Dia #77 – Sexta, 29 de maio. Cena: Nissan anuncia que vai fechar as portas em Barcelona, demitindo 3.000, e Alcoa faz o mesmo em Lugo; funcionários protestam diante das fábricas, queimando pneus e bloqueando o acesso à cidade.
Eu podia tá matando, eu podia tá roubando, eu podia tá escrevendo meu texto, mas tô olhando receita de bolinho de chuva no Instagram.
Mentira. Estou acompanhando os "rifirrafes" (atritos) do dia (muchos, cada vez mais abundantes e eskalakafróticos).
A tensão política entre esquerdas, direitas e marcianos tem se agigantado em fúria ninja ao quadrado desde que o ministro do Interior, Fernando Grande-Marlaska, assinou a demissão do chefe da Guarda Civil de Madri, Diego Pérez de los Cobos, no começo desta semana.
Mais exatamente, na calada da noite, já que o telefonema crucial da demissão foi feito no final do último domingo. Bad, bad move.
Até agora, já caíram também os números dois e três da instituição. Motivo: a divulgação de um informe sobre as manifestações do Dia da Mulher, em março, que estaria coalhado de imprecisões e manipulações —aparentemente, fundamentando a tese de que o governo foi inconsequente ao permitir os eventos, já ciente de que vivíamos um momento de alerta sanitário internacional.
Os eventos do 8M na Espanha têm sido utilizados reiteradamente pelos haters como exemplo-gênesis da má gestão da epidemia.
A demissão repentina de Cobos e companhia caiu como uma luva de látex: toca agora escutar discursos apaixonados pedindo a cabeça de Marlaska ou reafirmando o "apoio à nossa polícia", como disse o líder do PP, principal partido da oposição, Pablo Casado.
O informe havia sido encomendado por uma juíza de Madri que investiga o delegado do governo (cargo que representa a administração central em âmbito regional) por prevaricação, ao autorizar não só as passeatas do 8M como —ora vejam— um congresso do partido de ultradireita Vox com 9.000 participantes na mesma data e uma partida de futebol da Liga que reuniu mais de 60 mil pessoas.
Entre os detalhes do relatório que têm sido escrutinados publicamente, há testemunhos distorcidos, citações mutiladas, fontes duvidosas e dados equivocados.
A mídia espanhola comprou a briga, e zilhares de jornais, portais e canais têm publicado investigações e perspectivas sobre diferentes trechos do documento de 81 páginas.
Só pra ficar num dos pontos elementares: segundo o informe, o surto de coronavírus teria sido declarado pela Organização Mundial da Saúde como pandemia em 30 de janeiro. Na realidade, a data correta é 11 de março, três dias antes do decreto do estado de emergência na Espanha.
Enquanto isso, avança a desescalada em todo o país. Ou quase: 70% passam à chamada fase 2 na segunda-feira que vem.
Essa etapa permite reuniões de até 15 pessoas, amplia as faixas horárias para passeios e prática de esportes (reservando três horas preferenciais para os maiores de 70 anos) e permite a reabertura de praias, centros comerciais e áreas fechadas de restaurantes, bares e outros estabelecimentos, com lotação limitada.
Como na fase 1, não se pode sair da província, área sanitária ou ilha onde se vive.
A cidade de Barcelona, como Madri, permanece na fase 1 por mais uma semana. É a única unicazíssima em toda a vasta costa mediterrânea espanhola a não liberar banhos de mar nesta segunda. Guenta corazón.
“Músicas para Quarentenas” podem ser escutadas aqui.
DIÁRIO DE CONFINAMENTO
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Dia 1: 'Não estamos de férias, mas em estado de alarme'
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Dia 2: 'Teste, só para pacientes internados'
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Dia 3: 'A vida vista de cima'
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Dia 4: 'Panelaço contra o rei'
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Dia 5: 'O perigo mora em casa'
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Dia 6: 'Solidariedade em tempos de vírus'
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Dia 7: 'O lado utópico da crise'
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Dia 8: 'O canto dos pássaros urbanos'
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Dia 9: 'Os de baixo ficam sem banquete'
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Dia 10: 'Essa desproteção vai cobrar fatura'
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Dia 11: 'Se não estamos no pico, estamos muito próximos'
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Dia 12: 'Tensão cresce em diferentes setores'
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Dia 13: 'Único tratamento agora é a disciplina'
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Dia 14: 'Os domingos são como segundas, e as segundas como domingos'
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Dia 15: 'Cada incursão ao exterior é uma operação de guerra'
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Dia 16: 'Começam a proliferar os vigilantes da lei entre os cidadãos'
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Dia 17: 'Tem chovido muito nestes dias em Barcelona'
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Dia 18: 'Tem chovido muito nestes dias em Barcelona'
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Dia 19: 'A vida vai registrando uma sucessão de recordes negativos'
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Dia 20: 'Come chocolates, pequena'
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Dia 21: 'Com avanço da crise, aumentam a tensão e as divergências'
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Dia 22: 'Separados por confinamento, casais marcam encontro no supermercado'
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Dia 23: 'Independentemente da duração, todos sabemos o que é uma quarentena'
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Dia 24: 'A manhã começou com um tutorial japonês maravilhoso sobre tofu'
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Dia 25: 'Espanha testará 30 mil famílias'
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Dia 26: 'Hoje deu vontade de ver o mar'
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Dia 27: 'Perspectiva é de que quarentena tenha prorrogação-da-prorrogação'
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Dia 28: 'E eu, sou não-essencial?'
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Dia 29: 'Qual é a importância das pequenas coisas?'
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Dia 30: 'Após um mês, os espanhóis (alguns) voltam às ruas'
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Dia 31: 'Não há ninguém para colher cerejas'
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Dia 32: 'Queremos pedir que você busque outra casa'
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Dia 33: 'Sobre política e pardais'
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Dia 34: 'As mandíbulas de Salvador Dalí'
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Dia 35: 'Escola, só no ano que vem'
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Dia 36: 'A Nova Normalidade'
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Dia 37: 'A dor é temporária; o orgulho é para sempre'
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Dia 38: 'O início da reconstrução'
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Dia 39: 'O elaborado ritual do passeio em família'
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Dia 40: 'A cidade mascarada'
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Dia 41: 'Um Dia dos Namorados diferente'
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Dia 42: 'Sair, sim, mas com separação de brinquedos'
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Dia 43: 'Tínhamos que tomar decisões duras e rápidas'
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Dia 44: 'A cidade das crianças'
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Dia 45: 'Isso não acabou'
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Dia 46: 'Quatro etapas para o verão'
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Dia 47: 'As piedras no caminho'
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Dia 48: 'O jeito luso'
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Dia 49: 'As novas regras do rolê'
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Dia 50: 'Sobre crânios e crises'
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Dia 51: 'Um dia inesquecível'
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Dia 52: 'Começa o descofinamento'
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Dia 53: 'O comandante e as ovelhas'
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Dia 54: 'Confinados por um fio'
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Dia 55: 'O calor e o jogo do contente'
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Dia 56: 'A Barcelona de mil caras'
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Dia 57: 'Redescobrindo o amor'
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Dia 58: 'Espanha avança pela metade'
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Dia 59: 'O voo da discórdia'
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Dia 60: 'O ano que não houve'
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Dia 61: 'Passando de fase'
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Dia 62: 'Sobre manifestações e cabeleireiros'
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Dia 63: 'San Isidro com flores e máscaras'
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Dia 64: 'Dá medo, medinho, medaço'
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Dia 65: 'Máscaras e luvas jogadas na rua'
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Dia 66: 'Quentinhas de luxo'
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Dia 67: 'Brasil para espanhol ver'
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Dia 68: 'Parecia Copacabana'
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Dia 69: 'O passinho do lagarto'
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Dia 70: 'As pessoas meio que gritam entre si'
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Dia 71: 'O augúrio chinês'
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Dia 72: 'Estamos enlouquecendo?'
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Dia 73: 'Nazaré confusa e fila pra cerveja'
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Dia 74: 'Enquanto julho não vem'
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Dia 75: 'Contemplemos, meditemos, recordemos'
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Dia 76: 'A fábula do terrorista e da marquesa'
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Dia 77: 'O informe da discórdia'
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Dia 78: 'Lições da cólera em tempos de coronavírus'
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Dia 79: 'Nos deram um pouco de liberdade e agimos como se o vírus não existisse'
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Dia 80: 'Sem pressa, mas sem pausa'
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Dia 81: 'Botellones, a nova discoteca pós-Covid'
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Dia 82: 'Pandemia, crise e racismo'
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Dia 83: 'Sair da UTI para ver o mar'
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Dia 84: 'A senhora deu positivo e deve se isolar imediatamente'
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Dia 85: 'A verdade é que é uma incerteza para todos'
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Dia 86: 'A cultura de bar na Espanha é expressiva'
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Dia 87: 'Todo cuidado é pouco e, inclusive, pode não ser suficiente'
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Dia 88: 'O vírus segue sendo uma ameaça'
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Dia 89: 'O fogo que nunca se apaga'
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Dia 90: 'Uma bolha, uma família'
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Dia 91: 'Músicos do mundinho, uni-vos'
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Dia 92: 'Como um clube de jazz dos anos 1930'
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Dia 93: 'Dinheiro pode estar com os dias contados no pós-pandemia espanhol'
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Dia 94: 'Uma vida de mil e uma regrinhas'
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Dia 95: 'Cada dia, ao chegar em casa, me isolava da minha família'
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Dia 96: 'Abraços, mesmo que de plástico'
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Dia 97: 'Em casa com o agressor'
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Dia 98: 'Já vivemos como podemos, e não há mais'
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Dia 99: 'O ídolo pop e as amêndoas'
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