Cinquenta dias antes da eleição americana, a Folha começou a publicar a série de reportagens “50 estados, 50 problemas”, que se debruça sobre questões estruturais dos EUA e presentes na campanha eleitoral que decidirá se Donald Trump continua na Casa Branca ou se entrega a Presidência a Joe Biden.
Até 3 de novembro, dia da votação, os 50 estados do país serão o ponto de partida para analisar com que problemas o próximo —ou o mesmo— líder americano terá de lidar.
Quando 2020 começou, o estado de Nova York e sua principal cidade, a também Nova York, onde vivem dois terços da população, estavam concentrados em três prioridades legislativas: aumentar ou não impostos para cobrir rombos bilionários, discutir a legalização da maconha e encontrar um caminho para reduzir a população carcerária à espera de julgamentos.
Poucos meses depois, com o estado atônito ao se tornar o epicentro mundial da pandemia do coronavírus, a polêmica que ganhava o noticiário era se a cidade de Nova York deveria enterrar ou não, mesmo que temporariamente, seu excesso de mortos em parques públicos.
Como solução, optou-se pela Hart Island, próxima à costa do Bronx, um dos cinco distritos de Nova York, onde valas comuns começaram a ser abertas em abril. Cerca de 24 mil pessoas morreram na cidade, de um total de quase 33 mil no estado.
Imã para cerca de 50 milhões de turistas globais todos os anos e um dos locais mais caros do mundo para viver, Nova York está entre os pontos mais afetados do mundo pela Covid-19, e seus impactos econômicos tendem a ser duradouros, sobretudo para as contas do estado, que prevê perdas de receitas equivalentes a US$ 62 bilhões (R$ 343,8 bilhões) de 2020 a 2024.
Entre as alternativas que legisladores estaduais procuravam em janeiro para um déficit previsto de US$ 6 bilhões (R$ 33 bilhões) figurava o corte de quase US$ 1 bilhão (pouco mais de 1%) nos gastos com o Medicaid, programa de saúde pública destinado a pessoas de baixa renda.
Só na cidade de Nova York, o Medicaid atende seis milhões de pessoas e, em todo o estado, respondia por mais de um terço do déficit então estimado.
Como a aguda falta de atendimento e as mortes pelo coronavírus demonstraram, mesmo sem os cortes, o programa é insuficiente para atender os mais pobres, cujas situação de vulnerabilidade e distância que estão dos milionários de Manhattan havia décadas não se mostravam tão evidentes.
Agora, estão longe do fim os impactos da Covid-19 sobre os mais pobres, assim como nos milhões de jovens que vivem de aluguel em Nova York trabalhando no setor de serviços.
Recentemente, o Independent Budget Office, agência responsável pelo controle do orçamento da cidade de Nova York, estimou em US$ 9,7 bilhões (R$ 53,8 bilhões) a perda de arrecadação decorrente da pandemia só neste ano. O corte nos empregos, segundo a mesma agência, deve chegar a 475 mil.
A queda de receita tributária com restaurantes e museus —agora com ocupação limitada—, shows da Broadway interrompidos e a proibição da entrada de turistas de vários países em Nova York terão impacto importante também sobre as demais cidades do estado.
Antes da Covid-19, o governador democrata Andrew Cuomo vinha resistindo à ideia de outros membros de seu partido de elevar a taxação sobre os mais ricos, opção que voltou à mesa com a pandemia —assim como a de dispensar milhares de funcionários públicos.
O estado também passou a considerar a alternativa de autorizar a exploração de mais cassinos em seu território; mesma ideia que agora ocorre à cidade de Nova York, onde inexiste esse tipo de atividade.
Embora as receitas tributárias desses negócios venham caindo nos últimos anos em vários pontos do país, estado e cidade de Nova York estimam que poderiam arrecadar, no curto ou médio prazos, alguns bilhões de dólares só com a venda de licenças de operação.
Isso no caso de haver interessados —e de as pessoas poderem voltar a se juntar para jogar.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.