Descrição de chapéu Eleições 2020

Na pandemia, eleição para prefeito de SP tem briga sobre Doria, incertezas e velho normal

TV ajuda Covas, e disputa pelo segundo lugar se acirra com Boulos, França e Russomanno

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São Paulo

Eleição? Que eleição?

Até 1º de julho, quando o Congresso aprovou a mudança das eleições municipais de 2020 de outubro para novembro por causa do novo coronavírus, essa dúvida atormentava pretensos candidatos na principal cidade do país.

A mudança, é verdade, atingiria também todas as outras cidades brasileiras, mas mexia com os planos de três dos quatro postulantes que chegam agora à frente na batalha pela Prefeitura de São Paulo.

Bruno Covas (PSDB), Guilherme Boulos (PSOL) e Márcio França (PSB) estavam com suas candidaturas engatilhadas quando souberam que embarcariam em algo inédito: uma campanha eleitoral no meio de uma pandemia.

Celso Russomanno (Republicanos) estava em outro estágio: ainda cotado para vice de Covas, criava suspense sobre a chance de se lançar à terceira tentativa consecutiva de virar prefeito. Ao se anunciar como cabeça de chapa, no limite do prazo, em 16 de setembro, a máscara já era item mais do que incorporado à rotina de todos.

E o que se prenunciava como uma campanha inteiramente atípica, na forma e no conteúdo, virou aos poucos adaptação às novas regras sanitárias e desembocou em práticas nem tão novas assim.

A previsão inicial de ausência total de atos de rua deu espaço à flexibilização, com a manutenção de caminhadas e carreatas, só que agora com algum esforço para limitar o número de participantes e obrigar o uso de máscara.

Ficou só na intenção, em muitos casos, a tentativa de impor distância mínima entre as pessoas. E com isso veio o repeteco das clássicas cenas de campanha: abraço, selfie, aperto de mão, criança no colo.

Com variações, foi o que se viu no dia a dia dos 13 candidatos que poderão ser escolhidos pelos moradores de São Paulo neste domingo (15). A lista tinha, até 29 de outubro, um 14º nome, o de Filipe Sabará (então no Novo), que desistiu do pleito após uma série de conflitos com o partido.

A pulverização de candidaturas têm como explicação uma nova regra da legislação eleitoral, a proibição de coligações nas chapas de vereadores —o estimula os partidos a lançarem candidatos majoritários.

A percepção de políticos experientes, no entanto, é de uma eleição sui generis, em que a pandemia dominou a atenção da população. O eleitor, preocupado com sua saúde e com seu emprego, mal percebeu o pleito chegar.

Na eleição da pandemia, foi a Covid-19 também o pretexto oficial para as principais emissoras de TV cancelarem os debates, usados pelas campanhas para criar fatos novos na corrida, escolher oponentes e, afinal, aparecer.

Foram só dois confrontos televisivos no primeiro turno, um na Band, no início da campanha, e outro na TV Cultura, na última quinta-feira (12). Outros canais alegaram impossibilidade de reunir tantos postulantes, aglomeração que, segundo eles, atravancaria os embates e aumentaria o risco de contágio.

Entre peculiaridades e mesmices, o candidato à reeleição, Covas —37% dos votos válidos na pesquisa Datafolha divulgada no sábado (14)— e os que estão embolados na segunda colocação —Boulos (17%), França (14%) e Russomanno (13%) —chegam à data do primeiro turno com algo bem habitual: a indefinição.

Enquanto o primeiro tem uma chance de já liquidar a eleição neste domingo, os outros três enfrentam a incerteza de saberem se terão votos suficientes para levar a luta para um segundo round —e estar nele.

A partir daí cada um traçou sua estratégia, focando mais ou menos a periferia, as igrejas, as entidades de classe ou as boas e velhas carreatas pela cidade.

A Folha analisou os 465 compromissos divulgados à imprensa pelas campanhas dos quatro candidatos mais bem posicionados desde 27 de setembro, dia que começou oficialmente a campanha, até a noite de sábado (14).

Na média, um terço das agendas anunciadas por eles aconteceu nas periferias da cidade, e 7% tiveram conotações religiosas, seja participação em missas e cultos ou encontro com sacerdotes.

O candidato com maior presença na periferia foi Boulos, que marcou 38% de seus compromissos longe das regiões centrais da cidade.

Ele tem tido dificuldade em conquistar a preferência dos eleitores mais pobres, segundo o Datafolha. A pesquisa mostra que ele, favorito entre mais jovens e mais escolarizados, tem apenas 9% entre quem ganha até dois salários mínimos e 4% entre quem tem apenas o ensino fundamental.

Essas parcelas da população escolhem Covas e Russomanno entre seus favoritos, segundo a aferição. Os dois candidatos foram os que menos foram à periferia, local de 28% das agendas de Covas e 27% das de Russomanno.

Dos 31 compromissos religiosos feitos pelos candidatos neste ano, 19 foram do atual prefeito, cujo vice faz parte da bancada católica da Câmara. A maior parte se deu na reta final, quando o candidato intensificou e participou de 11 missas e cultos nos primeiros 9 dias deste mês de novembro.

Nenhum dos eventos religiosos de que os quatro favoritos participaram fugiram das religiões cristãs: todos os compromissos se deram em igrejas evangélicas ou católicas.

Bruno Covas não começou na frente nas pesquisas, mas sempre foi visto como favorito. Afinal, ele tinha a máquina da prefeitura, a maior coligação, 40% de todo o tempo de TV e foi o que mais gastou em fundo eleitoral (R$ 12 milhões).

Sem grandes marcas como prefeito, ele fez uma campanha focada em superação e na própria história, que inclui a ligação com o avô, o ex-governador Mario Covas, e a batalha que enfrenta contra um câncer no trato digestivo.

Baseada no slogan “força, foco e fé”, repetido exaustivamente com um jingle grudento, a campanha do tucano escondeu seu padrinho, o governador João Doria (PSDB), e até a própria sigla, alvejada na Lava Jato.

A estratégia, até aqui, se mostrou bem sucedida, com o aumento nas intenções de voto e a queda expressiva na rejeição, mesmo em meio à artilharia pesada dos adversários contra Doria e a tentativa de desgastar o prefeito com a associação ao governador, de quem herdou o cargo.

Mesmo com a tranquilidade do controle da máquina, Covas foi, de longe, o candidato com mais compromissos na campanha, entre entrevistas, carreatas, eventos online, entre outros. Segundo levantamento feito pela reportagem, foram 158 eventos até o dia 14.

Como de praxe, o prefeito foi o principal alvo nos debates, acusado de ter deixado a cidade abandonada. Seus prontos fracos mais explorados foram as ligações de seu vice, Ricardo Nunes (MDB), com entidades gestoras de creches e as viagens que fez durante seu primeiro ano de mandato, entre as quais uma marcada por graves enchentes na cidade.

Apesar dos ataques, o tucano procurou manter-se longe das polêmicas e da nacionalização da campanha —em geral, apenas respondendo aos adversários quando provocado.

O sucesso de Covas sugere que a onda que ajudou a eleger Jair Bolsonaro (sem partido) em 2018 perdeu força na capital, deixando candidatos extremistas para trás. Covas conseguiu chegar em situação de vantagem sendo um personagem do establishment político, com um discurso centrista e moderado.

Pesquisas mostram que prefeitos que lidaram com o coronavírus com base na ciência e não no negacionismo se beneficiaram eleitoralmente. Mesmo adversários de Covas veem acerto na aposta tucana na racionalidade, despertada pela pandemia, e não na emoção que marcou 2018.

A eventual vitória de Covas, prevista hoje pelo Datafolha em qualquer cenário de segundo turno, pavimenta o caminho que Doria enxerga para si rumo à Presidência da República. A coligação tucana, com MDB e DEM, teve a mão do governador e seu olho em 2022.

O ganho político de um governador fustigado pelos adversários e escondido pelos aliados, no entanto, ainda está para ser calculado.

Por outro lado, o outsider Guilherme Boulos pode ir para o segundo turno, contrariando as expectativas quanto ao líder do maior movimento sem-teto do país, com fama de radical e que responde a processo por vandalismo.

Com um candidato eleitoralmente fraco como Jilmar Tatto (PT), Boulos virou o grande nome da esquerda nesta eleição, angariando inclusive o apoio de petistas históricos, como Chico Buarque.

Com apenas 17 segundos na TV, mirou nos jovens e encontrou um nicho receptivo, sendo ativo na rede social TikTok e apostando à exaustão nos memes. Lançou jingle ao ritmo da pisadinha, variante da moda do forró, transformou o único bem declarado, um carro Celta, em piada.

Lançou mão de uma política de não-agressão aos adversários de esquerda, como Tatto, de quem espera receber votos, e chegou até a acenar ao PDT e ao PSB de França, dizendo ter respeito pelos partidos, na expectativa de um apoio no segundo turno contra Covas.

Forasteiro, Márcio França testará nas urnas a força da retórica anti-Doria, sua âncora de campanha. O ex-governador, que ocupou a cadeira em 2018 por nove meses após a renúncia de Geraldo Alckmin (PSDB) para concorrer à Presidência, deve a Doria, indiretamente, sua presença neste pleito.

O político da Baixada Santista, que virou morador de São Paulo há cerca de um ano, decidiu tentar a prefeitura após ter derrotado na cidade o atual governador, na eleição de 2018. França, que obteve quase 1 milhão de votos a mais na capital do que o concorrente, fez da marca um mantra.

Em sua tática de associar Covas a Doria, bate de frente com políticos dos quais até outro dia era aliado. Conhecido por transitar da esquerda à direita, ele rompeu com o PSDB após ter trabalhado na articulação da candidatura do partido em 2016, personificada no empresário então neófito na política.

Agora, usa a versatilidade como um ativo, explorando a característica de negociador para se vender como um moderado, que dialoga com todos os espectros e tem experiência de gestão.

Sua campanha teve um início errático, a partir do já célebre encontro com Bolsonaro, que ele depois negou ter sido um aceno político. Ao longo da disputa, no entanto, deixou claro não ver problema em receber votos de bolsonaristas, fermentando críticas na esquerda.

Com a postura híbrida, conseguiu passar ao largo de maiores polêmicas, adotou um tom conciliador e lançou mão da ironia em vários momentos de ataque aos rivai s —além de Covas, antagonizou Boulos, com quem passou boa parte do tempo em empate técnico nas pesquisas.​

Num arranjo de última hora, Celso Russomanno passou a representar o teste do bolsonarismo nas urnas, depois da avalanche vitoriosa em 2018 —seguida de perda expressiva de apoio e popularidade do presidente em dois anos.

O único vídeo gravado com Bolsonaro, de improviso no aeroporto de Congonhas, deixa transparecer que, apesar da alegada amizade de longa data entre eles, falta entrosamento.

“Nossas bandeiras são as mesmas, né? A liberdade econômica, defesa da família, não é presidente?”, pergunta Russomanno e, sem script, aguarda o que vem pela frente.

Conservadorismo e combate à doutrinação em sala de aula, responde Bolsonaro. Foi assim que Russomanno, que tinha o bordão “vamos falar de São Paulo?”, trocou propostas por bandeiras ideológicas.

Bolsonaro havia dito que ficaria de fora das eleições municipais, mas viu em Russomanno uma chance de frear a vitória de Covas e, com isso, as pretensões de Doria para 2022. Já o candidato do Republicanos enxergou a oportunidade de ancorar promessas em recursos federais (incertos, mas que vendeu como realidade).

Depois de frustrada uma união à coligação tucana e de resistir à terceira candidatura, Russomanno teve que pôr de pé sua campanha às pressas, e a falta de planejamento e coordenação ficaram evidentes. O Republicanos foi ausente, faltou verba do fundo eleitoral e toda a estratégia coube ao marqueteiro Elsinho Mouco.

Russomanno, governista de ocasião que já apoiou Dilma Rousseff (PT) e Doria, foi obrigado a novamente fazer um giro ideológico. Adotou a cartilha do bolsonarismo, apelando a fake news e atacando Bruno-Doria e a esquerda, enquanto deixava em segundo plano o perfil conciliador do jornalista focado em direitos do consumidor.

O resultado não foi o esperado, e Russomanno derreteu nas pesquisas como em 2012 e 2016. Segundo o Datafolha, metade dos moradores de São Paulo rejeita Bolsonaro. A dúvida é se a parte que é fiel ao presidente —e abraçou Russomanno na falta de representante melhor— é suficiente para levá-lo ao segundo turno.

A campanha marcou ainda a derrocada de Joice Hasselmann (PSL), a segunda deputada federal com mais votos em 2018 que, rompida com Bolsonaro, marca 3% dos votos válidos no último Datafolha.

Já o PT, que depois da Lava Jato e do impeachment de Dilma vive um momento de resgate histórico, com Lula solto e incentivando candidaturas de defesa do legado em todo o país, não conseguiu mobilizar sua base tradicional em São Paulo ao redor de Jilmar Tatto, que têm 6%.

O deputado estadual Arthur do Val (Patriota) chega a 6%. Membro do MBL (Movimento Brasil Livre) e youtuber no canal Mamãe Falei, ele tem o desafio de transformar seguidores em eleitores. Com uma agenda de liberalismo econômico, o candidato com alta popularidade digital faz sucesso entre os jovens.

Na última pesquisa Datafolha, Andrea Matarazzo (PSD) obteve 2%, seguido de Marina Helou (Rede), Orlando Silva (PC do B) e Vera Lúcia (PSTU) com 1% cada. Levy Fidelix (PRTB) e Antônio Carlos (PCO) não pontuaram.

A campanha de Russomanno tentou suspender a divulgação da pesquisa deste sábado, mas teve seu pedido negado na sexta (13) pelo juiz Marco Antonio Martin Vargas, que autorizou a publicação e determinou a inclusão de informações relacionadas à amostragem.

Os entrevistados pelo Datafolha foram estratificados conforme variáveis de gênero e faixa etária do eleitorado, em tamanho proporcional a esses segmentos e às regiões da cidade. O nível econômico reflete o que os pesquisadores encontraram na amostra. Em relação ao grau de instrução, a amostra contemplou a seguinte divisão: até nível fundamental e médio (67%) e nível superior (33%).

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