Rússia é ameaça aguda para EUA, e China é desafio sistêmico, diz Pentágono

Plano estratégico do governo Biden classifica Moscou de desafio imediato, enquanto Pequim é preocupação de longo prazo

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Eric Schmitt David E. Sanger William J. Broad
Washington | The New York Times

Oito meses após a invasão da Ucrânia pela Rússia e enquanto a China se esforça para ampliar suas forças nucleares, espaciais e cibernéticas, o Pentágono delineou uma nova estratégia abrangente na quinta-feira (27) que pede uma dissuasão mais firme neste momento de tensão crescente na segurança internacional.

O documento, a Estratégia de Defesa Nacional, que inclui revisões do arsenal nuclear e das defesas antimísseis dos Estados Unidos, circula há meses de modo confidencial no Capitólio.

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Soldados americanos se preparam para desembarcar em países aliados da Otan, no Forte Bragg, Carolina do Norte - Kenny Holston - 3.fev.22/The New York Times

A última Estratégia de Defesa Nacional, publicada em 2018 pelo governo Trump, foi a primeira desde o fim da Guerra Fria a renovar o foco das defesas dos EUA no que chamou de potências gêmeas "revisionistas", China e Rússia. O documento do presidente Joe Biden se baseia nesse tema, mas distingue entre descrever a China como um desafiante tecnológico e militar "em ritmo lento", e a Rússia como uma ameaça "aguda", mas uma potência em declínio.

Ele prioriza as ameaças aos EUA, mapeia a resposta dos militares em termos amplos e orienta as decisões políticas e orçamentárias do Pentágono numa série de questões, como quais armas desenvolver e a forma das forças armadas.

Mas seu contraste com o último documento emitido por um presidente democrata, Barack Obama, é gritante. A estratégia de Obama –lançada pela primeira vez em 2010 com Biden, que era o vice-presidente na época– visava diminuir drasticamente o papel das armas nucleares nas defesas dos EUA e concentrava sua atenção em manter o material nuclear longe de grupos terroristas. Na época, a China e a Rússia eram consideradas parceiras plenas no esforço para conter o arsenal nuclear da Coreia do Norte e dissuadir o Irã de construir armas nucleares.

O novo documento não inclui muitas especificações sobre como o Pentágono modificará suas armas e seu pessoal para se adequarem a uma nova era de competição acirrada das superpotências.

Ele descreve uma Rússia dotada de 2.000 armas nucleares táticas e não vinculada a qualquer tratado que limite esse número, levantando "a possibilidade de usar essas forças para tentar vencer uma guerra em sua periferia ou evitar a derrota se estivesse em risco de perder uma guerra convencional".

Foi exatamente isso o que o presidente russo, Vladimir Putin, ameaçou.

O documento também descreve um esforço da China para expandir seu arsenal nuclear para cerca de 1.000 armas estratégicas nos próximos anos. "A atual e crescente importância das armas nucleares nas estratégias e forças de nossos concorrentes aumenta os riscos", diz.

Ameaças do Irã, Coreia do Norte e grupos terroristas como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico persistem –e novos desafios, como as mudanças climáticas globais, estão surgindo. Mas o documento sobre estratégia se concentra na China e na Rússia.

"A RPC e a Rússia representam hoje desafios mais perigosos para a segurança doméstica, mesmo que as ameaças terroristas persistam", diz o texto, referindo-se à República Popular da China. Ele observa que ambos os rivais implantaram armas espaciais que podem perturbar o GPS e outras "capacidades baseadas no espaço que apoiam o poder militar e a vida civil diária".

O Pentágono enviou uma versão confidencial da estratégia de defesa ao Congresso em março; na época, também divulgou um informativo de duas páginas que resumia o conteúdo do documento. O lançamento na quinta-feira da versão não confidencial, com quase 80 páginas, foi adiado até que a Casa Branca apresentasse sua estratégia de segurança nacional ampla, este mês.

Nesse documento, Biden deixou claro que, em longo prazo, estava mais preocupado com os movimentos da China para "revestir a governança autoritária com uma política externa revisionista" do que com uma Rússia em declínio e maltratada.

O documento do Pentágono citou vários novos desafios à estabilidade estratégica, incluindo armas hipersônicas, armas químicas e biológicas avançadas e ogivas emergentes, além de sistemas de entrega para armas convencionais e armas nucleares táticas.

Essa ameaça tornou-se mais evidente nas últimas semanas, em meio a sinais de que os comandantes de Putin podem estar preparando o terreno para uma forte escalada na guerra na Ucrânia. Putin ameaçou usar armas nucleares táticas.

Embora as autoridades americanas tenham dito que não houve mudança na postura nuclear da Rússia, e que acreditavam que não havia sido tomada a decisão de usar uma arma nuclear tática, deixaram claro que um movimento nessa direção é sua maior preocupação.

As preocupações refletem o que a estratégia de defesa chama de "ameaça aguda representada pela Rússia, demonstrada mais recentemente pela invasão não provocada da Ucrânia pela Rússia".

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Tropas no Forte Bragg, na Carolina do Norte, EUA, se preparam para desembarcar no leste da Europa - Kenny Holston - 14.fev.22/The New York Times

Em resposta, o documento diz: "O departamento se concentrará em dissuadir ataques russos aos Estados Unidos, membros da Otan e outros aliados, reforçando nossos firmes compromissos em tratados, para incluir a agressão convencional que tenha o potencial de escalar para o emprego nuclear de qualquer escala".

O Pentágono já tomou várias medidas para reforçar sua dissuasão na Europa. Os Estados Unidos agora têm mais de 100 mil soldados no continente, mais de 20 mil forças desde antes do início da guerra na Ucrânia, em fevereiro.

Se a Rússia era o desafio de segurança imediato do Pentágono, a China era sua preocupação em longo prazo, ou "desafio em ritmo lento", segundo o documento estratégico.

Para combater a influência da China, o documento dizia que o Pentágono continuaria reforçando suas bases e se coordenando com o Departamento de Estado para expandir o acesso dos EUA na região.

"A China é o único concorrente com a intenção de reformular a ordem internacional e, cada vez mais, o poder de fazê-lo", disse o secretário de Defesa, Lloyd Austin, a repórteres no Pentágono, repetindo uma frase que aparece na estratégia de segurança nacional.

Mas foi a Revisão da Postura Nuclear que irritou muitos defensores do controle de armas, que argumentam que Biden está recuando das sugestões feitas durante sua campanha presidencial de que apoiaria uma declaração de que os Estados Unidos nunca seriam os primeiros a usar armas nucleares num conflito.

Em um artigo na Foreign Affairs em 2020, intitulado "Por que a América deve liderar novamente", Biden disse acreditar que "o único objetivo" das armas nucleares do país deveria ser impedir –e, se necessário, retaliar– um ataque nuclear. "Como presidente", disse ele, "trabalharei para colocar essa tese em prática."

Depois que ele assumiu o governo, porém, aliados europeus e asiáticos reclamaram que a linguagem do "único objetivo" poderia colocá-los em perigo, porque a proteção do guarda-chuva nuclear dos EUA, na opinião deles, poderia dissuadir um adversário como a Coreia do Norte ou a China de montar uma invasão armada convencional. Biden cedeu.

A Revisão da Postura Nuclear divulgada na quinta manteve a linguagem habitual do Pentágono. Ela diz que dissuadir um ataque é "o papel fundamental", e não o único propósito, das armas.

Isso deixa em aberto a possibilidade de que, em certas circunstâncias, Washington ataque primeiro com armas nucleares.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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