Cinquenta dias antes da eleição americana, a Folha começou a publicar a série de reportagens “50 estados, 50 problemas”, que se debruça sobre questões estruturais dos EUA e presentes na campanha eleitoral que decidirá se Donald Trump continua na Casa Branca ou se entrega a Presidência a Joe Biden.
Até 3 de novembro, dia da votação, os 50 estados do país serão o ponto de partida para analisar que problemas o próximo —ou o mesmo— líder americano terá de lidar.
Quando Chadwick Boseman morreu vítima de um câncer no final de agosto, multiplicaram-se as homenagens ao ator, famoso por ter interpretado o rei T'Challa em "Pantera Negra". O filme se tornou um marco por apresentar um elenco principal quase totalmente formado por atrizes e atores negros.
A morte de Boseman, porém, teve um significado diferente na cidade de Anderson, na Carolina do Sul, onde ele nasceu e cresceu. Moradores organizaram ao menos três petições para erigir uma estátua em homenagem ao ator. Juntas, as campanhas somam mais de 232 mil assinaturas —quase nove vezes a população do município.
A ideia é substituir o Monumento Confederado localizado em uma praça central da cidade. Inaugurada em 1902, a construção lista uma série de batalhas da Guerra Civil Americana e diz que, um dia, "o mundo decidirá" que os soldados que morreram defendendo que negros continuassem sendo escravizados nos Estados Unidos "estavam com a razão".
Uma lei da Carolina do Sul só permite a remoção de monumentos aos confederados se a proposta for aprovada por pelo menos dois terços dos legisladores estaduais —o que só aconteceu uma vez nos 20 anos desde que ela foi promulgada.
Os criadores das petições pedem que a regra seja revogada, que um museu seja o "lar permanente" da escultura confederada e que a estátua de Boseman, "uma verdadeira lenda local", ocupe o pedestal na praça central de Anderson.
O que acontece agora na Carolina do Sul é uma fração do movimento que se espalhou por várias cidades americanas e mundo afora para repensar a existência de monumentos históricos em homenagem a figuras com passado controverso.
Nos EUA, os confederados foram os principais alvos, mas outros "heróis" tiveram sua imagem contestada, como o navegador Cristóvão Colombo —cujas estátuas foram derrubadas, queimadas ou decapitadas.
Para o historiador Christian Anderson, professor da Universidade da Carolina do Sul que pesquisa o papel da raça na estrutura sociopolítica dos EUA, isso é um sinal de que o país nunca fez "o difícil trabalho de reconciliar presente e passado".
"Quem celebramos em espaços públicos mostra quem somos e o que valorizamos como nação", afirma o acadêmico. "Não há uma resposta simples para todas as estátuas, mas cada comunidade deve se questionar por que elas estão erguidas e quem e o que representam."
A discussão alcançou a campanha dos dois candidatos à Presidência dos EUA, e Donald Trump e Joe Biden ocupam lugares opostos em pautas raciais.
De um lado, o republicano adotou um discurso duro em relação aos atos contra o racismo e a violência policial que se espalharam pelo país após o assassinato de George Floyd. De outro, o democrata tem demonstrado apoio aos manifestantes e escolheu Kamala Harris, uma mulher negra, para ser sua vice.
Nenhum dos dois candidatos apresentou propostas específicas sobre a controversa questão dos monumentos, mas há diferenças claras em suas formas de abordagem do tema.
Em discurso no Dia da Independência, por exemplo, Trump se referiu ao movimento que defende a retirada das estátuas como uma "revolução cultural de esquerda" com o objetivo de "apagar a história do país".
Também foi veementemente contra a renomeação de bases militares que homenageiam antigos generais favoráveis à escravidão, tratou a bandeira confederada como símbolo de orgulho e de liberdade de expressão e assinou uma ordem executiva para proteger monumentos e estátuas federais.
Já Biden se posicionou contra atos de vandalismo ocorridos em manifestações, mas disse que monumentos confederados devem ficar em museus e não expostos em praças públicas.
O ex-vice de Barack Obama, primeiro presidente negro da história dos EUA, promete tratar como prioridade a agenda dedicada a lidar com "os custos trágicos do racismo estrutural".
Para Denilde Holzhacker, coordenadora do Núcleo de Estudos Americanos da ESPM, Biden deve conduzir, se eleito, um programa mais proativo em relação à comunidade negra e a outros grupos que sofrem com a desigualdade nos EUA. Se as pesquisas não se confirmarem e Trump for reeleito, a tendência, segundo a especialista, é que o país continue muito polarizado em relação às pautas raciais.
"Em um segundo mandato de Trump, a possibilidade de esse estado de tensão e conflito permanecer é bastante provável, considerando que a política dele é de ampliar a divisão e o conflito no país."
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