História de êxito de Mauricio de Sousa começou como repórter policial na Folha
Quando entrou no jornal, em 1954, o artista teve seu trabalho rejeitado
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O cartunista Mauricio de Sousa veio de Mogi das Cruzes, onde morava, para tentar a sorte em São Paulo em 1954. Ainda amador, fez uma lista de lugares que deveria procurar para conseguir um trabalho.
Nessa ocasião, o Grupo Folha contava com três diários, Folha da Manhã, Folha da Tarde e Folha da Noite, que em 1960 se fundiram com a criação da Folha de S.Paulo.
Foi na Folha da Manhã, que o cartunista, então com 18 anos, foi mostrar seus desenhos no intuito de descolar um emprego.
Mauricio dirigiu-se ao prédio do jornal, na alameda Barão de Limeira, e pediu para falar no departamento de ilustrações. Subiu à Redação e foi até a sala dos ilustradores.
“Lá, encontrei o chefe, que não vou falar o nome”. Por quê? “Porque ele viu meus desenhos, de pé, deu uma folheada e falou: ‘Olha, faz outra coisa na vida, desenho não dá futuro, não dá dinheiro.’”
O mundo caiu para Mauricio. “Meus colegas, minha professora, meu pai, todos gostavam de meus desenhos, e ele me deu aquele baque.”
Por que não fala o nome dele? “Em respeito ao profissional. Ele era um grande ilustrador, peguei-o num mau dia. Acho que tinha alguma coisa a ver com a situação financeira dele naquele momento.”
Sentindo-se mal, Mauricio passou pela Redação e foi interpelado pelo jornalista Mario Cartaxo (1903-1983).
“Eu devia estar com uma cara de candidato a suicídio porque do nada ele falou: ‘O que é que houve?’. Balbuciei a história e ele disse: ‘Deixa eu ver seus desenhos.’”
Cartaxo viu e também não gostou, mas sugeriu a Mauricio que entrasse na Folha fazendo qualquer coisa, enquanto poderia aperfeiçoar seus desenhos. Ofereceu a ele uma vaga de copy-desk.
Mauricio topou, embora não pagasse bem. “O Cartaxo disse que compensaria porque eu faria amizades, construiria relações dentro do jornal.”
Após três semanas, ele concorreu a uma vaga de repórter policial e foi contratado. “Eram 200 candidatos para duas vagas. Foi um teste bem difícil, mas eu consegui porque lia muito, um livro por dia”, conta.
“O problema era que eu não podia ver sangue porque desmaiava. Além disso, por timidez, eu morria de vergonha de falar com estranhos, principalmente com pessoas importantes.”
Os problemas foram resolvidos de modo inusitado. Quando havia sangue na cena, o fotógrafo que o acompanhava ditava o que via.
E quanto à timidez? “Usava um disfarce. Comprei uma roupa de detetive norte-americano, uma capa, um chapéu e virava o personagem Dick Tracy.”
Durante cinco anos, Mauricio de Sousa foi Dick Tracy, ou melhor, repórter policial da Folha e alguns de seus desenhos serviam de ilustrações para matérias.
Entre os casos que cobriu, recorda-se de ter despertado de um plantão dentro de uma delegacia vazia.
“Subi até a sala do delegado e não tinha ninguém. Na mesa, tinha um bloco de anotações. Vi que ele havia anotado alguma coisa e arrancado a folha. Baseado no que eu tinha aprendido nos gibis, peguei outro papel, coloquei em cima do baixo-relevo e rabisquei com lápis. Li um endereço, perto do Brás.”
Ele foi o primeiro a chegar ao local. “O delegado me disse: ‘Quem está morto ali é o pai do governador. Ele veio brigar com um sujeito, que parece que teve um caso com a mulher dele, levou um tiro e está morto, mas não é para noticiar ainda.”
O homem morto era Gabriel Quadros (1890-1957), pai do então governador Jânio Quadros (1917-1992).
Mauricio escreveu o texto, colocando em prática a maior lição que recebeu da Folha, “escrever tudo em poucas linhas”.
Dois anos depois, em 1959, ele teve sua primeira história em quadrinhos, uma tira vertical do Bidu, publicada pela Folha da Tarde. Em seguida, deixou a função de repórter, dedicando-se apenas à publicação de suas tiras na Folha.
Em 1960, Mauricio criou o Cebolinha e, em 1961, o Cascão, quando foi despedido pelo chefe de Redação do jornal por ser considerado comunista, segundo o cartunista.
“Eu e outros desenhistas fazíamos uma campanha pela nacionalização das histórias em quadrinhos, exigindo cotas de artistas brasileiros nos jornais e editoras”, lembra.
“Esse chefe, de quem não vou falar o nome, me mandou parar. Eu disse que era um movimento de classe, pois queríamos defender nosso trabalho. E ele falou: ‘Não pode, isso é coisa de comunista. Você para já com isso ou está fora’. Fui despedido.”
Sem dinheiro, Mauricio retornou para Mogi das Cruzes e voltou a viver com a família. Nessa época, passou a enviar para jornais e editoras próximas da sua cidade um catálogo com suas tiras e a promoção. Quem comprasse duas ganhava uma de graça, recorda-se ele, que acabou sendo contratado pelo jornal Tribuna da Imprensa, no Rio de Janeiro.
Mauricio se lembra que o jornalista Alberto Dines (1932-2018) foi ajudar Carlos Lacerda (1914-1977) na Tribuna da Imprensa. “Eles resolveram lutar por coisas brasileiras, colocando uma linha nacionalista no jornal. Me chamaram para fazer uma história em quadrinhos brasileira. Fiz o Piteco, o homenzinho pré-histórico”, diz.
“O pessoal da Folha me viu no jornal do Lacerda e concluiu: ‘Então o Mauricio não é comunista! Vamos chamá-lo para nosso projeto de suplemento infantil?’”
Em 1963, ano em que criou a personagem Mônica, Mauricio foi convidado pela Folha para criar, junto com a jornalista Lenita Miranda de Figueiredo, 92, a Tia Lenita, o suplemento infantil Folhinha.
“Durante 30 anos, desenhei o Horácio semanalmente, além de lançar outras tiras na Folha.” Começou assim o processo pelo qual passou a distribuir para publicações de outras cidades o mesmo material publicado em São Paulo. “Depois de quatro anos, eu estava em 400 jornais de norte a sul do país.”
Em 1987, Mauricio passou a ilustrar o suplemento infantil de O Estado de S. Paulo, o Estadinho. O jornal publica tiras da Turma da Mônica até hoje.
Atualmente, o cartunista, que criou cerca de 500 personagens, é dono da Mauricio de Sousa Produções, empresa responsável pela criação, comercialização e distribuição de uma série de produtos, inclusive para o mercado internacional.
Os quadrinhos e seus personagens foram adaptados para TV, cinema, games e aplicativos, e tornaram-se conhecidos por milhões de crianças.
Todo esse movimento gerou números portentosos: mais de 1 bilhão de revistas publicadas, 3.000 produtos licenciados e mais de 2,2 bilhões de visualizações de seus desenhos no YouTube.
Um verdadeiro império que começou com uma história pouco auspiciosa na Folha, mas que carrega um final feliz, ainda longe de terminar.
Este texto faz parte do projeto Humanos da Folha, que apresenta perfis de profissionais que fizeram história no jornal.
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