Kansas quer levar supressão do voto, trincheira dos direitos civis nos EUA, à Suprema Corte
Leis que dificultam acesso ao sistema eleitoral acabam por desestimular ida de negros, latinos e pobres às urnas
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Cinquenta dias antes da eleição americana, a Folha começou a publicar a série de reportagens “50 estados, 50 problemas”, que se debruça sobre questões estruturais dos EUA e presentes na campanha eleitoral que decidirá se Donald Trump continua na Casa Branca ou se entrega a Presidência a Joe Biden.
Até 3 de novembro, dia da votação, os 50 estados do país serão o ponto de partida para analisar com que problemas o próximo —ou o mesmo— líder americano terá de lidar.
Se batesse hoje na porta do Mágico de Oz, Dorothy teria de pedir algo mais do que voltar para seu Kansas natal: a garantia de que poderia votar.
Lá se vão 120 anos desde que L. Frank Baum criou a personagem mais famosa do Kansas em um livro que, segundo historiadores, é uma alegoria do sistema político-financeiro americano. O alijamento político popular que ele critica na obra, porém, não deixou de ser um problema.
O estado, um retângulo com quase 3 milhões de habitantes encravado no centro dos EUA, pediu recentemente à Suprema Corte que reconsidere a decisão de uma juíza federal, referendada por um tribunal de apelações, de que é inconstitucional cobrar prova de cidadania dos eleitores.
Se o máximo tribunal americano acatar o caso, estará em jogo aquilo que é considerado por estudiosos a trincheira atual dos direitos civis, a “supressão de voto” —quando se criam leis e regras que dificultam o acesso ao sistema eleitoral por determinado grupo social (geralmente negros, latinos e pobres) e acabam por impedir ou desestimular sua ida às urnas.
Não por coincidência, o mecanismo tem sido mais usado por políticos republicanos em estados onde esses grupos se alinham ao Partido Democrata. O voto nos EUA não é obrigatório, e fazer com que o eleitor chegue à urna é tão importante quanto convencê-lo a escolher determinado candidato.
Flashback: de 2013 a 2018, o Kansas manteve uma lei que exigia de quem quisesse se registrar como eleitor tivesse de apresentar uma prova documental de cidadania, como certidão de nascimento ou passaporte.
Em um país sem um equivalente ao RG, esses são documentos que muita gente não tem ou não guarda, sobretudo os mais pobres. A lei federal pede um documento mais trivial, como a carteira de motorista, e encarrega os serviços públicos de localizar o eleitor nos registros de cidadãos.
Para o Kansas, isso não é o suficiente.
O caso levado à Suprema Corte é o ápice da campanha do ex-secretário de Estado local Kris Kobach, um advogado, ativista e político republicano apontado pelo New York Times como homem que alimentou a obsessão do presidente Donald Trump por fraude eleitoral.
Tão atraente quanto infundada, a ideia de que eleitores-fantasmas, imigrantes em situação irregular e pessoas com registro eleitoral duplicado possam fraudar o sistema tem alimentado, nas duas últimas décadas, políticas de cerceamento do voto em ao menos 17 estados, no que juízes veem como violação da 14ª emenda constitucional, que garante a proteção da lei para todos os americanos por igual.
Exigir documentos pouco acessíveis é hoje a forma mais recorrente de dificultar o voto, mas na lista de truques entram mudar a seção eleitoral sem avisar; designar ao eleitor um local para votar distante de sua residência e sem acesso a transporte público, tornando a tarefa custosa; ou simplesmente omitir nomes da lista de eleitores.
São versões modernas de uma época em que escravos libertados não podiam votar, cujo eco mais forte é o anacrônico Colégio Eleitoral. O alijamento as retroalimenta, fazendo com que prevaleçam em brechas da lei 60 anos após o fim do segregacionismo e no imaginário coletivo dos estados do Sul e do Meio-Oeste americano onde cidadãos negros dizem não acreditar que seu voto possa mudar algo.
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