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Descrição de chapéu Entrevistas históricas

'Fiquei com crise de Mulher Maravilha', disse Elis Regina à Folha em 1979

Cantora chegou à Redação naquele dia de 'mau humor', lembra jornalista

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São Paulo

Há 75 anos, em dia 17 de março de 1945, nascia Elis Regina.

A cantora gaúcha concedeu uma longa entrevista à Folha em junho de 1979. Entre os três jornalistas que conversaram com ela naquele dia, Helô Machado lembra que Elis chegou à Redação "de mau humor".

As quatro horas de conversa foram regadas a café e cigarro. E foram horas densas porque Elis "era uma pimenta", segundo Helô, que era amiga da cantora.

Ao longo da entrevista, Elis comentou a situação dos músicos brasileiros, sobretudo a falta de recursos e a dependência de gravadoras estrangeiras. Lembrou-se do show que fez durante a greve do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, no qual conheceu Luiz Inácio Lula da Silva, à época líder sindical. Criticou a TV Globo e opinou sobre anistia e feminismo.

A cantora falou ainda sobre o pianista brasileiro Tenório Júnior, que desapareceu em meio ao golpe militar na Argentina e, em um mal entendido, foi executado pelos militares daquele país. Elis não se conformava com o caso e buscou, até o fim, respostas sobre o paradeiro do amigo.

Ela também comentou como foi afetada pelo sucesso no início da carreira. "Eu entrava na loja, comprava um negócio, o nego não deixava pagar. Fiquei com crise de supermulher, Mulher Maravilha durante algum tempo."

Décadas depois da morte de Elis, Helô Machado escreveu, em texto publicado no jornal O Estado de S. Paulo, que "parece que Elis se foi para sempre e não partiu nunca".

No aniversário da cantora, a Folha republica a entrevista de 1979. Elis morreu três anos depois, aos 36 anos, devido a uma overdose de cocaína.

Foram quatro horas de conversa aqui na Redação do Folhetim [extinto suplemento cultural semanal da Folha]. Quando acabou, Elis Regina não revelava sinal de cansaço, resistindo bravamente à avalanche de perguntas formuladas por Helô Machado, Luis Fernando Rodrigues e Osvaldo Mendes.

Difícil foi reduzir a entrevista a estas três páginas. Daria um livro. O que ficou ao final da conversa foi uma certeza: Elis é uma cantora em plena maturidade. E um ser humano daqueles que fazem um bem danado se ter como amigo.

Capa do caderno Folhetim, de 3 de junho de 1979, quando foi publicada a entrevista com Elis Regina - Acervo

Durante muito tempo, você se recusou a fazer o "Fantástico", a fazer apresentações em televisão no esquema da Globo. O que é que aconteceu agora? Mudou a Elis, mudou o "Fantástico", mudou a Globo, o que é que mudou?
Bom, mudou uma porção de coisas, principalmente a Elis mudou de gravadora. Quando eles me propuseram fazer uma série de coisas em televisão, eles perceberam que eu fiquei meio arredia. Não estava muito a fim de transar [negociar, em sentido menos comum hoje em dia], não fiquei apaixonada pela ideia.

Aí, eles me perguntaram por que e eu falei que tinha sido uma certa atitude adotada, por nós todos, fazer o possível e o impossível pra não fortalecer essa condição da Globo, de ser a única em que todo mundo vai. Era pra gente procurar fazer outro tipo de televisão, outros canais de televisão, como uma alternativa. Porque a figura da Globo é uma figura muito forte, onipresente, onipotente. Aí pintou a pergunta assim: mas quem são os que não estão fazendo? E foi exatamente nessa hora que eu me dei conta de que estava todo mundo fazendo, só a Elis que não fazia.

Quer dizer, até um determinado momento, seguia-se um certo tipo de linha e de repente esse negócio foi sendo rompido. E está todo mundo realmente fazendo a Globo e quem não está ao vivo está através de suas músicas, inseridas nas novelas da Globo, entendeu?

E eu acho que a melhor maneira de a gente brigar contra uma série de coisas é ficando próximo do acontecimento, das coisas. Quer dizer, quanto mais gente, com a consciência até dessa onipotência ou dessa prepotência da TV Globo, estiver lá dentro, mais fácil será —quer dizer, não a curto nem a médio prazos, mas a longo prazo— eles voltarem a conversar com os artistas e darem a eles o peso e a medida que, na realidade, eles têm. Porque, de uma época em diante, a única coisa importante que havia era a TV Globo. A TV Globo era a grande artista da TV Globo.

Eles fizeram questão de acabar com a valorização da mão de obra —um negócio muito cômodo pra eles–, ficando todo mundo num nível só. Eles mantêm uma série de grandes estrelas contratadas, ainda que não estejam se apresentando em televisão, simplesmente para não irem embora. E fica assim, como está. Eu acho que é assim que a gente vai poder, inclusive, acabar com um certo bloqueio que existe contra a música brasileira.

E ainda que, neste exato momento, a TV Globo esteja fazendo uma série de programas a respeito de música brasileira, pra mim parece ser só decorrência da personagem Ana Preta, do "Pai Herói", como a discoteca é decorrência da personagem Júlia, do "Dancing Days", entendeu? Quer dizer, é sempre uma questão de modismo. E se a gente ficar muito cheio de escrúpulos, muito cheio de "nheconheco", numa postura de "não me misturo", vai a cada dia que passa ficando pior. Porque, objetivamente, qual é o mercado de trabalho que nós temos?

Fora o disco...
Fora o disco, que é o que toca na rádio e que não nos rende nada ou rende uma coisa ridícula como, assim, 15 mil cruzeiros [R$ 5.072,83, em valores atuais] por mês, depois de 15 anos de profissão, tocando em todo território nacional.

Quanto você recebe por mês de...
Eu recebia, até o ano passado, 1,5 milhão [R$ 507.283,21, em valores atuais].

Um milhão e meio?
Por 20 discos. A cada dois meses eu recebia pela execução dos meus discos, em todo território nacional, nas mil e uma possibilidades de execução, 1.500 cruzeiros [R$ 507,28]. A Clara Nunes recebia 1.000 [R$ 338,19].

Você disse 1.500?
Mil e quinhentos, menos que um salário mínimo.

Por mês?
Não, por mês não. Por trimestre (risos). É, por trimestre. Quer dizer, agora, depois do surgimento [em 1973] do Ecade [Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, que encaminha aos artistas ganhos de direitos autorais], depois de uma série de gritarias, uma série de confusões que a Sombrás [Sociedade Musical Brasileira] e a gente foi arrumando, a partir dessa chiação toda, comecei a receber 18 mil cruzeiros [R$ 6.087,40] por 20 discos.

Dezoito mil por trimestre?
Por trimestre, quer dizer, 6.000 cruzeiros [R$ 2.029,13] por mês. Dá pra viver um vidão, né coração...

Bom, mas já é maravilha diante do...
Diante do quadro anterior, que era 500 mangos. Aí, tirando esse negócio de tocar discos, a gente tem teatro pra fazer, que você sabe muito bem que está uma barra.

Acaba caindo na televisão Globo.
Acaba. Nesse ano, está tudo em pique de loucura: preço de passagem de avião, preço de hospedagem e, quando você viaja, a passagem, a hospedagem, verba de alimentação, salário, transporte de equipamento, percentual de teatro, percentual de Ecade, percentual de Sbat [Sociedade Brasileira de Autores e Artistas de Teatro], aí começam os percentuais todos. Eu acho que, neste ano, inclusive, vai ser muito difícil transar, se não tiver patrocínio segurando a barra. Ano passado já deu pra empatar.

Este ano como é que estão as coisas?
Bom, está assim: eu fiz um disco, estou fazendo o lançamento de um compacto que foi tirado desse disco, com "O Bêbado e o Equilibrista", vulgo Hino da Anistia, e, do outro lado, "As Aparências Enganam".

O disco deve sair entre 25 de junho e 1° de julho. Eu, nessa época, já vou estar ensaiando um repertório novo, pra apresentação no Festival de Montreaux, na Noite Brasileira, com Hermeto Pascoal e Egberto Gismotonti. Essa apresentação vai ser feita no dia 19 de julho —daí, sai um novo disco.

No dia 25 de julho, eu faço a Noite Brasileira do Festival Internacional de Tóquio. Da Suíça, passamos por Moscou --quer dizer, escalamos, porque eu não vou nem sair do avião, todo mundo pode ficar relax, não salto, vejo a pista e se ela é igual às demais— e aí a gente vai pro Japão.

Depois do Japão, eu volto pra cá, devo fazer mais alguma coisa de televisão e vou fazer um giro pela Argentina que tem não só a finalidade de ir até a Argentina pra fazer um negócio que estão me pedindo já há algum tempo, mas, principalmente, ver se eu agito o lance do Tenório Júnior com o pessoal de lá que sabe onde ele está.

Tem novidades do Tenório [pianista brasileiro preso e morto pela ditadura argentina]?
O Tenório, até dois anos atrás, estava vivo numa prisão em La Plata.

Essa é a informação mais recente que você tem?
É a informação mais recente que eu tenho, que eu passei pro pessoal, porque quem me deu essa informação foi um compositor de lá, que foi visitar alguém detido por algum motivo, em La Plata, e viu o Tenório.

Mas as notícias da OAB, do Itamaraty...
Não, não se pode fazer nada por um simples motivo: o Idibal Piveta precisa de uma procuração da família do Tenório, ou da mulher ou dos pais, e a gente não consegue arranjar. A mulher prometeu mandar, não mandou.

Eu estive com o pai dele, três semanas atrás, numa conversa longuíssima, mas ele insiste que a procuração deve ser dada pela mulher. Agora, eu acho que não dá pra esperar muito mais.

Você não acha que se fez muito silêncio na história do Tenório?
É, pintou aquela especulação normal. Até o dia que esse menino foi prá minha casa e falou: "Eu vi o Tenório". Aí eu comecei a detonar tudo, né? Inclusive, com a ajuda de Roberto Menescal, peguei o telefone da mulher dele, Ronaldo Bastos, mais uma pá de gente metida e até agora não se conseguiu nada, a não ser dedicar espetáculo à presença de algum amigo e ausência do Tenório Júnior.

O que é muito pouco.
Na realidade, é. Mas há uma esperança ainda. De repente, vai alguém lá, leva um papo com os caras, consegue chegar até perto, fala: "Olha, o lance é outro, nenhuma periculosidade, é um músico, sumiu". Parece que ele saiu pra passear em Buenos Aires na semana do famoso pente fino, antes da queda da Isabellita em 1975, esqueceu os documentos no hotel e sambou. Nunca mais ninguém viu.

O Vinícius tentou tudo. Inclusive o rapaz da embaixada era genro do Vinícius. Eles tentaram tudo o que foi possível. Agora, a gente esbarra no: "Mas o que é que a senhora é dele?" Eu sou amiga. "Ah, não adianta, a família mesmo é que tem que ajudar." O governo brasileiro também...

Elis Regina em 1974 - Cristiano Mascaro/Divulgação

Como foi seu encontro com o Lula?
Bom, ele primeiro falou uns três palavrões daqueles maravilhosos, que você fica logo super à vontade.

Depois, ele ficou brincando de ver —pegar no braço— e ver se existe mesmo ou é figurinha de televisão e ficou me sacaneando um bom tempo. Eu fiquei morrendo de vergonha e conversei muito pouco com ele. Ele estava muito eufórico com a presença das pessoas lá. Ele estava contente.

A imagem que você tinha dele bateu com a realidade?
Eu acho que ficou uma coisa mais forte. Ele é uma pessoa baixinha, troncudinho, fala olhando dentro do olho, tem uma cara ótima. Mas aquele cara deve saber tudo. Inclusive, eu perguntei pra ele: "É você, rapaz, que está aprontando tudo isso?" Ele falou: "Eu, aprontando? Imagina, sou apenas um trabalhador". Eu falei: "Tá legal. Você não tem tamanho pra folgar desse jeito não, hein rapaz? Você é muito pequinininho".

Aí ele ficou brincando um tempão. É que o clima estava meio de festa mesmo. Deu pra conversar pouco, ele deixou o telefone pra gente ligar pra ele, que ele gostaria muito de ir na minha casa, pra gente conversar, saber uns lances da profissão da gente. Pra ficar melhor informado.

Mas como é que fica essa transa do artista com o operário?
Você acha que tem muita diferença? (risos)

Não é um negócio mais de moda, não virou modismo estar do lado deles?
Eu não sei se é moda. Quando acontecem esses shows, surgem quatro tipos de adesão: as pessoas que vão porque acham que é isso mesmo, que têm mais é que ir. Tem o pessoal que vai com medo de dizer não e ficar ruço, tipo, assim, arregou; tem nego que vai numa de aparecer, porque é uma oportunidade boa pra aparecer, e tem o pessoal que pinta [aparece] porque é festa.

Por que você, agora, grava na WEA [selo da gravadora Warner Music Group]?
Sabe, eu acho que esse lance aí é o seguinte: não tem gravadora brasileira, sabe? Eu preciso vender meu peixe, eu vivo disso. O dia que tiver uma gravadora brasileira periga todo mundo ir pra lá, mas ela não pintou ainda.

E aquele projeto do Chico, a compra de uma gravadora?
Bom, o Chico tem o projeto, mas ele continua na Polygram, né? (Risos.) Quando ele sair, eu até vou pra gravadora dele.

Semana retrasada o Tarik de Souza avisou —pelo Folhetim— de um encontro de compositores independentes, no Paraná, liderados pelo Antonio Adolfo. O pessoal que está gravando os discos de fundo de quintal. Como é que você vê esse projeto?
Bom, no momento em que pintou, ninguém acreditava. O Adolfo já está partindo pro terceiro disco, e faz dois anos que eu não tenho tido chance de conversar com ele. Então, eu não sei exatamente em que pé estão essas coisas. Eu sei que o Adolfo fez, que o Danilo Caymmi fez. Me parece que tem mais uns dois ou três músicos no projeto. Eu acho que isso tudo é embrião de uma coisa nova. Se tentou fazer esse negócio de esperar pra ver que bicho que ia dar com a gravadora Mocambo.

Agora, onde estão as pessoas que são os líderes da Mocambo? O Paulinho da Viola não saiu da Odeon, o Chico não saiu da Polygram, o MPB-4 não saiu da Polygram; quer dizer, como é que é que você vai endossar um empreendimento em que os próprios empreendedores não estão colocados dentro dele.

No Brasil de 1979, qual é a do artista?
Olha, Osvaldo, eu estou querendo pegar o maior número de compositores desconhecidos pra gravar, pra arejar um pouco. Está ruço. Está todo mundo contando as mesmas histórias, está um circo de elefantinho, todo mundo gravando as mesmas músicas ou uma mesma linha de composição, porque é tudo feito pelo mesmo compositor. Um pouco desse desinteresse de parte do público talvez seja por causa disso.

Por exemplo, vamos falar das mulheres. Pega Simone, Bethânia, Elis e Gal, você sabe que, basicamente, o repertório é o mesmo. E que são sempre os mesmos seis caras, compondo há 15 anos. Eu quero furar esse bloqueio.

E você acha que tem gente nova e boa por aí?
Tem. Tem alguns que não tiveram possibilidade de ser ouvidos, ter o trabalho debatido, criticado. Por quê? Porque não tem o festival de antigamente, em que a rapaziada nova pintava com força. Televisão estava aberta, o rádio estava aberto, o jornal estava debatendo, o nego se sentia impulsionado em direção a alguma coisa. O festival sumiu.

Aparecer num programa de televisão? Esquece. Porque o espaço está caro e a gente vai botar quem está em primeiro lugar na parada, quem está tocando mais no rádio. Gravar disco? Pô, ao preço que está o vinil? Vamos investir, mas rapidinho pra voltar. Como em todas as áreas, malandro.

Tu acha que se o Folhetim não tivesse vendendo jornal, tu estava escrevendo no Folhetim ainda? (Risos.) Sabe? Tu não estava escrevendo. Pra começar, você cria muito caso com censura, muito corte, muita confusão, fecha o Folhetim, que está dando muita treta. É isso aí, bicho. Em qualquer área está assim. Me dá o meu. Essa é a filosofia reinante. Clima de últimos dias de Pompéia.

Eu não sei o que está pra acontecer porque está todo mundo na caça ao dinheiro, com uma força que eu fico até com medo. Agora, a moçada que compõe está num gueto. Quer dizer, não tem acesso à gente. Por quê? Porque, se eu não estou no Recife, estou em Porto Alegre, estou rodando a minha bolsa em várias praças, né? Assim também é com os demais. Segundo grande problema: os compositores, com justa causa, diga-se de passagem, são todos intérpretes hoje em dia. Não tem espaço pra intérprete novo.

Mesmo porque, como compositor, eles morreriam de fome.
Morreriam de fome. Eu falei: com justa causa.

É, mas deveria deixar claro que essa "justa causa" é a fome.
Não recebe direito autoral. Agora mesmo a Sueli Costa está passando pelo vexame de receber do Ecade $1.673 cruzeiros [R$ 565,79 ] de arrecadação de um ano de execução de músicas dela em todo o território nacional. Quer dizer, a Sueli Costa vai passar pires na praia pra viver e sustentar o filho dela?

Estou juntando xerocópias de todas as arrecadações de Transversal do Tempo, que eu fiz com músicas de Sueli, pra ela poder chegar no Ecade e dizer assim: olha, pelo menos a Elis Regina e a Simone pagaram. Está aqui a papelada, olha. Aí, ela vai receber ou não. Quem sabe?

Elis, quando é que começou tua abertura maior de visão, de simplesmente cantora a algo mais que uma simples cantora?
Eu acho que eu pintei no pedaço muito jovem, 19 anos e não sabendo nada da vida. Vinda de uma camada pobre da população. Quer dizer, o "alegro desbum" realmente se estabeleceu na minha cabeça a partir do negócio do "Arrastão".

Eu fiquei famosa, saia na rua, todo mundo parava e pedia autógrafo. Eu entrava na loja, comprava um negócio, o nego não deixava pagar. Fiquei com crise de supermulher, Mulher Maravilha, durante algum tempo. Eu rodopiava, falava Shazan e estava tudo certo. Quer dizer, não precisava nem rodopiar. Eu cantava e o mundo desabava.

Rodopiava os braços naquele tempo.
É, rodopiava os braços. Eu não passei um período grande de ficar tentando. Desnorteou a minha cabeça, né?

Depois, a barra começou a pesar. Você descobre que existe contrato, que é como um outro qualquer, que tem cláusula que tem que ser lida, porque, se você não ler, dança. Que o empresário nunca é um cidadão acima de qualquer suspeita. Esses baratos todos foram me dando uma visão do lado profissional, que é igual a você, ao arquiteto, ao médico. A partir daí, eu comecei a encarar esse negócio de cantar como uma profissão mesmo.

Você explodiu em 1964, com o país mudando de dono. Como é que estava a tua cabeça em 1964, com relação ao que estava fora. Você não percebia o que acontecia?
Percebia, mas eu não tinha as informações todas. Percebia na hora que um companheiro ia cantar uma música e aí já não podia mais. Um aviso que eu recebia de que certas músicas não podiam mais ser cantadas.

Mas eu tomei um susto em 1968 quando tudo ainda parecia "coincidência". Acabou o "Fino da Bossa", e não foi um negócio isolado destruir uma trincheira de defesa da música brasileira, com expoentes de linguagem como Edu Lobo, Geraldo Vandré, Sérgio Ricardo. Mas ficou a Jovem Guarda, Hebe Camargo, sabe? Então, passados os anos, você começa a ver que tudo tinha uma razão de ser.

Isso em 1968?
É. Aí pinta muita guitarra no samba, é a chegada da ordem de fora mesmo. Vamos faturar porque isso é um negócio como outro qualquer. Quer dizer, o romantismo da gente foi pro brejo. Dane-se que você goste de samba, vai começar a gostar de samba com guitarra, agora. Começa a massificação. Toca de manhã no rádio, de tarde, de madrugada. Daqui a pouco está todo mundo achando ótimo.

Esse negócio pegou um monte de caras, nego que foi embora, nego que resolveu ir estudar fora, aqueles lances todos. Aí você começa a saber as causas e, como está mais sozinho, tem que procurar gente de outras áreas pra conversar e já fica sabendo de outras coisas.

O panorama se arma, você saca o lance e não dá mais pra fugir. Quer dizer, tem gente que consegue fugir e até inventa um discurso diferente pra desdizer o anterior. Mas, se eu não tinha muros, minha cabeça foi feita e está aqui.

Você e o Jair [Rodrigues] formaram uma dupla que balançava. Era uma coisa muito boa de ouvir. Até hoje, botar aqueles discos e ouvir... O que aconteceu com o Jair? Você acompanha ainda o trabalho dele?
A gente continua se falando, se cruza.

Mas e a relação, que parecia tão ligada num momento importante da história da música da gente e toma caminhos totalmente diversos, opostos? A Elis hoje é uma coisa, na cabeça da gente, nos discos que se ouve. Outra coisa é o Jair. Ele é uma lembrança. Uma agradável lembrança.
Eu acho que ele está começando a se dar conta de uma série de coisas. O fato de ele ter se tornado um cantor famoso provocou uma confusão séria na cabeça dele. Porque o Jair era plantador de cana, sabe? Um cara que não tinha sapato. Foi uma pessoa muito marcada. De repente, farinha pouca, meu pirão primeiro, e tudo bem, eu até entendo.

Eu não entendo noutro tipo de gente, sabe? Que teve informação, que conviveu com os lances, que passou por umas tantas coisas, de repente ficar com esse comportamento arrivista...

Talvez a diferença tenha sido que, num dado momento, você percebeu o que era tudo aquilo e ele não percebeu.
Eu acho até que percebeu, porque ele tem essa consciência. A gente, quando conversa com ele, praticamente ouve as mesmas coisas e fala a respeito de tudo. Da mecânica profissional ele sabe tudo, mas também não briga contra, pelo medo de voltar pro lance que foi marcante no mau sentido.

Bom, mas eu tive uma notícia ótima nos últimos 15 dias. Ele está muito ansioso, esteve conversando com um amigo comum, dizendo que queria me encontrar. Não sei se é pra conversar, se é pra lembrar alguma coisa, retomar algum negócio. Porque, durante os dois anos do "Fino da Bossa", eu mais convivi com o Jair do que com a minha família mesmo.

A gente estava despencado em cima de avião pelo Brasil inteiro. E foi, realmente, um grande amigo. Amizade mesmo assim daquelas de amarrar bode e ficar de boca no chão chorando. Então, de repente ele está inseguro, meio desnorteado sobre o que fazer daqui pra diante, procurando a velha turma pra bater papo, o que eu acho muito bom.

Mas você não está sentindo chegar um momento assim em que tanto a meia verdade quanto a mentira deslavada terão que ser colocadas na mesa? Quer dizer, no nosso setor, já que você está falando nele?
Eu acho. Está na hora. Faz uns 10 anos que eu estou esperando. Pra gente atingir os fins, vai aproveitando todos os meios, e tem nego que está no meio. Não quero saber quem é, não vou dar nomes.

Agora, existe uma coisa chamada tempo, que está solta aí. O mundo não para de rodar. Ele é redondo. Sai daqui e pra aqui volta, sabe? E vai chegar uma hora que esse pessoal vai ter que se explicar. Ou, se não quiser se explicar, a tal da máscara da face vai cair. Porque não é possível que tenha tanta gente sacando o lance e tenha que engolir em seco, em nome da não-agressão, do não-patrulhamento. Agora, a cada dia que passa há menos chance pra você representar. Porque as pessoas aprenderam. Elas estão sentindo o cheiro de longe da fajutagem.

Há muita diferença entre gravar um disco na WEA e na sua antiga gravadora?
Claro. A WEA, por incrível que pareça, é democrática. É assim: "o que é que você quer fazer? Como é que você gostaria de fazer? Pelo seguinte: você é o artista e nós lidamos com artista. Artista de cinema, artista de televisão e artista de disco. Você faz o que quiser, porque a gente tem um departamento especializado em divulgar e vender a tua ideia, a gente está comprando a tua ideia".

É bem diferente você ter um departamento de divulgação e um departamento de vendas a serviço do departamento artístico. Em outras gravadoras, os departamentos artístico e de divulgação estão a serviço do departamento de vendas.

Só pra constar da entrevista: já foi resolvido o problema do LP lançado pela Polygram com músicas de testes das gravações?
Olha, eu recebi dois impulsos. Primeiro, achava que devia firmar jurisprudência a respeito do assunto. Porque eles estão um pouco equivocados. Eles, na realidade, são donos de um fonograma, quer dizer, são donos de uma gravação, mas eles não são donos da minha voz.

O disco só pode sair se, em princípio, eu estiver de acordo com ele. E eu não estou de acordo, porque aquilo era refugo de gravação. Isso aí, nas mãos de um juiz sério, competente, dá pra discutir uns dois anos. Afora isso, eles não têm uma gravação, mas um esboço de gravação.

E isso se prova pelas críticas todas que saíram no Brasil. Todo mundo se tocou que aquilo era uma voz guia, quer dizer, tem o lado moral querer formar jurisprudência, pra todo mundo ter como se comportar, caso ocorra uma desgraça dessas. Agora, tem o outro lado. A pobreza é tamanha que, de repente, você se misturar nesse lance, também te diminui. E fica dando divulgação para o que você está a fim que não seja visto.

Mas você não acha que eles podem aproveitar e fazer isso com outras pessoas?
É que a rapaziada arrepiou lá dentro. O pessoal da mão de obra, como eles chamam, chiou. Pintaram empurrões, umbigadas, negócio esquisito. Agora, eu aprendi que de hoje em diante vou gravar tantas músicas e só elas é que vão ser gravadas. Não tem mais prova de nada.

Por que é que você não partiu, em termos de show, para voos mais arriscados, como atriz e não só como cantora.
Porque já tem gente fazendo isso.

Tem gente que já cantou, também. O Pelé, por exemplo.
Até já gravei música dele.

Nunca te bateu vontade de partir pra uma de atriz?
Eu tenho muita vergonha.

Elis Regina, 28, durante a gravação do programa "MPB Especial", da TV Cultura, em 1973 - Divulgação

Ué, mas você não tem vergonha de subir no palco e cantar...
Ah, mas eu canto desde os 12 anos. Por isso eu falei que cantar é só abrir a boca. Agora, representar tem um barato diferente. Sabe, eu acho que, inclusive, é uma hora legal de teatro e música se juntarem mais uma vez, pra ampliar o raio de ação dos dois.

Agora, não adianta eu ficar muito preocupada porque as três coisas que eu tenho pra fazer de imediato são: ensaiar, fazer um festival de jazz, na Suíça, e um festival de jazz, no Japão.

O que você vai apresentar em Montreaux já está definido?
Ainda não. Tem três músicas do Milton, uma do Chico e do Gil, tem mais outras coisas que a gente está vendo aí, mas que não estão definidas. Parece que tem umas coisas do Gonzaga.

Você pensa em fazer alguma coisa como "O Clube da Esquina nº 2"?
Em fevereiro, eu e o Milton vamos fazer um disco juntos. E o trabalho do ano que vem vamos também fazer juntos, no Brasil todo e no exterior.

Como é que foi esse negócio de gravar o "Bolero de Satã" com o Cauby?
Bom, o Cauby Peixoto é paixão antiga, dos tempos de ser ouvinte da Rádio Nacional. E eu ouvi essa música do Guinga com Paulo Cesar Pinheiro. O Guinga me foi apresentado da seguinte forma: eu fui ouvir as músicas do Nogueira e ele convidou um amigo dele pra tocar violão. Aí, o João gravou uma fita e pediu ao Guinga: "agora mostra as tuas músicas pra Elis". Ele me mostrou quatro. E eu tinha duas pra gravar e gravei essa. A outra está reservada pro outro lado. Uma chama "Bolero de Satã", e a outra, "Valsa Maldita". Veja a barra do cara.

E eu, desde a hora que estava ouvindo a música, sentia que faltava alguma coisa. Tinha alguma coisa pra colocar junto com a minha voz. E eu tinha me fixado na Ângela Maria. Um dia, eu estava dando uma entrevista, numa rádio aqui de São Paulo, e o Cauby entrou pelo corredor da rádio. Ia fazer um outro programa, num outro estúdio. Eu falei: é a peça! É essa figura que eu estava ouvindo e não tinha me tocado.

Você tinha cruzado com o Cauby antes?
Já, muitas vezes. Sempre nos aviões da vida. Aí a gente gravou essa música. E ele me convidou pra fazer a produção do próximo disco dele.

Como é que foi o clima da gravação do "Bolero de Satã"?
Profissional pra chuchu. Ele trabalha muito seriamente. E ele estava —eu imagino que ele estivesse—emocionado, também. Pelo lance todo, aquela montoeira de gente jovem sabendo as coisas dele, maneirismos e tudo, o jeito dele falar —ele estava muito envolvido pela gente. Acho que ele não pensou que tivesse essa penetração, que ele faz parte do inconsciente da gente.

Elis, agora falando de amenidades, nunca notei que você ligasse pra moda e, de um tempo pra cá, estou percebendo mudanças...
Bom, tem um detalhe: depois dos 34, a gente tem que dar um certo trato.

Você está gostando da moda de hoje, também. Eu estou sentindo isso, você está amando as décadas de 1940 e 1950, que estão na moda.
Eu estou vestida de minha mãe, está ótimo. Ela tem uma fotografia que tem essas coisas, e eu estou sentada no colo dela, vestida de cetim com veludo e não sei o quê.

Na verdade, as mulheres muito ativas, participantes, obrigatoriamente têm que ser um pouco masculinas, também, o que é uma defesa pra gente. Porque você passa 80% do tempo convivendo com homens. Então, começa a transar muita calça Lee, tamanquinho, camisa, camiseta, colarzinho, sem chamar muito a atenção, que é pra não sofrer, também, as consequências de estar muito arrumadinha no meio da homarada.

Muita bandeira.
Sabe, um pouco assim medo de levar um chega pra cá e um bizu no pé do ouvido e ter que tomar uma atitude. Sei lá. Ou então, por outro lado, as intelectualidades da vida dizerem "aí, ataviada". "Credo, que nojo." "Olha que mulher fresca."

Mas eu não tenho nada contra ser fresca, muito ao contrário, eu fiquei oito anos botando isso pra dentro, até o dia que eu falei: quer saber? Vou botar as minhas penas de fora um pouco."

Agora, e sobre as feministas?
Tem o seguinte: o movimento feminista procura a emancipação da mulher. Eu fui uma mulher emancipada aos 14 anos de idade, e pelo meu próprio pai, que de "chauvinista" tem tudo e talvez por isso tenha me emancipado. Não é uma boa? Então, eu acho que na minha cabeça está tudo. Eu trabalho. Sei das dificuldades que uma mulher participante e atuante e que pensa tem. Quando senta numa mesa pra deliberar, nunca é olhada com a mesma seriedade.

Mas é tudo uma questão de colocação. Podem não te olhar com seriedade cinco minutos, mas, se a conversa durar duas horas, daqui a pouco tem que estar falando de igual para igual. Afinal, qual é a diferença? Se uma coisa foi feita pra encaixar na outra, é tudo igual.

Depois, tem outro lance aí. Eu acho que não está muito diferente a situação da mulher e a situação do homem, hoje em dia. Eu não sei porque, de repente sai todo mundo esbravejando: porque os homens, porque os homens. Esses homens "chauvinistas", machistas e supercomandados pelo esquema paternalista foram criados, gerados, alimentados, comandados e educados por mulheres que aceitavam isso. Então, o cara não tem a culpa sozinho, sabe?

O meu irmão conseguiu dar o pinote quando ele saiu de casa, porque enquanto ele estava dentro de casa ele era um saco. Ele era o meu pai tudo de novo. Casou com uma mulher com a cabecinha toda certa, e ele troca fralda, e não se sente diminuído por isso. Eles dividem as responsabilidades da casa, do trabalho, do dinheiro, do carro, da moto, de tudo, sabe? Ali é uma comunidade, não tem homem, não tem mulher. São dois amigos que moram juntos. E são duas pessoas profundamente solidárias, que é uma coisa que eu não vejo em 80% dos homens brasileiros, a solidariedade.

Sempre o homem é o que fica mais doente, o resfriado nele pega mais forte. Mas isso aí é resultado do quê? Da mamãe, da vovó, não é culpa deles. Mas tem que haver essa mulher chata que a gente é hoje em dia, pra falar assim: malandro, tu está cansado, mas eu também trabalhei até agora. Como é que é? Tudo numa boa. Não pode chegar, pegar uma foice e decapitar o cara só porque ele é homem. Ele é homem que foi filho de uma mulher.

Vou fazer uma pergunta bem idiota. Todo mundo acha que Elis vem de Elizabeth. Mas seu Elis é Elis mesmo. Como é que foi essa transa?
A minha mãe estava lendo um livro, um romance de amor, e tinha uma "Miss Elis" e Mr. Elis. E eu acho que era o casal romântico. E essa "Miss Elis" devia ser assim aquela mulher maravilhosa, que minha mãe gostaria de ter sido. Ela ficou fascinada por esse nome. Que não é um nome, é um sobrenome. Quer dizer, eu sou a Kelly Cristina dos idos de 1945.

Aí meu pai foi me registrar: às tais horas, do dia tal, dia 17 de março de 1945, uma criança do sexo feminino, que terá como nome... ele falou Elis. O cara falou: "Não! Pode parar. Elis não pode". Então ele perguntou por quê? O cara falou: "porque Elis Carvalho Costa é um nome que pode ser de homem e pode ser de mulher. O senhor tem que arranjar um outro nome feminino pra colocar depois desse Elis aí".

Aí ele pensou um pouco. Na semana anterior tinha nascido uma prima, filha de uma irmã dele, que se chamava Sandra Regina. Não podia ser Elis Sandra, porque ficou esquisito até no ouvido dele. Aí, Elis Regina.

Você acredita na anistia ampla, geral e irrestrita?
Eu acho que, se não derem, vai ficar esquisito.

Pra quem?
Vai ficar esquisito pra quem prometeu e não cumpriu. Acho que tem mais é que pintar, principalmente porque essa questão de crime político é um negócio muito relativo. Depende do lado vitorioso. O lado vitorioso prega uma coisa, o que era de oposição pregava outra, e isso é uma contingência de um determinado momento.

Você sente que sua categoria é unida, hoje?
Não. Eu não sinto não.

Bem, há condições objetivas de que isso aconteça?
Um grupo. Sempre um grupo. Muito pequeno e muito ativo, do qual fazem parte Aldir Blanc, João Bosco, Paulo Cesar Pinheiro, Sérgio Ricardo, Gonzaga, Vitor Martins, Ivan Lins, Milton...

Seria mais ou menos a turma que trabalhou em São Bernardo. Não houve a renovação do grupo, do mesmo jeito que não houve uma renovação na música popular brasileira.
Mas, eu acho que aí é que está. Está no começo da conversa da gente. Está precisando arejar esse lance todo. Quer dizer, precisa pintar gente nova, precisam pintar compositores recém-saídos das universidades. Novos músicos, novos cantores, porque senão vai ser sempre a gente mesmo. E você vai esperar o quê? Que no Congresso da UNE o Roberto Carlos fosse cantar em Salvador? E eu falo. Pode botar, o Roberto Carlos cantar em Salvador, não vai. É mais fácil ele cantar noutros lugares, mas no Congresso da UNE? Não vai segurar. Vai cantar em São Bernardo? Não vai.

É, mas a gente também está falando de um fundo do baú, quer dizer, é o mesmo pessoal.
Também é o mesmo pessoal. Eu estou falando. Por quê? Porque desde 1966 as pessoas que fazem música, que interpretam música, que executam música, são sempre as mesmas. É o circo do elefantinho que está armado. E em processo de antropofagia. Alas se entredevoraram, numa flagrante e evidente e palpável luta pelo poder. Só.

Você já pensou em fazer um tipo de trabalho mais chegado ao operário?
Já. Já conversei com eles todos, estão só esperando a confusão das greves e intervenções acabarem pra gente começar a transar isso.

Quer dizer, existe um plano.
Existe.

Mas é do grupo ou teu?
Meu. Mas aí é simples. Porque o esquema está montado e é só perguntar: João, estás nessa? Ou Clara, estás nessa? João Nogueira, como é que é? Tem 19 sindicatos do interior de São Paulo querendo comprar shows. Agora, você tem que encarar um artista que está sabendo que vai trabalhar por uma bilheteria de 30 cruzeiros [R$ 10,15] por pessoa.

Mas o que te altera, e altera no sentido positivo, é que esse público, com uma distância muito grande em relação a você, vai te impor até um tipo de repertório, a linguagem musical...
A linguagem da terra. Não é só a linguagem musical. É como é que essa terra fala. Como é que essa terra se comporta. Como é que ela reage diante das coisas. O que é que na realidade eles acham da gente? O que é que eles estão esperando da gente? Qual o tipo de aproximação que pode ser feito, sem que um seja triturado pelo outro?

Como você vê essa apresentação tua em Montreaux, com Gismonti e com o Hermeto? Você conversou com eles?
Não. Ainda não. Essas apresentações não são coletivas. Eu não sei se vai pintar o que o Ciro Monteiro chamava de "hipotenusa final". Agora, os "homens" estão interessados em botar meus discos lá fora. Isso é cláusula contratual. A melhor chance pra chegar à Europa é o festival da Suíça, transmitido pela Eurovisão, imprensa toda reunida, aquelas coisas. Dizem que o primeiro mercado discográfico do mundo é do Japão. Eu já tenho todos os discos lá e os homens mandaram me convidar pra cantar. Eu vou também.

Mas não consigo me imaginar de Pequena Notável de novo, sabe? Estou a fim de transar essa, mas não é só. Não é a prioridade da minha vida, tanto que, se fosse, eu não estava pensando mais nos negócios dos sindicatos. Isso é meta pra daqui a pouco. Inclusive, tem uma outra, que é a do circo. Fazer circo e sair pela periferia. São duas coisas que eu vou fazer e muito breve. Já tenho um cara do circo. O cara já está com a lona. Sujeito que tem os contatos em todos os lugares. E vamos embora. Quer dizer, o meu lugar é aqui...

Este texto faz parte da série Entrevistas Históricas, que lembra conversas marcantes publicadas pela Folha.

Entrevistas Históricas

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