Cinquenta dias antes da eleição americana, a Folha começou a publicar a série de reportagens “50 estados, 50 problemas”, que se debruça sobre questões estruturais dos EUA e presentes na campanha eleitoral que decidirá se Donald Trump continua na Casa Branca ou se entrega a Presidência a Joe Biden.
Até 3 de novembro, dia da votação, os 50 estados do país serão o ponto de partida para analisar com que problemas o próximo —ou o mesmo— líder americano terá de lidar.
Perto da meia-noite de 3 de fevereiro, os pré-candidatos democratas à Casa Branca foram avisados que o resultado das primárias do partido em Iowa não seria divulgado até o dia seguinte.
Irritados, comentavam com estranhamento a demora para a publicação dos números no estado, conhecido por concluir ao menos 90% de sua apuração em até três horas.
Os motivos para o atraso eram diversos, mas o Partido Democrata se concentrou basicamente em dois deles: falha técnica no aplicativo usado para transmitir os votos e novas regras incorporadas ao já complicado processo conhecido como caucus, espécie de assembleia de eleitores, em que a votação acontece de forma aberta e por aglomeração em ginásios, escolas e até restaurantes.
Apesar de ser um estado pequeno, com 3,1 milhões de habitantes, e pouco diverso —85,3% da população é branca—, Iowa tinha influência histórica na nomeação democrata. Há pelo menos duas décadas, quem ganhava no estado também se tornava o candidato do partido à Presidência dos EUA.
Mas não foi assim neste ano. Hoje adversário de Donald Trump, Joe Biden acabou em quarto lugar nas confusas prévias de Iowa, que escancararam o método vago e obsoleto para a escolha dos candidatos e reavivaram as discussões sobre a necessidade de uma reforma no sistema eleitoral do país.
Estados americanos articulam uma lei que pode mudar radicalmente a forma como os EUA elegem seus presidentes. O objetivo é abolir o sistema indireto do Colégio Eleitoral e escolher o representante por meio do voto popular —tudo isso sem alterar a Constituição, que dita as regras desde 1787.
Chegar à Casa Branca sem conquistar a maioria dos votos não é exclusividade de Trump, que venceu Hillary Clinton em 2016 apesar de ter conquistado quase 3 milhões de votos a menos que a democrata.
Em 2000, George W. Bush também venceu sem ter o apoio da maior parte da população e, antes dele, isso já havia acontecido outras três vezes.
Culpa do Colégio Eleitoral, que escolhe o presidente com base no voto dos 538 delegados, divididos por estado de forma proporcional à população de cada um deles. Assim, o candidato que tiver mais votos nas urnas estaduais ganha os delegados correspondentes, e quem chegar a 270 votos —metade dos representantes mais um— é alçado à Casa Branca.
A iniciativa para acabar com o sistema atual ganhou o nome de Pacto Interestadual e propõe que os estados aprovem leis autorizando seus delegados a votarem no candidato que conquistar a maioria dos votos em todo o país —e não no vencedor da disputa estadual.
A regra, porém, só poderá ser adotada quando os apoiadores corresponderem —adivinhe só!— à maioria do Colégio Eleitoral, ou seja, 270 votos. Até agora, a proposta tem o apoio de 16 estados, incluindo Califórnia e Nova York, chegando a 196 votos.
Os democratas são os principais defensores da ideia, já que foram os derrotados das duas últimas vezes em que o candidato que venceu no voto popular não chegou à Casa Branca. Os republicanos, geralmente beneficiados pelo atual sistema, não apoiam a iniciativa.
Mesmo os mais otimistas afirmam não acreditar que a renovação do sistema será feita da noite para o dia, mas a necessidade do debate e a adesão de novos atores políticos pode ganhar espaço após a disputa de 2020, que começou com a confusão de Iowa e pode terminar na Suprema Corte.
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