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Editorialista de política internacional do New York Times desde 1995, foi ganhador do prêmio Pulitzer em três oportunidades

Putin parece guardar uma bomba mais poderosa para o Natal

Em vez de detonar explosivo nuclear, arma do russo para preço do petróleo separaria Ocidente da Ucrânia

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The New York Times

Enquanto o Exército russo continua vacilante na Ucrânia, o mundo se preocupa com a possibilidade de Vladimir Putin usar uma arma nuclear tática. Pode ser, mas, por enquanto, acho que o presidente russo está montando uma arma diferente. É uma bomba de petróleo e gás forjada diante de nossos olhos e com nossa ajuda inadvertida —e ele poderia facilmente detoná-la neste inverno do hemisfério Norte.

Se o fizer, poderá enviar os preços do óleo de aquecimento doméstico e da gasolina para a estratosfera. As consequências políticas (que Putin certamente espera) dividirão a aliança ocidental e levarão muitos países —incluindo os EUA, onde republicanos aliados a Trump e progressistas expressam preocupações sobre o custo crescente do conflito a buscar um acordo sujo com o homem do Kremlin, e rápido.

Resumindo: Putin está agora travando uma guerra terrestre para romper as linhas da Ucrânia e uma energética em duas frentes para quebrar a vontade da Ucrânia e de seus aliados. Está tentando destruir o sistema elétrico da Ucrânia para garantir um inverno longo e frio lá, enquanto se coloca em posição para aumentar os custos da energia para todos os aliados de Kiev. E como nós –os EUA e o Ocidente– não temos uma estratégia energética para amortecer o impacto da bomba, a perspectiva é assustadora.

O presidente russo, Vladimir Putin, em supervisão de exercícios militares do país, em Moscou - Alexei Babushkin - 26.out.22/Kremlin/Sputnik/Reuters

Quando se trata de energia, queremos cinco coisas ao mesmo tempo que são incompatíveis —e Putin está ligado nisso:

  1. Descarbonizar a economia o mais rápido possível para mitigar perigos reais da mudança climática.
  2. Preços mais baratos possíveis da gasolina e do óleo para aquecimento, para que possamos dirigir carros rápidos e nunca termos que vestir um suéter dentro de casa ou fazer qualquer coisa para economizar energia.
  3. Dizer a petroditadores do Irã, da Venezuela e da Arábia Saudita para irem passear.
  4. Ser capazes de tratar as empresas de petróleo e gás dos EUA como párias e dinossauros que deveriam nos tirar da atual crise e depois ir para a floresta e morrer, deixando que a energia solar e eólica domine.
  5. Ah, e que novos oleodutos e gasodutos ou linhas de transmissão eólica e solar não estraguem nossos quintais.

Eu entendo por que as pessoas querem todas as cinco –agora. Eu quero todas as cinco! Mas elas envolvem trocas que poucos de nós querem reconhecer ou debater. Em uma guerra de energia como a que estamos enfrentando, é preciso ter clareza sobre objetivos e prioridades. Como país e aliança ocidental, não temos uma escala de prioridades, apenas aspirações concorrentes e o pensamento mágico de que podemos ter tudo.

Se persistirmos nisso, teremos um mundo de sofrimento se Putin lançar a bomba de energia que acho que ele está montando para o Natal. Aqui está o que eu acho que é sua estratégia: ela começa fazendo os EUA reduzirem sua reserva estratégica de petróleo. É um enorme estoque armazenado em cavernas gigantes a que podemos recorrer em caso de emergência.

Na quarta passada (19), o presidente Joe Biden anunciou a liberação de mais 15 milhões de barris da reserva em dezembro, completando um plano que ele estabeleceu anteriormente para liberar 180 milhões de barris na tentativa de manter o preço da gasolina na bomba o mais baixo possível –antes das eleições legislativas. (Ele não disse a última parte. Não precisava.)

De acordo com uma reportagem do jornal The Washington Post, a reserva continha "405,1 milhões de barris em 14 de outubro [...], cerca de 57% de sua capacidade máxima autorizada de armazenamento, de 714 milhões de barris".

Eu simpatizo com o presidente. As pessoas estavam realmente sofrendo com a gasolina a US$ 5 e US$ 6 por galão (R$ 26 a R$ 32). Mas usar a reserva –projetada para nos proteger diante de um corte repentino na produção doméstica ou global– para cortar US$ 0,10 do galão antes das eleições é um negócio arriscado, mesmo que o presidente tenha um plano para reabastecê-la nos próximos meses.

Putin quer que os EUA usem o máximo de sua reserva estratégica agora –assim como os alemães desistiram da energia nuclear e ele os deixou viciados no gás natural barato da Rússia. Então, quando o gás russo foi cortado por causa da guerra, casas e fábricas alemãs tiveram que enxugar a operação freneticamente e lutar por alternativas mais caras.

Putin está observando a União Europeia se preparar para a proibição das importações marítimas de petróleo bruto da Rússia, a partir de 5 de dezembro. O embargo –juntamente com a medida da Alemanha e da Polônia de interromper importações por gasoduto– deverão cobrir cerca de 90% das atuais importações.

Como observou um relatório recente do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais em Washington: "Crucialmente, as sanções também proíbem as empresas da UE de fornecer seguro de transporte, serviços de corretagem ou financiamento de exportações de petróleo da Rússia para países terceiros".

O Tesouro dos EUA e a UE acreditam que sem esse seguro o número de clientes para o petróleo russo diminuirá drasticamente, então eles estão dizendo aos russos que poderão obter o seguro para seus petroleiros nas poucas companhias ocidentais que dominam o setor apenas se baixarem o preço de suas exportações de petróleo bruto a um nível estabelecido pelos europeus e pelos EUA.

Minhas fontes na indústria do petróleo dizem que duvidam seriamente que essa fixação de preços ocidental funcione. A Arábia Saudita, parceira da Rússia na Opep+, certamente não está interessada em ver tal precedente de fixação de preços. Além disso, o mercado internacional está cheio de personagens obscuros –Marc Rich soa um alarme?– que prosperam com as distorções do mercado.

Os petroleiros carregam transponders que rastreiam sua localização. Mas navios-tanques envolvidos em atividades obscuras desligarão o mecanismo e reaparecerão dias depois de terem feito uma transferência de navio para navio ou transferirão sua carga para tanques em algum lugar da Ásia para reexportação, na verdade lavando o petróleo russo. O produto em um grande navio-tanque pode valer cerca de US$ 250 milhões (R$ 1,34 bi), então os incentivos são enormes.

Agora adicione mais um jogador desonesto à mistura: a China. Ela tem todos os tipos de contratos de longo prazo e preço fixo para importar gás natural liquefeito do Oriente Médio a cerca de US$ 100 o barril de óleo equivalente. Mas com a abordagem maluca do líder Xi Jinping para conter a Covid, a economia desacelerou consideravelmente, assim como seu consumo de gás.

Como resultado, uma fonte da indústria de petróleo me disse que Pequim está pegando parte do GNL vendido nesses contratos de preço fixo para uso doméstico e revendendo para a Europa e outros países carentes do produto por US$ 300 o barril de petróleo equivalente.

Agora que Xi conseguiu seu terceiro mandato como secretário-geral do Partido Comunista, muitos esperam que ele afrouxe seus bloqueios. Se a China voltar a algo próximo ao seu consumo normal de gás e parar de reexportar o excedente, o mercado global ficará ainda mais assustadoramente apertado.

Por último, como observei, Putin está tentando destruir a capacidade da Ucrânia de gerar eletricidade. Hoje, mais de 1 milhão de ucranianos estão sem energia e, como um legislador ucraniano tuitou na semana passada, "escuridão total e frio estão chegando".

Então some tudo isso e suponha que, em dezembro, Putin anuncie que está suspendendo todas as exportações russas de petróleo e gás por 30 ou 60 dias para países que apoiam a Ucrânia, em vez de se submeter à fixação do preço do petróleo pela UE. Ele poderia pagar isso por um curto período de tempo.

Essa seria a bomba energética e presente de Natal de Putin para o Ocidente. Nesse mercado apertado, o petróleo poderia chegar a US$ 200 o barril, com um aumento proporcional no preço do gás natural. Estamos falando de US$ 10 a US$ 12 por galão (R$ 54 a R$ 65) na bomba nos EUA.

A beleza para Putin é que, ao contrário de detonar uma bomba nuclear –que uniria o mundo inteiro contra ele–, detonar uma bomba no preço do petróleo separaria o Ocidente da Ucrânia.

Obviamente, estou apenas supondo que é isso o que Putin está fazendo, e que se o mundo entrar em recessão pode levar os preços da energia para baixo. Mas seria sensato ter uma contra-estratégia real, especialmente porque, enquanto alguns na Europa conseguiram estocar gás natural para este inverno, repor os estoques para 2023 sem gás russo e com a China voltando ao normal pode ser muito caro.

Se Biden quer que os EUA sejam o arsenal da democracia para proteger a nós e nossos aliados democráticos –e não nos deixar implorando a Arábia Saudita, Rússia, Venezuela ou Irã para produzirem mais petróleo e gás—, precisamos de um arsenal robusto, tanto energético quanto militar.

Porque estamos em uma guerra de energia! Biden precisa fazer um grande discurso, deixando claro que, no futuro próximo, precisamos de todo tipo de energia que temos. Os investidores americanos em petróleo e gás precisam saber que, desde que produzam da maneira mais limpa possível, invistam na captura de carbono e garantam que os novos oleodutos que construírem sejam compatíveis com o transporte de hidrogênio –provavelmente o melhor combustível limpo que haverá na próxima década–, eles terão um lugar bem-vindo no futuro energético dos EUA, ao lado dos produtores de energia solar, eólica, hidrelétrica e outras fontes limpas que Biden promoveu heroicamente por meio de sua legislação climática.

Eu sei. Não é o ideal. Não é onde eu esperava que estivéssemos em 2022. Mas é aqui que estamos, e qualquer outra coisa realmente é um pensamento mágico —e uma pessoa que não será enganada por ele é Vladimir Putin.

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