Golpe
do Baú da Felicidade
O Sistema
Brasileiro de Televisão, do empresário Silvio
Santos, lançou uma operação de marketing
para faturar com o golpe do baú -- uma prática
que enquadraria homens e mulheres na categoria de pilantras.
Na guerra
da audiência, o "Domingo Legal", apresentado
por Gugu, lançou este mês o quadro "Milionário
Quer Casar". A produção promete descobrir
um ricaço, que vai escolher, ao vivo e em transmissão
nacional, a futura esposa.
Sucesso
imediato. Atulhada de currículos de donzelas casadouras,
a produção do programa vai ter de selecionar
12 espertalhonas, um pateta -- e, de quebra, um padre disposto
a transformar o altar da igreja em mais um cenário
de "Topa Tudo por Dinheiro".
Só
um pateta rastejando pela notoriedade aceitaria, sem constrangimento,
arquitetar, na frente das câmeras, um golpe do baú,
do qual é a vítima.
Difícil
saber quem é pior: quem promove a institucionalização
da pilantragem matrimonial ou quem se submete a tal vexame.
É
mais uma cena a justificar a sensação, disseminada
na sociedade, de que os meios de comunicação
sofrem de uma crise de valores -- e refletem a própria
crise de valores de uma nação moldada pelo cinismo,
prostituída por uma sequência interminável
de mazelas.
Será?
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Os últimos
dias acumularam fatos que nos revelam uma nação
que reage à descrença generalizada na ação
pública.
Incapaz
de se manter foragido, o juiz Nicolau dos Santos foi encontrado,
produziu a inusual cena de um magistrado na cadeia e sugeriu
que nem sempre o crime compensa.
Seja qual
for a decisão judicial, sua vida está moralmente
acabada. Ganhou uma das piores penas: carregar para sempre
um nome associado à delinquência.
Poucos
dias depois da prisão do juiz, o Congresso abriu caminho
para que se combatesse, com mais eficácia, a sonegação,
flexibilizando o sigilo bancário.
Uma boa parte da elite brasileira, acostumada à impunidade
fiscal, oscila entre a irritação e o pânico,
com a perspectiva de bisbilhotagem das contas bancárias.
Imposto
quem paga mesmo é o trabalhador, mordido no contracheque.
Empresário que cumpre rigorosamente a lei, pagando
todas as obrigações, é ridicularizado,
apontado como tonto nas conversas entre amigos e demais empresários.
Por uma
simples questão de justiça, a opinião
pública vai exigir cada vez mais rigor contra quem
burla os impostos.
***
Mais uma
vez curvando-se à articulação da sociedade,
o Congresso limitou, na semana passada, a propaganda de cigarro.
Acompanho
há anos os esforços de parlamentares e um punhado
de funcionários públicos contra o "lobby"
da indústria do fumo; um "lobby" nutrido
com polpudos financiamentos de campanhas eleitorais.
Até
chegar lá, muita gente teve de usar a força
dos argumentos, de olho na educação dos mais
jovens, alvos da indústria do fumo, com seus milhões
e mais milhões jogados em publicidade.
Não
foi fácil convencer os homens públicos a enquadrar
a propaganda de um produto que faz apodrecer precocemente
os corpos.
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Se existe
um fato relevante neste ano para o bolso do contribuinte é
a Lei de Responsabilidade Fiscal, um arsenal de medidas elaboradas
para dificultar as atitudes de descaso de quem administra
recursos públicos.
Dá
para perceber, neste final de ano, prefeitos esforçando-se
em não deixar rombos para os sucessores. Não
por causa da moralidade, claro, mas por causa do medo de processos.
O surgimento
da lei está arraigado na generalizada irritação
com a desfaçatez dos governantes, tão ciosos
de seu patrimônio e tão generosos no uso dos
recursos alheios; gente que faz dos cofres públicos
um baú da felicidade, principalmente em final de mandato
e em períodos eleitorais.
***
Esses
fatos ensinam o óbvio: é previsível que,
numa sociedade democrática, o fluxo de informações
gere cidadãos mais conscientes e indignados.
Nada mais
cretino do que imaginar que o brasileiro tenha uma alma corrupta.
Corrupção existe e sempre vai existir; o problema
é saber se vai ser norma ou exceção.
Empresários
capazes de desconsiderar a lei e fazer qualquer coisa para
ganhar dinheiro também sempre vão existir --
e, mais uma vez, o problema é saber se a impunidade
será norma ou exceção.
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O que
aconteceu nos últimos dias, da prisão de Lalau
até as descobertas da CPI do Futebol, é sinal
de que estamos longe do ideal e ainda muito vagarosos para
que os golpes de baú sejam anomalias excepcionais --
mas estamos no bom caminho.
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PS : Na
pedagogia da cidadania, duas CPIs são notáveis.
Poucos fatos têm tanto apelo como a CPI do Futebol,
por atrair a atenção das grandes massas despolitizadas,
acuando cartolas, técnicos e jogadores.
Sinto-me
obrigado a reconhecer que a CPI do Judiciário, lançada
por Antônio Carlos Magalhães, origem da desgraça
de Lalau, foi um dos exemplos históricos de que ninguém
está acima da lei.
Claro
que daí a considerar ACM um paladino da moralidade
seria algo semelhante a acreditar no sincero amor das candidatas
ao casamento milionário do Gugu.
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