Descrição de chapéu Itamaraty

Antecipar eleição é única saída para a crise, e Peru precisa do Brasil, diz embaixador

Em meio a pressão por mortes em atos contra Dina Boluarte, Rómulo Acurio vê chance de pleito ainda em 2023

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

O embaixador do Peru no Brasil, Rómulo Acurio, vê como única saída "democrática e viável" para a crise política estrutural de seu país a realização de eleições antecipadas. Em entrevista à Folha, o diplomata pede que o Brasil e demais países da região apoiem a convocação de um pleito presidencial e atuem para impedir que floresçam o que ele chama de soluções autoritárias.

"O Peru precisa do apoio da comunidade internacional e dos países vizinhos para avançar em direção a essa única saída democrática e viável: eleições gerais o mais cedo possível", diz.

O embaixador do Peru no Brasil, Rómulo Acurio, em entrevista à Folha - Gabriela Biló/Folhapress

A crise no país ganhou o status de convulsão depois da destituição e prisão de Pedro Castillo, que tentou aplicar um golpe de Estado em 7 de dezembro. A nova presidente, Dina Boluarte, propôs antecipar o pleito geral de 2026 para abril de 2024, mas a medida ainda não foi confirmada pelo Parlamento —e não foi suficiente para conter a onda de violentos protestos que atingiu as ruas peruanas.

Até aqui, são mais de 50 mortos nas manifestações, que pedem a dissolução do Legislativo e a saída de Dina, chamada de traidora. Nesta semana, ela voltou a pedir uma trégua nos atos e exortou os congressistas a aprovar o adiantamento da eleição. De acordo com Acurio, isso é "materialmente possível", mas a decisão cabe ao Parlamento.

Há perspectiva de solução da crise? Nesse momento há duas possíveis saídas. A primeira é autoritária e inconstitucional, implicaria soluções que aumentariam a polarização e a violência. Por outro lado, há a saída democrática e pacífica: a organização de eleições o mais breve possível.

Parte dos manifestantes defende a renúncia de Dina. É possível distinguir três grupos de manifestantes. Um de peruanos que protestam contra a exclusão social, cultural e econômica e pelo fato de não terem sido beneficiados pelo crescimento econômico dos últimos anos.

Um segundo grupo tem propósitos políticos, como a renúncia da presidente, a dissolução do Congresso e a convocação de uma Constituinte. Essas três propostas não são viáveis politicamente, porque requerem processos complexos, que aumentariam a polarização. Há ainda um terceiro grupo, que está buscando uma saída autoritária. Nele estão também envolvidas organizações informais ou ilegais, que querem manter seus negócios fora do controle do Estado.

O governo já propôs antecipar as eleições para abril de 2024. Há possibilidade de novo adiantamento, ainda para 2023? Entendo que é materialmente possível, mas é uma decisão que só o Congresso pode tomar. A Casa se reunirá em 15 de fevereiro para avaliar.

O governo Dina recebeu muitas críticas pela repressão e violência de policiais. Houve abusos? As mortes de mais de 50 peruanos são uma tragédia. O Estado e o governo sabem que têm a obrigação de investigar e punir severamente todos os abusos e excessos que podem ter sido cometidos. É o compromisso que têm com os cidadãos e a comunidade internacional.

O governo demorou a admitir esses abusos. Foi um erro? Foi algo reconhecido desde o início, e hoje há plena consciência de que o Peru tem o dever de dar garantias aos peruanos e à comunidade internacional de que respeitará os direitos humanos nos atos e punirá severamente quem cometer abusos.

Uma pesquisa sinalizou que Dina tem 71% de reprovação. O governo tem um problema de legitimidade? É possível permanecer no poder com esse nível de rejeição? Pode haver um problema de popularidade, mas não de legitimidade. Dina assumiu porque foi obrigada, depois do golpe de Estado de Castillo. Ela já anunciou que vai deixar o poder em abril de 2024 ou antes, assim que o novo presidente for eleito. O término do seu mandato está claramente estabelecido, é um governo de transição.

Depois da destituição de Castillo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) declarou que o processo foi constitucional. Como avalia a posição do Brasil? Respeitamos a posição adotada pelo governo do Brasil e pelo presidente Lula. Apreciamos e agradecemos que ele tenha reconhecido a transição constitucional que ocorreu e sua vontade de apoiar a única saída viável e democrática, que são as eleições presidenciais o mais cedo possível. Essa é a posição que o Brasil respalda junto ao Peru e à comunidade internacional.

O que o Brasil e os demais países da região podem fazer, na visão do governo peruano? O Peru precisa do apoio da comunidade internacional e dos países vizinhos para avançar em direção a essa única saída democrática e viável. Os peruanos e o Peru precisam do apoio dos governos e movimentos da esquerda democrática da América Latina para avançar em direção a essa solução.

Precisamos também que denunciem e combatam as soluções autoritárias que estão sendo consideradas por diferentes atores. O Peru precisa que todos os governos da América Latina —qualquer que seja sua preferência política— respaldem a saída democrática das eleições e da alternância [de poder] no país.

Que fóruns internacionais poderiam tratar da crise? O Peru quer contribuir na reconstrução da integração sul-americana e quer fazer isso em bases pragmáticas e de respeito à diversidade política. Acredita que há prioridades em matéria de cooperação sanitária, energética, de segurança alimentar e certamente em matéria ambiental e de desenvolvimento sustentável da Amazônia, nos quais é indispensável trabalhar na Unasul [União de Nações Sul-Americanas] ou no que se constitua em nível sul-americano; e, claro, na OTCA [Organização do Tratado de Cooperação Amazônica]. Nesse sentido, o Peru espera muito da cooperação estreita com o Brasil para a reconstrução, na diversidade, da integração sul-americana.

Não existe o risco de a Unasul se converter numa espécia de clube de governos de esquerda? O Peru apoia plenamente a reconstrução da integração sul-americana e respalda a liderança do Brasil e do presidente Lula nesse sentido. O Peru foi um ator central na construção da Unasul há duas décadas e quer voltar a sê-lo. Nos parece, no entanto, que para isso é preciso aprender com as lições do passado.

Isso implica, por um lado, estabelecer uma agenda pragmática, que interesse a todos os governos, qualquer que seja sua tendência. Um esquema de integração que não seja burocrático e que pense a longo prazo, que contemple e respeite a inevitável alternância política que ocorrerá em diferentes países.

Em comunicado recente, Lula e o argentino Alberto Fernández se disseram preocupados com a prisão preventiva de Castillo por um longo período. O governo reconhece que isso é um problema? A prisão preventiva do ex-presidente é uma decisão autônoma, estabelecida pelo Ministério Público, diante das acusações de rebeldia e corrupção apresentadas contra ele. O Executivo não tem interferência na administração do Judiciário nem nos termos da prisão preventiva que Castillo cumpre. Ele está em instalações penitenciárias que garantem o pleno respeito de seus direitos de cidadão e de sua dignidade.

Parte da história de instabilidade política no Peru envolve o escândalo da Odebrecht e a Lava Jato. O Brasil tem alguma responsabilidade por esse processo de crise quase permanente? A instabilidade peruana é paradoxal, porque ocorre num período de democracia, crescimento e estabilidade macroeconômica. É evidente que o período da Lava Jato teve um impacto muito grande no Peru. Deixou muito visível o nível de corrupção empresarial e estatal a que se chegou no país. Por outro lado, fortaleceu as instituições de luta contra a corrupção, em particular o Ministério Público.

Isso explica porque no Peru, diferentemente de outros países, o Ministério Público tenha sido capaz de processar e em alguns casos prender vários ex-presidentes. Essa situação é paradoxal porque implica ao mesmo tempo alto nível de corrupção com alto nível de controle estatal.


Raio-x | Rómulo Acurio, 57

Formado em relações internacionais pela Escola Diplomática do Peru, possui mestrado em filosofia pela Universidade de Paris 1 - Sorbonne e em administração pública pela Escola Kennedy da Universidade Harvard. Diplomata de carreira, serviu em Paris, Roma, Viena, Dubai e Santiago e é embaixador no Brasil desde 2022.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.