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Diário de confinamento: 'Isso não acabou'

Profissionais de saúde vão às redes para pedir 'responsabilidade por parte da cidadania'

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Barcelona

Dia #45 - Segunda, 27 de abril. Cena: meu compi de apartamento está trocando ideia com o passarinho de casa, mesclando piês e pensatas existenciais.

"Amor, não sei como começo meu texto hoje" (eu, falando com o digníssimo). "Por que você não fala da ilha Sentinela do Norte, onde os nativos estão isolados do mundo e não sabem de nada do que está acontecendo?"

Verdade. Isolados talvez há 55 mil anos, os habitantes dessa remota ilha no oceano Índico nunca foram muito hospitaleiros com os visitantes, recebendo todo mundo com flechadas, de navio mercante no século 19 e documentarista da National Geographic nos anos 1970 a helicópteros do governo indiano em 2004, em voo de reconhecimento pós-tsunami.

Voluntário registra crianças e seus pais com autorização para saírem de casa em Molins de Rei, próximo a Barcelona - Joan Gosa - 26.abr.20/Xinhua

Uma vítima que dá pena é o jovem missionário norte-americano morto pelos antissociais sentinelenses há pouco menos de dois anos. Mas que mania essa da Igreja de querer converter até pedra. Dels me perdoe.

Ele foi lá a primeira vez, levou flechada na Bíblia; e, na segunda vez, a flecha transpassou a palavra do Senhor. Dizem que na hora da morte ele gritava: “Jesus ama vocês!”.

Não me levem a mal. Não sou anti- ou pró- nada. Acho que a liberdade de expressão passa pela liberdade de religião. E escolhi montar minha barraquinha em um país que é um dos últimos redutos ocidentais absolutos da Igreja Católica.

Tanto, que a declaração do Imposto de Renda do espanhol tem lá uma casinha opcional com um dízimo de 0,7% sobre o valor total da quota a pagar. O objetivo, como define o próprio governo, é "colaborar com o sustento econômico da Igreja Católica e outros fins de interesse social".

Pra ser mais exata, o contribuinte pode ticar até duas casinhas, assim:

- Igreja Católica

- Fins Sociais

Em 2019, um de cada três contribuintes espanhóis pagou o dízimo católico, gerando uma caixinha de quase 285 milhões de euros (R$ 1,76 bilhão) para a Igreja —única franquia religiosa a ter esse privilégio fiscal.

Bem que podiam acrescentar "máscaras" nessas casinhas de benfeitoria.

Com o desconfinamento infantil que começou neste último domingo (26), até uns 5 milhões de minipessoas poderão precisar de minimáscaras nas próximas semanas.

Uma questão um tanto premente, uma vez que mesmo as máscaras sênior estão escassas no mercado.

Depois do vexame nacional de ontem, quando imagens de pais&filhos amontoados em praias e centros urbanos (além de uns tantos adultos sem prole) geraram uma revolta geral por parte de internautas via redes sociais, a segunda-feira amanheceu muito mais pacífica e com muito menos gente nas ruas (e mais polícia –as multas por não seguir à risca as normas vão de 600 a 1.500 euros, ou seja, de R$ 3.713 a R$ 9.282).

Procura lá: as hashtags espanholas do momento são #niñosenlacalle e #irresponsables.

No meio de milhares de mensagens e threads indignadas com as demonstrações de imprudência de uns tantos ontem, um grupo de cidadãos se queixou com especial veemência: os profissionais de saúde.

"Não queremos aplausos, queremos responsabilidade por parte da cidadania", disse um médico, em vídeo que viralizou nas redes e na imprensa. "Muitos de vocês têm que passar pelas UTIs pra ver como está a coisa.”

"Aos pais que cumpriram as normas, parabéns, é o que se deve fazer; mas todos esses irresponsáveis que se juntam com os vizinhos e montam festa na rua: sem-vergonhas, isso é o que vocês são”, completa.

Um enfermeiro de Málaga com 35 mil seguidores no Instagram desabafa: “Mais de dois meses sem ver meus pais, mais de 23 mil vidas perdidas, muitas pessoas ainda lutando nas UTIs, companheiros que perderam a vida, o resto lutando todos os dias com esse medo de nos contaminar, milhares de pessoas perdendo seus trabalhos…. Tinha uma leve esperança de que algo mudaria. Preparem-se para os ‘rebrotes’ [novos surtos de contágio], isto não terminou”.

Depois do desconfinamento infantil, o próximo passo (quase confirmado) será permitir passeios breves e esporte na rua a partir do próximo fim de semana, possivelmente com distintas regras em diferentes partes do país.

“Aplicar o estado de emergência foi fácil”, declarou à imprensa um ministro não identificado.

“O conceito é simples: ninguém sai. Ponto. Por outro lado, voltar às nossas vidas de antes... é muito difícil. Os protocolos não estão adiantados nem maduros e dependem de muitos fatores.”

Inclusive, ora-vejam, a responsabilidade cidadã em nome de todos. Que Jah nos ajude.

“Músicas para Quarentenas” podem ser escutadas aqui: https://soundcloud.com/kinglolaofficial

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