esquerda abracem Boulos por razões ideológicas e pelo enfrentamento ao governador João Doria (PSDB), aliado de Covas.

O PT já designou seu candidato derrotado, Jilmar Tatto (que teve 8,7%), como coordenador da participação petista na campanha de Boulos. Ainda na noite de domingo, Tatto e o ex-prefeito Fernando Haddad (PT) declararam apoio ao candidato do PSOL.

O ex-presidente Lula (PT) telefonou para o candidato no domingo e se colocou à disposição para ajudar na campanha como Boulos achar necessário. Como mostrou a Folha, a ligação entre Boulos e o PT já é explorada pelos tucanos como ponto negativo do adversário.

Lula confirmou seu apoio ao candidato do PSOL nesta terça-feira (17) e, em rede social, pediu que os eleitores do PT votem no líder de movimentos de moradia.

"Todos os eleitores e eleitoras que votam no PT, todos os eleitores que são de esquerda, todos os eleitores progressistas, todos que querem restabelecer a democracia no Brasil, têm agora o compromisso histórico de votar no companheiro Guilherme Boulos para prefeito de São Paulo", escreveu.

Tatto se reunirá nesta terça com a equipe do PSOL para acertar detalhes da estratégia no segundo turno, ancorada nos acenos à periferia. Tatto quer manter uma campanha intensa de rua nos bairros mais afastados, como vinha fazendo.

"Vamos entrar de cabeça na campanha para Boulos ganhar. Vamos juntar todos os setores democráticos e populares. ​Derrotamos Bolsonaro no primeiro e vamos derrotar Doria no segundo turno", disse Tatto à Folha.

Questionado a respeito de uma discussão sobre espaços do PT em um eventual governo Boulos, o petista afirmou que esse aspecto não está colocado. ​"Me recuso a falar sobre isso. O PT faz campanha para Boulos de modo incondicional."

A executiva municipal do PT confirmou nesta segunda apoio ao PSOL, para ajudar a "derrotar o projeto neoliberal representado por Bruno Covas, João Doria e Bolsonaro".

Além do PT, Boulos quer buscar o PSB de Márcio França e o PDT do vice de França, Antonio Neto. O PC do B de Orlando Silva já confirmou a adesão, em nome de "um projeto popular que priorize emprego e renda e faça de São Paulo uma cidade livre do racismo".

No caso do candidato à reeleição, ainda há dúvidas sobre a adesão de adversários que se contrapuseram a ele nos últimos meses, como Celso Russomanno (Republicanos, que terminou com 10,5%), Andrea Matarazzo (PSD, 1,6%) e Joice Hasselmann (PSL, com 1,8%).

Como os candidatos atuam no campo da direita, porém, os únicos caminhos possíveis são a neutralidade ou o apoio a Covas. Apesar dos ataques de Russomanno a "Bruno-Doria", a segunda opção é a tendência do Republicanos, que integra a base do governo Doria e fazia parte da gestão Covas até agosto.

Segundo tucanos, as conversas estão em andamento. Nesta segunda (16), o bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus, que é ligada ao partido, foi questionado por um seguidor em rede social sobre em quem votar e respondeu: "Jamais votarei na esquerda, portanto estamos com Covas".

Em entrevista ao UOL nesta segunda, Covas afirmou que dialoga com o Republicanos e que vai procurar o apoio de França.

Mesmo enfrentando um candidato de esquerda, o prefeito quer evitar uma virada à direita e uma associação com o bolsonarismo, até porque o presidente Jair Bolsonaro, por meio de seu candidato Russomanno, saiu derrotado. Mas os tucanos mantêm o discurso de que não recusarão voto algum.

A situação na direita, porém, ainda é nebulosa. Matarazzo e Joice não tomaram decisões.

"Estou amadurecendo a ideia. Fazendo a conta da tragédia. Por enquanto não [vou declarar apoio]", disse à Folha a candidata do PSL, que era próxima de Doria e dos tucanos, mas acabou minando pontes pelas críticas que dirigiu a eles na campanha.

Arthur do Val (Patriota), que teve 9,8% dos votos, não deve declarar apoio a nenhum dos dois. Seu partido, com três vagas na Câmara, fará oposição seja quem for o vencedor no dia 29.

O eventual apoio ao prefeito por candidatos de direita, no entanto, passa por uma mudança de discurso dos então adversários que o criticavam —um apoio "útil" para evitar o avanço da esquerda.

As conversas são guiadas ainda por interesses de ambos os lados, de fazer parte da composição do governo (da parte dos partidos) e de formação de base na Câmara Municipal (da parte de Covas).

Em relação a Boulos, o cenário é mais claro. Como PT e PSOL não estão em trincheiras diferentes e tampouco trocaram ataques na campanha, a adesão veio sem dificuldades.

No PT, a vitória de Boulos tem sido lida como uma vitória da esquerda. "É o que eu falo. Boulos é como um irmão mais novo, jamais eu o atacaria. Estamos no mesmo campo e no mesmo lado", disse Tatto.

A campanha do petista demonstrou irritação no domingo com a fala de Lula que responsabilizou Tatto pelo fato de o PT não desistir da candidatura para apoiar Boulos ainda no primeiro turno. A declaração foi vista como uma sinalização ao voto útil de esquerda e um abandono do candidato petista.

"​Lula é como pai pra mim, não tem discordância nenhuma. Lula estava preocupado que não fosse nenhum dos dois [Tatto ou Boulos] no segundo turno. Era uma preocupação de colocar a esquerda no segundo turno", disse Tatto, afirmando que não ficou chateado com o ex-presidente.

Por ora, não está claro se a participação de Lula na campanha de Boulos envolverá a aparição em propagandas e atos públicos ou se ficará restrita aos bastidores.

O assunto é tratado com cautela no PSOL porque pode tanto beneficiar o postulante quanto dar munição à campanha rival, que estabeleceu a estratégia de associar Boulos aos problemas do PT e pintá-lo como um radical que terceirizará a gestão para a legenda aliada caso se eleja.

A decisão sobre um apoio de França deve sair nesta terça-feira, depois de uma reunião com dirigentes dos partidos que compuseram sua coligação (PDT, Solidariedade, PMN e Avante).

Auxiliares do ex-governador dão como praticamente nula a chance de ele declarar apoio a Covas, depois de ter baseado sua campanha na marca anti-Doria e criticado a gestão do tucano.

As outras duas opções (apoio a Boulos ou neutralidade) são analisadas, mas França quer tentar obter no encontro desta terça uma decisão de consenso. Não está descartada uma solução de meio-termo, em que o ele orientaria seus apoiadores a dar um voto anti-PSDB, sem se associar claramente a Boulos.

Entre os representantes do PDT, a possibilidade que conta com mais apoio é a de adesão total ao projeto do PSOL. Candidatos a vereador da legenda derrotados no domingo já fazem campanha em prol do candidato nas redes sociais.

Boulos tem dito que buscará diálogo com todas as legendas do campo democrático e progressista que queiram se comprometer com uma agenda de justiça social, valorização da periferia e garantia de direitos para os mais pobres, três de suas bandeiras na disputa municipal.

Os candidatos do PSOL e do PSB tiveram rusgas ao longo da campanha, mas assessores dizem que os conflitos se deram no âmbito de falas acaloradas em debates e que eventuais mágoas são superáveis.

Para o segundo colocado, a migração de parte da base conquistada por França seria um empurrão de peso, porque poderia somar eleitores da periferia, mais velhos e com um pensamento mais ao centro.

Boulos recebeu, nesta segunda, até o que foi lido como sinalização da deputada estadual Janaina Paschoal (PSL), que apoiou Matarazzo no primeiro turno. A parlamentar de direita questionou Boulos, pelo Twitter, se ele se comprometia a governar os quatro anos de mandato.

"Sim, Janaina", ele respondeu. "Não sou da turma do PSDB, que usa São Paulo como trampolim para projetos pessoais. Governar a cidade em que eu nasci e vivo será a maior honra da minha vida. Sendo eleito, governarei os 4 anos."

A deputada, então, convidou o candidato para um diálogo ou até uma live para entender suas propostas. Questionada pela Folha, Janaina afirmou que "não descarta nada" em relação a apoiar algum postulante.

"Só quero mesmo detalhar as propostas. É preciso explicar como os projetos serão implementados. Não acho que o meu papel seja apoiar A ou B, mas ajudar a discutir propostas para a cidade", disse ela.

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