A fotografia conquistou Renata Falzoni quando ela tinha por volta dos 8 anos. Inspirou-se no avô, um fotógrafo amador que ela não chegou a conhecer, e no pai, que tinha uma câmera Leica, um equipamento cobiçado até por profissionais.
Na adolescência, Falzoni entrou pela primeira vez em um laboratório fotográfico levada pelo tio, o almirante José Carlos Coelho de Souza, que também lhe apresentou outra paixão, a bicicleta. Foram duas descobertas e dois amores dos quais nunca se separou.
“Aos 17 anos, eu já vivia em laboratório fotográfico, fotografava e também filmava em 8 mm. Eram brinquedos que viraram coisa séria”, lembra. Cursou arquitetura na universidade Mackenzie, que tinha fotografia no currículo. “Trabalhei muito, fotografei muito, experimentei muito e coloquei na cabeça que queria ser fotógrafa profissional.”
No final da década de 1970, em meio aos primeiros sinais da abertura política, ressurgiram os jornais ligados à esquerda. “O Trabalho” era um deles. Foram nessas páginas que Falzoni publicou suas primeiras fotos, sem remuneração.
O ano de 1982 foi importante para a carreira dela. “Os fotógrafos deslocados para a cobertura da Guerra das Malvinas deixaram vagas nas Redações. Foi assim que consegui espaço na revista Isto É”, recorda-se.
Em 1984, José Trajano, editor de Esporte da Folha, convidou-a para cobrir os bastidores do basquete e do vôlei femininos. Para isso, ele precisava de uma fotógrafa, algo raro na época.
“No mesmo ano entramos na Folha eu, Avani Stein, Eliana Assumpção e Rosa Gauditano. Naquela época, havia a ideia de que mulher não poderia trabalhar na foto. Um editor fazia questão de mostrar a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), que dizia que mulher não poderia trabalhar depois das 19h”, lembra. “Assim, sempre ficávamos com as pautas de menor interesse”.
Falzoni terminou a cobertura na editoria de Esporte e foi incorporada à cobertura geral. A primeira pauta que recebeu era, na visão dela, uma tentativa do editor de provar que mulher não servia para ser fotógrafa: “Eu tinha que fotografar, na madrugada, um albergue de homens moradores de rua, onde mulher não entrava. Ele queria que eu fosse barrada e não fui. No dia seguinte, coloquei na mesa dele um monte de fotos de homens pelados, tomando banho. Entrei, fotografei e desafiei”.
Ela conquistou respeito no jornal graças à sua experiência com o trabalho no laboratório. Naquele mesmo ano, 1984, houve um enorme apagão em São Paulo que resultou em quebra-quebra e saques na região central da capital paulista, e muitos fotógrafos foram incumbidos de participar da cobertura. Havia necessidade de reforço no laboratório, e Falzoni foi ajudar.
“Não publiquei, mas ajudei. E o mesmo editor me elogiou dizendo que eu era bem legal e que fotografava igual a um homem. Esse foi o status que consegui”, lembra, rindo.
A cobertura do movimento das Diretas-Já foi uma das mais relevantes na carreira de Falzoni. O Rock in Rio, em 1985, foi outro momento marcante, que “revolucionou minha cabeça”, conta. “Era para dormirmos em um trailer em Jacarepaguá, mas o calor era tanto que resolvi ir para a sucursal da Folha. Dormia em cima da mesa do jornalista Janio de Freitas.”
Na bagagem, ela trouxe uma hepatite, que pegou na lama. Depois de se recuperar, a primeira pauta foi o anúncio da morte de Tancredo Neves (1910-1985).
Em busca de produzir pautas focadas em ciclismo urbano, mountain bike e outros esportes radicais, Falzoni deixou a Folha em 1985, mas continuou como colaboradora do Grupo Folha por anos. “Um dos primeiros jornais a dar atenção à mountain bike no Brasil foi a Folha da Tarde”, conta.
“Em 1986, carreguei um jipe com equipamentos de fotografia, de filmagem e de alpinismo, além da bicicleta. Parti, por um ano, em uma expedição pela América do Sul, explorando recursos de esportes de aventura. Publiquei no caderno de Turismo da Folha”, lembra.
A partir daí, seu objetivo passou a ser a TV, mas não encontrava espaço. “Estava pirada no TV Mix, da TV Gazeta, com Marcelo Tas e Fernando Meirelles, mas só entrei em 1995, na ESPN, com o mesmo José Trajano que tinha me levado para a Folha. Aí eu consegui fazer aquilo que mais queria, juntar fotografia, movimento, rádio e texto. Na ESPN eu pedalei por mais de 30 países fazendo documentários”.
Hoje, Falzoni é urbanista, jornalista e cicloativista —ela promove o ciclismo por meio do projeto Bike É Legal.
Aos 66 anos, ela se lembra bem do Réveillon de 1984 na praia de Camburi, em São Sebastião (litoral norte de São Paulo). Pulou sete ondas, jogou uma flor branca no mar e fez um pedido: trabalhar na Folha. “Foi um marco na minha vida. Entrei moleca e saí adulta”.
Este texto faz parte do projeto Humanos da Folha, que apresenta perfis de profissionais que fizeram história no jornal.
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