De Guerra da Ucrânia à 'onda rosa' na América Latina, como 2022 impacta o mundo

Analistas avaliam à Folha que legados deixam os principais acontecimentos do ano

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São Paulo

Depois de uma pandemia, uma guerra. E não uma qualquer —o maior conflito na Europa desde a Segunda Guerra. E mais crises políticas, eleições acirradas, renúncias, mortes, ondas de protestos, extremos do clima. Se havia esperança de um ano mais plácido, 2022 as sepultou em 24 de fevereiro, quando Vladimir Putin iniciou a Guerra da Ucrânia.

As consequências do conflito são inúmeras, a começar pela reconfiguração de forças no xadrez geopolítico. Mas o ano viu ainda Xi Jinping conquistar um inédito terceiro mandato na China; uma nova "onda rosa" na América Latina, com a eleição de líderes de esquerda, e o fortalecimento da ultradireita na Europa; manifestações históricas no Irã; e o fim do reinado mais duradouro quase simultaneamente ao mandato mais curto de um primeiro-ministro no Reino Unido.

Corpo de militar russo morto nos arredores de Kharkiv nos primeiros dias da Guerra da Ucrânia - Serguei Bobok - 26.fev.22/AFP

A linha do tempo abaixo lembra os eventos internacionais que moldaram 2022, com análises sobre seus impactos.

27.jan

A esquerdista Xiomara Castro vence as eleições em Honduras contra Nasry Asfura, candidato do partido direitista havia dez anos no poder, e se torna a primeira mulher presidente do país —com apoio do marido, o ex-líder Manuel Zelaya, deposto por um golpe de Estado em 2009.

Quem realmente governa é Zelaya. Eles tinham um bom plano e puseram algumas coisas em movimento, mas colocaram no governo oportunistas e corruptos, enquanto o Partido Nacional trava o Congresso e adere à estratégia da ultradireita —de desinformação e ‘lawfare’— para travar uma guerra frontal contra a gestão. Uma oportunidade histórica está sendo perdida

​Dardo Justino Rodríguez

analista, comunicador e consultor independente para organizações e agências internacionais

30.jan

O Partido Socialista, no poder em Portugal desde 2015, vence eleições legislativas e garante maioria absoluta do Parlamento meses após um racha interno. Pleito marca a ascensão do partido de ultradireita Chega, que se torna a terceira força política do país.

A surpreendente maioria absoluta significou o fim político oficial da 'geringonça' e uma clara vitória do centro, numa eleição marcada pela fragmentação da direita. Até hoje, o poder da esquerda não está ameaçado

Francisco Pereira Coutinho

comentarista político e professor de direito da Universidade Nova de Lisboa

4.fev

Por ocasião da abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno, em Pequim, Putin viaja à China e formaliza com Xi uma "amizade sem limites", embarcando no espírito da Guerra Fria 2.0 contra os EUA. A relação, como o desenrolar da guerra evidenciou, não seria tão sem limites assim.

Putin fortalece esse discurso; a China não. Pequim almeja parcerias com todo o mundo, então deixa a Rússia e o Ocidente fazerem esse jogo enquanto ela busca penetração econômica a partir de estratégias regionais e bilaterais

Pedro Costa Júnior

cientista político e pesquisador da USP

24.fev

Forças da Rússia invadem a Ucrânia, atacando inclusive o entorno da capital, Kiev. Contrariando as expectativas, as forças do presidente Volodimir Zelenski resistem, e Moscou recua semanas depois, centrando batalhas no leste e no sul.

4.mar

A Rússia toma a usina de Zaporíjia, maior planta nuclear da Europa. Tiroteios constantes entre as forças de Moscou e de Kiev no entorno do local provocam temor acerca de um novo Tchérnobil.

Zaporíjia continua em uma situação difícil, pois, ocupada pelas forças russas, tem funcionários ucranianos. O que o evento não impactou é a opinião pública europeia em relação à energia nuclear: a maioria das nações é contra ela, mas países importantes como França, Reino Unido e Suécia se mantêm a favor

Eduardo Viola

professor de relações internacionais de FGV, USP e UnB

9.mar

O conservador Yoon Suk-yeol é eleito presidente para um mandato de cinco anos no pleito mais apertado da história da Coreia do Sul. Ex-procurador, ele se tornou conhecido por atuar no caso que levou à prisão da ex-presidente Park Geun-hye por abuso de poder e tem trajetória comparada à do ex-juiz Sergio Moro.

O presidente chegou ao poder emulando fórmulas de 'outsiders' tais como Donald Trump, ainda algo inédito no país. Surfou em sucessivas polêmicas de forma a mobilizar as forças conservadoras sul-coreanas, pulverizadas desde o impeachment e prisão da ex-presidente Park Geun-hye, ícone da direita do país

Thiago Mattos

mestre em relações internacionais pela Uerj

3.abr

A oposição até tentou se unir para tirar o premiê da Hungria, Viktor Orbán, do poder, mas o ultradireitista vence com folga as eleições, tendo 135 das 199 cadeiras no Parlamento para seu partido. O resultado acirra a rixa entre o país e a União Europeia —devido a violações ao Estado de Direito, Bruxelas congela bilhões de euros que seriam repassados a Budapeste.

O governo sob Orbán passou os últimos 12 anos tomando, gradualmente, o controle das instituições do Estado, incluindo a Constituição, os tribunais e a mídia. O pleito, vencido de forma decisiva, consolidou seu poder no país

Jakub Jaraczewski

coordenador do think tank Democracy Reporting International

8.abr

Tropas de Putin iniciam ofensiva no Donbass, parte russófona no leste da Ucrânia, formada pelas províncias de Donetsk e Lugansk. Ações marcam início da segunda grande fase do conflito, mais afastada da capital, Kiev.

24.abr

Repetindo 2017, Emmanuel Macron derrota a ultradireitista Marine Le Pen no segundo turno das eleições presidenciais da França. Desta vez, porém, a vitória é por margem bem menor de votos. Semanas depois, ele perde a maioria no Legislativo, e Le Pen vê seu partido conseguir um recorde de cadeiras.

A vitória de Macron representa um alívio temporário na batalha de forças políticas tradicionais da Europa contra o populismo de direita e o adesismo explícito a autocracias. Mas, sem aumentar o dinamismo da economia, ele tende a fazer um segundo mandato mais decepcionante —o que pode abrir as portas para Le Pen

Vinícius Rodrigues Vieira

doutor em relações internacionais pela Universidade de Oxford

11.mai

Cidadã palestino-americana, a repórter da Al Jazeera Shireen Abu Akleh é morta em operação de Israel na Cisjordânia. EUA mais tarde dizem que a bala que a matou provavelmente partiu das forças israelenses, mas a conclusão é impossibilitada pelo estado do projétil, muito danificado. Israel se recusa a cooperar com a investigação.

Centenas de investigações fracassadas ao longo dos anos indicam que Israel não deseja descobrir a verdade —no caso de Abu Akleh e em outros. O sistema de investigação nada mais é do que um mecanismo de maquiagem, e Israel goza de imunidade que lhe permite continuar uma política letal de fogo aberto sem que ninguém seja responsabilizado

Dror Sadat

porta-voz do B'Tselem, Centro de Informação Israelense pelos Direitos Humanos nos Territórios Ocupados

24.mai

Atirador de 18 anos invade escola em Uvalde, no Texas, e mata 19 crianças, no pior massacre em uma instituição de ensino infantil nos EUA em uma década. Em outubro, ataque a tiros provoca cinco mortes em boate gay no Colorado no Dia da Lembrança Transgênero. Episódios mantêm em pauta o debate sobre o acesso a armas de fogo no país.

Os ataques ampliaram a discussão e a pressão por maior rigor nas leis, mas não se esperam grande mudanças em termos legislativos em 2023. Republicanos se mostram contra maiores restrições para além do que foi votado neste ano e, sem leis mais duras e maior controle de armas, as perspectivas de uma alteração do quadro são pessimistas

Denilde Holzhacker

professora de relações internacionais e coordenadora do Núcleo de Estudos Americanos da ESPM

13.jun

Liderados por indígenas, protestos no Equador contra o aumento de preço dos combustíveis culminam com a ocupação de uma central elétrica. Governo de Guillermo Lasso firma acordo com movimentos para encerrar atos.

Quito tem um acordo com o FMI que passaria, em tese, pela retirada dos subsídios à energia, algo que favorece as comunidades indígenas. Lasso cedeu à pressão dessa vez, mas não parece coincidência que ele esteja tentando aprovar uma reforma constitucional para garantir maior presença das forças de segurança

Thiago Vidal

gerente de análise política para a América Latina da consultoria Prospectiva

19.jun

Gustavo Petro derrota o populista Rodolfo Hernández em disputa apertada. A vitória do político, que foi guerrilheiro antes de se eleger senador e prefeito de Bogotá, consagra o primeiro governo de esquerda na história da Colômbia.

A Colômbia foi historicamente governada por elites muito fechadas, e a esquerda foi fisicamente eliminada a partir dos anos 1960. Ter um presidente com ideias mais próximas de um projeto progressista quebra uma hegemonia histórica. Petro soube transformar a agitação social no país em capital eleitoral e político e contou com a força da [vice-presidente] Francia Márquez —que vem de movimentos sociais

Angelica Bernal

cientista política e professora da Escola Superior de Administração Pública, em Bogotá

24.jun

A Suprema Corte dos EUA reverte jurisprudência de décadas e passa a declarar que o direito ao aborto não é garantido pela Constituição. Medida é gatilho jurídico para que leis restritivas de estados conservadores entrem em vigor e desencadeia fase mais incisiva do ativismo pelos direitos reprodutivos. O caso teria ainda papel crucial no contexto político a favor dos democratas, em especial nas midterms.

A decisão deixou claro que direitos, uma vez conquistados, precisam ser preservados, porque sempre há risco de retrocessos. O que está em jogo é se os EUA estão caminhando para se tornar uma sociedade mais conservadora, dividida e desigual ou se essas questões vêm como alerta à população em relação ao risco da perda de direitos civis, políticos e, sobretudo, humanos

Carolina Pavese

doutora em relações internacionais pela London School of Economics e professora da ESPM

29.jun

Otan, aliança militar liderada pelos EUA, categoriza Rússia como inimiga e China como ameaça potencial em documento que marca sua refundação, em meio à Guerra da Ucrânia.

A Otan vinha passando por alta fragmentação e subfinanciamento. A guerra acabou dando legitimação a sua anacrônica existência pós-Guerra Fria e força para países que antes tinham posição de neutralidade, como Finlândia e Suécia, agora almejem aderir à aliança

Vicente Ferraro

doutor em ciência política pela USP

7.jul

Boris Johnson não aguenta a pressão de uma série de escândalos e renuncia após três anos como premiê do Reino Unido. Sua sucessora, Liz Truss, é escolhida em eleição interna do Partido Conservador, mas um plano econômico desastroso faz com que ela também anuncie a renúncia após 44 dias. Ao fim, o derrotado no pleito, o bilionário Rishi Sunak, assume. Em pouco menos de dois meses, o país teve três líderes.

A crise afeta o partido a médio e longo prazo, porque a própria legenda já não sabe mais o que é. Em dois anos haverá eleições, e os conservadores terão que vender uma visão para a população —mas eles estão no poder há 13 anos, então todos os problemas hoje são atribuídos a eles

Kai Lehmann

professor de relações internacionais da USP

8.jul

Shinzo Abe, premiê que por mais tempo governou o Japão, é assassinado a tiros aos 67 anos enquanto discursava num ato de campanha. O caso, em um país em que a violência armada é rara, choca o mundo —e desencadeia uma investigação sobre a atuação da Igreja da Unificação e sua relação com governistas; o atirador alegou que se vingou porque a a mãe fora à falência após doar dinheiro à instituição que, segundo ele, era promovida pelo político.

Um dos legados da gestão Abe foi a mudança na política de defesa militar, propondo a política de pacifismo proativo. Algumas de suas ideias e preocupações relacionadas à segurança continuarão moldando a política japonesa por anos

Alexandre Uehara

professor de relações internacionais e coordenador do Núcleo de Estudos em Negócios Asiáticos da ESPM-SP

22.jul

Estrategista do ex-presidente Donald Trump, Steve Bannon é condenado por desacato ao Congresso, por desrespeitar intimações do comitê que apura ataque ao Capitólio, liderado pelos democratas. Ao chegar ao fim, em dezembro, comitê pede indiciamento do republicano.

O Congresso dos EUA pedir a abertura de um processo criminal contra um ex-presidente é inédito, ainda que não signifique um ponto final para a influência política de Trump. O trumpismo está em decadência, mas o populismo iliberal que ele representa pode ressurgir sob outra roupagem, como a do governador da Flórida, Ron DeSantis

Leandro Consentino

professor de ciência política e relações internacionais do Insper

27.jul

Tensões no Iraque chegam a um ápice quando apoiadores do clérigo xiita Moqtada al-Sadr, cujo partido tinha sido vitorioso nas eleições, invadem o Congresso em protesto contra a demora recorde na formação de um novo governo. Ação é vista pelo grupo xiita rival como tentativa de golpe, e um mês depois, Al-Sadr anuncia aposentadoria em tentativa de acabar com o impasse —que chegaria ao fim em outubro, quando o Parlamento aponta Mohammed al-Sudani para premiê.

A política do Iraque ainda precisa encontrar um caminho comum entre os xiitas, que são maioria. Ao entrarem rachados na coalizão que nomeou Al-Sudani, eles abrem caminho para a revolta que gerou instabilidade

Márcio Coimbra

coordenador da pós-graduação em relações institucionais e governamentais da FPMB (Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília)

28.jul

Colômbia anuncia retomada de laços diplomáticos com a Venezuela após a eleição de Petro. Sinais da reaproximação com a ditadura de Nicolás Maduro pontuam os meses seguintes —motivados, do lado da América Latina, pela "onda rosa" na região, e do lado de Europa e EUA, pela crise energética decorrente da Guerra da Ucrânia.

É uma reaproximação basicamente ideológica de esquerda, mas os líderes no poder hoje estão em posição diferente daquela de seus antecessores em 2010, com [Hugo] Chávez. A abordagem será diferente: eles não tentarão isolar a Venezuela, mas negociar com ela, persuadi-la. E eles têm a oportunidade de convencer Maduro de que ele precisa disso

Isabella Picón

cientista política e ativista

2.ago

A presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, Nancy Pelosi, faz a primeira visita de uma pessoa em seu cargo a Taiwan, ilha considerada rebelde pela China, em 25 anos. A viagem representa um choque diplomático de grandes proporções e faz escalar significativamente a tensão entre Washington e Pequim —em resposta, o país asiático multiplica exercícios militares em torno do território.

Em 2022 as relações entre China e EUA ganharam novo status de atrito, com a Guerra da Ucrânia, disputas comerciais e a tensão envolvendo Taiwan. Os eventos demonstraram que os perigos de um maior acirramento para a segurança e estabilidade da ordem internacional continuam presentes e colocam novos desafios para o mundo

Denilde Holzhacker

professora da ESPM

15.ago

William Ruto é declarado presidente do Quênia, mas até órgão eleitoral contesta resultado. Eleito era vice do atual mandatário, mas havia rompido com ele e disputou como candidato de oposição.

O pleito foi diferente dos anteriores, quando a polarização étnica dominava o jogo de alianças políticas, por três elementos: a campanha contra as elites de que o presidente e o líder da oposição fazem parte; a nova forma de fazer política, mais urbana e menos suscetível à compra de consciências; e a baixa notória do poder de compra, provocada pela pandemia mas também associada à corrupção

Carlos Lopes

ex-embaixador da ONU no Brasil e professor na Universidade da Cidade do Cabo

25.ago

Verão na Europa é um dos mais rigorosos da história e ocasiona dezenas de incêndios florestais e queda no nível de reservatórios de água de vários países. Segundo relatório da OMS, ao menos 15 mil pessoas morrem devido ao calor. Analistas apontam ligação do fenômeno com a crise climática, que influencia outros eventos extremos, como o furacão Ian, nos EUA, e um temporal no Paquistão que levou a mais de mil mortes.

Apesar de políticas climáticas seguirem em vigor na UE, há um sentimento de urgência em relação à crise energética que limita sua implementação a curto prazo —ainda que evidências dos prejuízos das mudanças climáticas sejam amplamente conhecidas

Larissa Basso

pesquisadora do grupo Economia Política Internacional, Variedades de Democracia e Descarbonização da USP

29.ago

Ucrânia inicia sua primeira contraofensiva para tentar retomar áreas no sul do país ocupadas pela Rússia. A partir de então, governo de Zelenski, com grandes ajudas militares do Ocidente, retoma porções como a cidade de Kherson, única capital regional até então conquistada pelas tropas de Putin.

29.ago

Angola oficializa vitória do governista MPLA e afunda chance de alternância de poder 20 anos após fim da guerra civil.

Foi a primeira vez desde o fim da guerra que o MPLA obteve maioria escassa [51,2%]. Parece-me um avanço. Ainda assim, provas de fraude dadas pela oposição são frágeis. Houve ainda grande número de abstenções [55%]; sociedades africanas têm tendência de abstenção porque a política as decepcionou e encaminhou para a polarização

Jonuel Gonçalves

pesquisador da UFF e do Instituto Universitário de Lisboa

1º.set

Cristina Kirchner, vice-presidente da Argentina, é alvo de uma tentativa de assassinato enquanto cumprimenta apoiadores em frente a seu apartamento, mas arma do agressor falha. Três meses depois, a política é condenada por suposta participação em um esquema de desvio de verbas públicas ocorrido no período em que ela e seu marido, Néstor Kirchner, ocuparam a Presidência; cabe recurso.

A política argentina está muito polarizada, então eventos como esses têm pouco efeito sobre as preferências políticas dos cidadãos, mas dois elementos alteraram um pouco o panorama: a fala de Cristina de que ela não se candidatará a nada [em 2023], que pode modificar a oferta política; e a ascensão da ultradireita como representante de camadas mais pobres e vulneráveis do país, historicamente ligadas ao kirchnerismo e ao peronismo

Ana Iparraguirre

cientista política e vice-presidente da consultoria GBAO

4.set

Chile rejeita a proposta de nova Constituição, em uma derrota para o governo do esquerdista Gabriel Boric. A Carta, que ao contemplar reivindicações de grupos indígenas, feministas e ambientalistas foi considerada extremista por parte da população, tinha sido motor da coalizão política após o "estallido social" de 2019. Após três meses de debate, Congresso chegaria a um acordo para iniciar o novo processo constituinte.

O ideal para Boric é que a Constituinte acabe o mais rápido possível —e, para a oposição, que isso se estenda até o final do mandato dele. Devido à configuração do novo processo e do momento do Chile hoje, de refluxo do movimento social, o resultado será bem mais moderado do que o texto aprovado anteriormente. Resta saber se será aprovado

Fabricio Pereira da Silva

professor de ciência política da Unirio

5.set

Rússia interrompe o fornecimento de gás para a Alemanha por meio do gasoduto Nord Stream. Putin afirma que a condição para a retomada do suprimento é o fim das sanções sobre seu país e é acusado de usar a energia como arma de guerra. A ação leva a Europa a buscar alternativas antes do inverno.

A guerra leva a um drástico corte da interdependência energética entre Europa e Rússia e a um aumento das relações do continente com EUA, Oriente Médio e Noruega. Enquanto isso, parte do gás russo agora vai para Índia e China a preços abaixo do mercado. Houve ainda, a curto prazo, mais produção de carbono, simultaneamente a um impulso nos investimentos em energia renovável

Eduardo Viola

professor de relações internacionais de FGV, USP e UnB

8.set

Rainha Elizabeth 2ª morre, aos 96 anos. Vista como mantenedora da estabilidade do Reino Unido, ela teve o maior reinado da história do país, que ficou de luto por 12 dias consecutivos. Seu filho mais velhor se torna o rei Charles 3º.

Elizabeth 2ª navegou as mais diferentes configurações da política internacional. Charles encontra situação turbulenta: a Inglaterra enfrenta uma de suas maiores crises em décadas, tendo a guerra a impactar negativamente as perspectivas futuras —além das incertezas suscitadas pelo brexit

Dawisson Belém Lopes

professor de política internacional da UFMG e pesquisador visitante na Universidade de Oxford

14.set

Após oito anos no poder, o bloco dos sociais-democratas perde a maioria no Parlamento da Suécia. A derrota marca a ascensão da ultradireita em uma nação conhecida por políticas progressistas e de bem-estar social. Os Democratas Suecos, adeptos a discursos negacionistas, são a segunda maior força no pleito e entram na aliança liderada pelos Moderados, de centro-direita.

O recém-nomeado governo conservador é explicitamente moldado pela ultradireita, e ainda é cedo para avaliar a influência desse movimento no Executivo. Mas na área de ambiente ele já contribuiu para o ingênuo entusiasmo industrial moderno da energia nuclear e para o desmantelamento do ministério do setor

Martin Hultman

professor associado em Ciência, Tecnologia e Estudos Ambientais da Universidade Técnica Chalmers

16.set

A jovem curda Mahsa Amini morre sob custódia da polícia moral em Teerã, após ser detida por supostamente violar as rígidas normas de vestimenta para mulheres no país. Protestos têm início em sua cidade natal, Saqez, e se espalham para outras partes do Irã, tornando-se um dos maiores desafios ao regime do aiatolá Ali Khamenei desde a Revolução Islâmica de 1979.

A angústia provocada pelo assassinato brutal de Amini se transformou em revolta de fôlego. O movimento busca autodeterminação para curdos, baluchis, árabes e outros grupos étnicos, o que pode contribuir para uma região mais pacífica e inspirar outros povos a derrubar regimes opressores

Loqman Radpey

professor de direito internacional na Universidade de Edimburgo

21.set

Em pronunciamento, Putin determina pela primeira vez a mobilização de até 300 mil reservistas para lutar na Guerra da Ucrânia, indício de dificuldades de sua campanha. Também reafirma pretensão de anexar quatro regiões ucranianas por meio de referendos e ameaça usar armas nucleares contra EUA e aliados que apoiam Kiev.

22.set

Grupo de gangues G9 bloqueia o maior terminal de petróleo do Haiti após o governo anunciar o fim de subsídios para combustíveis, provocando caos no transporte e forçando comércios e hospitais a interromperem atividades em meio a um novo surto de cólera. Semanas depois, premiê Ariel Henry solicita à comunidade internacional apoio para deter o poder paralelo. Parte da população rechaça a ideia e vai às ruas exigir a renúncia do líder.

O Haiti viveu nos últimos 30 anos uma progressão de crises muito severas, políticas e humanitárias. Hoje, a situação de segurança está em colapso, áreas gigantescas são controladas por gangues. Esse problema precisa ser resolvido para que a principal questão, que é social, também seja

Pedro Braum

antropólogo da ONG Viva Rio

25.set

O Irmãos da Itália vence as eleições e emplaca sua líder, Giorgia Meloni, no cargo de primeira-ministra. Com origem no fascismo, a legenda coloca de volta a ultradireita no poder cem anos após a Marcha sobre Roma. Desde que assumiu, a primeira líder mulher do país adotou postura com acenos à União Europeia.

O Irmãos da Itália é herdeiro da longa tradição da ultradireita na Itália e tem como principal traço a capacidade de atuar dentro e fora do sistema. A legenda é antieuropeia, mas parte dela defende a adesão à Otan. Paralelamente, trata-se de um partido identitário, com patriotismo exacerbado, que quer impedir a entrada de imigrantes no país

Fabio Gentile

professor de ciências políticas da UFC (Universidade Federal do Ceará)

8.out

Explosão destrói parte da ponte que conecta a Rússia à península da Crimeia, anexada em 2014. A estrutura é considerada rota crucial de abastecimento para as tropas de Putin na Ucrânia e, em reação, Moscou inicia bombardeios frequentes à infraestrutura civil do país vizinho.

23.out

Sem surpresa, Xi Jinping é coroado com um inédito terceiro mandato de cinco anos à frente do regime chinês. O líder, que rompeu com discrição histórica e projetou Pequim à liderança global, mantém o poder em meio à uma série de crises: Covid zero, Guerra da Ucrânia, disputas comerciais com os EUA, desaquecimento do mercado imobiliário local e aumento global da inflação.

Xi priorizou o fortalecimento do partido, o aumento do controle sobre a economia e a sociedade e a consolidação do modelo Estado-partido. A China erradicou a pobreza extrema e construiu uma sociedade moderadamente próspera. O terceiro mandato deve dar a ele papel central na transição almejada para uma economia de baixo carbono

Karin Vazquez

professora e pesquisadora da Universidade Fudan, em Xangai

29.out

A morte de 158 pessoas em um tumulto durante a celebração do Halloween abala a Coreia do Sul. As vítimas ficaram prensadas em ruas estreitas e um beco da capital, Seul —mais de 170 pessoas ficaram feridas. Investigações apontam que a demora do socorro agravou o caso.

Como os festejos acontecem de forma espontânea, sem organizadores oficiais, a responsabilização sobre o incidente se tornou fonte de constrangimento para as autoridades. Muitos traçam comparações com o naufrágio do Sewol em 2014, quando 306 passageiros morreram afogados —em especial sobre a dificuldade em atribuir culpa aos eventos

Thiago Mattos

mestre em relações internacionais pela Uerj

1º.nov

Israelenses vão às urnas pela quinta vez em três anos após o colapso do governo de união nacional do premiê Naftali Bennett. Votam pelo retorno ao poder de Binyamin Netanyahu, mais duradouro chefe de governo da história do país, agora liderando a coalizão mais à direita já vista.

A ascensão de políticos radicais como Itamar Ben-Gvir pode vir a trazer maiores mudanças para a política interna, como em relação aos direitos da população LGBTQIA+. Para a população palestina, depois de o próprio Bennett pouco ter avançado nas negociações, pode haver a retomada do projeto de anexação de parcelas da Cisjordânia

Bruno Huberman

professor de relações internacionais da PUC-SP

1º.nov

Coreia do Sul acusa o vizinho do Norte de lançar ao menos 23 mísseis, o que seria o maior número de disparos por Pyongyang em um único dia. Os novos testes ocorrem horas após a ditadura norte-coreana exigir que EUA e Seul interrompam a realização de exercícios militares na região.

A Coreia do Sul tem os EUA como aliado há anos, e mesmo que o Norte tenha a China como parceiro comercial e estratégico, não se pode especular que tais demonstrações de poder façam eclodir um conflito regional novamente. Já em 2006 Pyongyang realizou testes nucleares

Vanessa Matijascic

professora de relações internacionais da FAAP

2.nov

Etiópia e separatistas do Tigré acertam acordo para encerrar guerra civil após dois anos de conflito.

O acordo permite ter certo otimismo. Negociadores locais conseguiram assumir o protagonismo, rebeldes do Tigré querem retomar um quadro estável após a terra arrasada e o governo etíope que construir a imagem de país confiável. Ainda assim, há um estrago deixado para trás, como 5 milhões de pessoas que precisam de ajuda humanitária e milhares de deslocados

Victor Martins de Souza

professor de história contemporânea e relações internacionais da Unilab (Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira)

9.nov

As midterms —eleições de meio de mandato nos EUA— têm saldo positivo para o Partido Democrata. Apesar de ter perdido maioria na Câmara, a sigla de Joe Biden contém a "onda republicana" que ameaçava sua governabilidade. No Senado, o partido saiu com 51 dos 100 assentos.

As midterms de 2022 foram uma das mais importantes da história da democracia nos EUA. Com trumpistas adeptos de teorias conspiratórias concorrendo para cargos-chave no Congresso e nos estados, estava em jogo a lisura do processo democrático. Biden e os democratas conseguiram vitórias expressivas, algo que já impacta o futuro do trumpismo e repercutirá em 2024

Felipe Loureiro

historiador e professor do Instituto de Relações Internacionais da USP

26.nov

Um incêndio leva a protestos na região de Xinjiang, no extremo oeste da China, com multidões gritando contra a política de Covid zero, em um momento em que o gigante asiático registrava recordes de casos. Testemunhas afirmam que residentes não puderam escapar a tempo porque a construção estava parcialmente trancada para impedir a disseminação do vírus. O caso dá início a manifestações em outros locais e, semanas depois, o regime de Xi Jinping flexibiliza sua política contra a pandemia.

A cesta de políticas de prevenção e controle da pandemia na China é marcada pela Covid zero em um extremo e o total relaxamento no outro. Políticas para aumentar a resiliência da população e do sistema de saúde ficaram em segundo plano, inviabilizando uma estratégia de saída da política de Covid zero de forma progressiva e sustentada

Karin Vazquez

professora e pesquisadora da Universidade Fudan, em Xangai

3.dez

Parlamento da África do Sul rejeita abertura de impeachment contra o presidente Cyril Ramaphosa, após suspeitas envolvendo a descoberta de que ele guardou grande montante de moeda estrangeira em sua fazenda.

Ramaphosa é o favorito para as eleições de 2024, mas seu partido está dividido entre sua ala e a do ex-presidente Jacob Zuma, vista como mais ideologizada e corrupta. Não deixa de ser triste que a população esteja pronta para aceitar a opção ‘menos pior’. De todo modo, Ramaphosa é importante para as relações internacionais da África do Sul: tem bons laços com todas as superpotências globais e é um presidente mais aberto, que impulsiona o crescimento econômico

Marisa Lourenço

analista política para África Austral

7.dez

Pedro Castillo, presidente do Peru, fracassa em uma tentativa de golpe e é destituído pelo Congresso e preso preventivamente. É sucedido por sua vice, Dina Boluarte, primeira mulher a chefiar o país —e sétima pessoa no posto em pouco mais de seis anos. Apoiadores do populista vão às ruas para demandar a libertação do ex-líder e novas eleições.

O que vemos espelha o que ocorreu nas eleições: um país dividido. Não há consenso social em torno da classe política, o Congresso é extremamente mal avaliado. E o que parece é que essa classe não está entendendo que o que está em questão não é a substituição do presidente, mas a mudança do sistema político, para torná-lo um pouco mais estável

Thiago Vidal

gerente de análise política para a América Latina da consultoria Prospectiva

8.dez

Quando os sociais-democratas venceram as eleições legislativas da Alemanha em 2021 e Olaf Scholz foi nomeado premiê, poucos analistas imaginavam que ele seria capaz de substituir Angela Merkel à altura. Em um ano de governo, o político conseguiu sobreviver aos trancos e barrancos.

Mais de 60% dos alemães consideram a gestão Scholz regular ou ruim. Contudo, apesar do pragmatismo sem carisma que o caracteriza, ele tem tomado decisões importantes —na integração europeia, em matéria de política exterior e de defesa e nas questões climáticas

Jamile Bergamaschine Mata Diz

diretora do Centro de Excelência Jean Monnet da UFMG

15.dez

Após ver rejeitada na Câmara uma emenda à Constituição que reduzia o orçamento e a estrutura do INE (Instituto Nacional Eleitoral), o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, aprova no Senado projeto com o mesmo fim. Para opositores, legislação ameaça a independência do órgão, incumbido de organizar as votações e zelar por sua lisura.

AMLO se mostra cada vez mais determinado em cimentar um poder autoritário, destruindo as bases da democracia e reduzindo as capacidades dos poderes que equilibram o governo. O que está em xeque é se a sociedade mexicana será capaz de restaurar o equilíbrio dos poderes e tentar recuperar a democracia ou se o controle que o presidente busca se consolidará

Francisco Valdés

professor de ciência política da Unam (Universidade Nacional Autônoma do México)

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