Líderes da esquerda vão de repúdio discreto a silêncio sobre agressão a tucanos em protesto na Paulista

Haddad, Boulos e Lula se calaram sobre episódio com PCO; campanha responsável pela convocação dos atos também não se pronunciou

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Líderes e porta-vozes de partidos de esquerda reagiram de maneira discreta ou silenciaram sobre a agressão de militantes do PCO a integrantes do PSDB que participaram da manifestação contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), no sábado (3), na avenida Paulista.

Quatro dias após o episódio, apenas alguns representantes de siglas ligadas à organização dos protestos haviam repudiado a ação até esta quarta-feira (7). A Campanha Nacional Fora Bolsonaro, que reúne os movimentos, legendas e centrais sindicais à frente dos atos, também não se posicionou.

Segundo os relatos, um grupo de tucanos foi atingido com empurrões, pauladas e xingamentos por pessoas ligadas ao PCO que queriam expulsá-lo da avenida. As agressões, de acordo com testemunhas, atingiram também ativistas de esquerda que tentaram conter a confusão.

Políticos que estiveram na Paulista, como o ex-prefeito Fernando Haddad (PT), o ex-presidenciável Guilherme Boulos (PSOL) e o presidente nacional do PSOL, Juliano Medeiros, não se pronunciaram sobre o fato publicamente. Procurados pela Folha, não responderam.

Grupo com camisetas e bandeiras do PSDB participa dos protestos contra Bolsonaro em São Paulo
Grupo com camisetas e bandeiras do PSDB participa dos protestos contra Bolsonaro em São Paulo no sábado (3) - Flávio Ferreira - 3.jul.2021/Folhapress

A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, que também compareceu ao ato na capital paulista, comentou o caso após ser provocada pela reportagem do jornal. "O PT repudia qualquer tipo de violência. Não achamos correto também impedir que pessoas se manifestem", declarou.

O ex-presidente Lula (PT), que ao longo da semana passada reforçou a convocação para as mobilizações pelo impeachment de Bolsonaro e é visto pelo Planalto como principal beneficiário dos atos da oposição no contexto das eleições de 2022, nada disse sobre as agressões.

O mesmo fez o também presidenciável Ciro Gomes (PDT), que mudou o tom sobre as manifestações e incentivou a ida de apoiadores no sábado, o terceiro em um intervalo de 35 dias. Ciro estimulou a participação após o aprofundamento do escândalo da compra de vacinas pelo governo federal.

O diretório municipal do PDT em São Paulo, no entanto, foi um dos órgãos que condenaram o ataque aos tucanos. Os pedetistas na capital entraram com mais força na mobilização a partir do segundo ato, em junho. Já o diretório nacional do partido não emitiu posicionamento a respeito do caso.

"É preciso garantir a segurança de todos e coibir as vergonhosas atitudes dos militantes do PCO (Partido da Causa Operária) que geraram violência e ódio no último ato", disse em nota Antonio Neto, que é presidente do PDT-SP e da CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros), também organizadora.

Neto cobrou que as entidades por trás da passeata "repudiem essa violência e afastem esse grupelho da organização". "Não podemos tolerar extremismos nem atitudes típicas daqueles que estamos na luta para derrotar", acrescentou.

Outra instância partidária que repudiou o conflito foi a comissão executiva estadual do PC do B em São Paulo. Sem mencionar o PCO, o órgão disse em nota que "as atitudes e agressões promovidas por um grupo minoritário e inexpressivo" são inadmissíveis e prejudicam "a ampliação do movimento".

"Prestam desserviço à luta do povo e devem ser condenadas e rechaçadas pela direção e pelo conjunto do movimento", afirmou o PC do B-SP.

A participação de um grupo de filiados do diretório paulistano do PSDB no sábado passado simbolizou uma entrada mais efetiva de forças à direita. Até então, a mobilização estava restrita à esquerda, com reforços de setores partidários e movimentos autodeclarados de centro.

Ativistas do PCO se revoltaram com a decisão anunciada pelo presidente municipal do PSDB, Fernando Alfredo, e passaram a criticar a adesão dos tucanos. Um deles chegou a ameaçar, antes do ato, "enfrentar pelos meios que fossem necessários" pessoas da direita que se juntassem às marchas.

A ala com posição mais radical vê na abertura ideológica um risco de enfraquecimento e afirma que o campo conservador usurpou as manifestações de 2013 e assumiu a pauta. Além disso, é lembrado o apoio ao impeachment de Dilma Rousseff (PT), à prisão de Lula e à eleição de Bolsonaro.

Antonio Carlos, dirigente nacional do PCO, reiterou em entrevista à Folha que o partido é contra a união da esquerda com o centro ou com a direita para pressionar pelo impeachment de Bolsonaro.

Segundo ele, "o partido não agrediu ninguém". E justificou: "O que houve foi um desentendimento, que a nosso ver é relativamente normal diante da revolta, não só de militantes do PCO, mas de companheiros do PT e outros, que estavam revoltados com a presença oportunista do PSDB".

O porta-voz também negou que ações de vandalismo na parte final da caminhada, quando um grupo isolado de manifestantes ateou fogo em sacos de lixo, destruiu agência bancária e ponto de ônibus e entrou em conflito com a Polícia Militar, tenham sido arquitetadas pelo PCO.

Os diretórios estadual e nacional do PSDB criticaram as condutas registradas em um protesto até então pacífico, assim como o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que afirmou repudiar "atos violentos de minorias que usam agressões para tentar impor suas ideias".

O presidente do PSDB paulistano, Fernando Alfredo, disse que ele e correligionários continuarão participando de atos da esquerda e também de eventuais passeatas chamadas pelo centro e pela direita antibolsonarista. Segundo ele, a preocupação maior é "tirar Bolsonaro".

O presidente, que desde maio se empenha na deslegitimação das manifestações, buscando vinculá-las a Lula, usou as cenas de vandalismo como pretexto para fustigar os detratores no sábado. Imagens de depredação viralizaram nas redes de apoio ao mandatário.

A posição majoritária na campanha Fora Bolsonaro é a de concordar com o ingresso de mais setores favoráveis ao impeachment, ainda que haja divergências em outras pautas, como a política econômica liberal do atual governo, com privatizações e contingenciamento de gastos públicos.

A campanha é composta por frentes como a Povo sem Medo, a Brasil Popular e a Coalizão Negra por Direitos, que reúnem centenas de entidades, entre elas MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), UNE (União Nacional dos Estudantes), CMP (Central de Movimentos Populares) e Uneafro Brasil.

O fórum central da organização também é integrado por partidos como PT, PSOL, PC do B, PCB, PSTU, UP e o próprio PCO. Uma nota formal sobre as agressões era esperada para esta semana, mas até esta quarta não havia sido confirmada uma reunião geral para uma decisão conjunta sobre o tema.

Na terça-feira (6), a Frente Brasil Popular debateu internamente um texto que condenaria sectarismo e atos de violência e expressaria a importância da unidade e da ampliação. O documento não foi levado a votação, sob a justificativa de que a campanha seria a instância adequada para a deliberação.

Centrais sindicais engajadas na mobilização divulgaram nesta quarta um comunicado em que criticam "casos de pura intolerância e autoritarismo por parte de militantes do Partido da Causa Operária (PCO)".

"Diversas organizações foram agredidas com palavras e até mesmo fisicamente em uma grotesca demonstração de selvageria por parte dos black blocs (que para nós são infiltrados) e de falta de discernimento sobre o que é a democracia. Repudiamos todo tipo de violência", afirmaram.

O texto, que exorta a oposição a se unir na luta e no diálogo, é subscrito por presidentes de centrais como Força Sindical, UGT (União Geral dos Trabalhadores), CSB e CTB (Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil). A CUT (Central Única dos Trabalhadores) não assinou.

Individualmente, outros políticos e líderes de esquerda desaprovaram a postura do PCO. Entre eles, o deputado federal Orlando Silva (PC do B-SP), o presidente nacional da UNE, Iago Montalvão, o coordenador da CMP, Raimundo Bonfim, e o porta-voz da Coalizão Negra por Direitos, Douglas Belchior.

Presidente da UP no estado de São Paulo e coordenadora da Povo na Rua (coalizão envolvida nas mobilizações), Vivian Mendes disse em entrevista à Folha na segunda-feira (5) que não defende o uso de violência, mas evitou comentar o episódio da Paulista por não ter presenciado o confronto.

"Essas ações feitas de forma isolada não são o elemento fundamental que a gente precisa para avançar em relação ao impeachment. Mas o que pode prejudicar o movimento não é isso, é só se as forças políticas deixarem de botar peso nas ruas", afirmou Vivian.

A próxima manifestação convocada pela campanha Fora Bolsonaro será no dia 24 de julho. A do dia 3 foi uma data extra no calendário de mobilizações, definida uma semana antes em uma reunião emergencial dos organizadores, que buscavam aproveitar o momento de crise acentuada no governo.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou na terça-feira (6) que não há, por ora, nenhum fato novo que tenha ligação direta com Bolsonaro e que justifique a abertura de um processo de impeachment. Cabe a Lira avaliar um dos mais de 120 pedidos de afastamento do presidente.

Nesta quinta-feira (8), em Brasília, o MBL (Movimento Brasil Livre) e o VPR (Vem Pra Rua) farão uma entrevista coletiva para anunciar a data de uma manifestação contra Bolsonaro puxada por grupos identificados com a direita. Filiados de partidos como PSL e Novo também estão na articulação.

"Será um ato político suprapartidário e que poderá agregar mais forças do amplo campo democrático, mas que rejeita seu uso como palanque para 2022", disseram em nota. Segundo os responsáveis, a data foi definida com base no avanço da vacinação contra a Covid.

Tanto MBL quanto VPR, que capitanearam manifestações contra governos do PT e agora pedem o impeachment de Bolsonaro, resistiam a voltar às ruas sob a justificativa oficial de que promover aglomerações em meio à pandemia contribuiria para a disseminação do vírus.

A mudança de entendimento, afirmam, "coincide com a percepção de um clima de insatisfação generalizada com o governo", já que "o impeachment nunca esteve em um momento tão forte", diante das suspeitas de negligência e corrupção exploradas pela CPI da Covid no Senado.

Colaborou Carolina Linhares

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.